Nos últimos 40 anos, apenas cinco pessoas governaram Itajaí. Volnei Morastoni (MDB), exercendo seu terceiro mandato na prefeitura, é uma delas. Retrato de uma cidade que evita surpresas na hora de escolher a administração municipal, mas também as dificuldades de renovação política no município que tem a quarta maior população e a segunda maior economia do Estado.
É a essa transição política – Morastoni não tem direito à reeleição e nem candidato a sucessor claro até o momento – que ele credita o momento de colisão com a Câmara de Vereadores, onde tramita um processo de impeachment em que é questionado o recebimento dos salários de prefeito nos dois meses em que pediu afastamento por problemas de saúde. Morastoni diz que houve consulta até à própria Câmara antes da definição dos pagamentos e o processo é meramente político, com origem em uma briga por cargos na prefeitura.
Morastoni me recebeu em seu gabinete na Prefeitura de Itajaí para falar do processo de impeachment e avaliar o momento político da cidade. Falou sobre o governador Jorginho Mello (PL), de quem foi colega na Assembleia Legislativa, e da apreensão com as obras do Plano 1000. Falou também da mudança na presidência de Jair Bolsonaro (PL) para Lula (PT) e do impasse que praticamente parou o Porto de Itajaí.
UPIARA ONLINE – Como está a sua relação com a Câmara de Vereadores?
Morastoni – Independentemente dos problemas que estão tramitando lá, como o processo de impeachment contra mim, que é uma questão política, temos uma relação diária e um diálogo continuado com a Câmara de Vereadores. Mas é uma relação que vai se criando um tensionamento porque eu fui reeleito em 2020 e na minha coligação foram eleitos 10 vereadores e sete dos partidos da oposição.
Quando tomei posse, dia 1º de janeiro, três vereadores meus, da minha base de apoio, se converteram para o lado da oposição e inverteu a lógica. Eles ficaram com 10 e eu fiquei com sete. A gente busca ter a maioria, pois o poder da cidade não é só o Executivo – é o Executivo e o Legislativo. Você precisa ter essa relação, este diálogo. Fiz um esforço muito grande durante todo o ano de 2021 para trazer esses vereadores de volta e recompor a base de apoio.
Eles voltaram, mas na verdade tinham um acordo interno na Câmara de Vereadores. Quando foram para a oposição, elegeram o presidente e a mesa diretora. Então eles ficaram numa ambiguidade. Estavam no governo, mas não estavam. Na maioria das vezes não votavam conosco, tínhamos que ficar pedindo por favor para votarem os projetos do governo. Isso levou a um tensionamento e foi um ano de muita negociação.
Tinham uma indicação de mais de uma centena de cargos e quando chegou no final do ano passado, com essas dificuldades todas, e aí foi a eleição novamente da mesa diretora da Câmara, era o momento de se rever tudo isso, de poder ter uma composição eclética entre a situação e oposição, que nós propusemos, mas eles acabaram fechando novamente só com a oposição.
UPIARA ONLINE – E neste cenário como o senhor avalia o processo de impeachment?
Morastoni – O impeachment nasceu dessa história de mudança de lado dos vereadores. Com toda essa ambiguidade, no final de 2022 eles ratificaram a mesma posição. Eu disse: “Se vocês são governo, então componham conosco”. Mas não levaram em conta e nos excluíram totalmente da mesa e das comissões. Moral da história: nesse processo, tivemos que tomar uma atitude de rever os cargos que eles tinham no governo pela necessidade de precisarmos construir uma base de apoio com outros vereadores. Executamos todas as exonerações, mas tentamos continuar negociando com eles e com outros vereadores durante esse primeiro semestre, e acontece que não se chegou a nenhum acordo.
“O que eles apresentavam de listagem de cargos era algo muito além do que se poderia atender e do bom senso. Um desvio total da política com P maiúsculo, apenas no sentido fisiológico de interesses muito escusos. Essa insatisfação com a ruptura levou para ameaças de CPIs, impeachment e tal. Foi nesse contexto que criaram um impeachment sem nenhuma razão de mérito, totalmente de natureza política.”
Fruto justamente do trabalho que tenho feito em todos esses anos sem parar para tirar férias, trabalhando o dia todo, direto, em 2020 com a Covid, quando fui defensor dos protocolos precoces.
Tivemos muitos enfrentamentos, desde as questões da ivermectina, do ozônio que apresentamos aqui, mas que renderam muitas representações no CRM, no Ministério Público, partindo da Câmara de Vereadores. Ainda teve a campanha de reeleição, que foi exaustiva.
Assumi em 2021 com essa história toda da contrariedade dos vereadores que foram para o outro lado. Foram anos muito extensos, foi acumulando muita tensão e cansaço. Entrei numa fadiga física e mental, fadiga mesmo, cansaço. Isso me levou a ter uma série de sintomas psíquicos que acaba criando ansiedade, medo, tensão, angústia, dificuldade até para cumprir alguns compromissos de reuniões.
Por recomendação médica, depois de resistir muito, fui obrigado a pedir licença por 30 dias e depois tive que renovar por mais 30 dias. Com esse afastamento, consultei a Secretaria de Administração sobre o meu direito de manter meus vencimentos ou não. Foi informado, após consulta à Procuradoria do município, que eu tinha direito de sair para tratamento de saúde mantendo a remuneração. Isso passou pelo parecer da Procuradoria, confirmando a legalidade, até porque sou médico da Secretaria Estadual da Saúde licenciado para exercício do cargo de prefeito.
Como médico do estado, pago o Iprev e continuo pagando. Quando tive que me licenciar, foi feito tudo oficialmente por portaria da secretaria que me colocou à disposição da Prefeitura de Itajaí, que assumiu minha remuneração. Nessa condição, muito especificamente, não dependo do INSS. Nesse regime próprio, esses custos para tratamento de saúde são despesas do município, com a remuneração de prefeito sendo mantida. Todos os pareceres são nesse sentido.
Mas a oposição, simplesmente insatisfeita, como forma de criar antagonismo com o prefeito, acabou participando para a criação desse processo de impeachment. É um impeachment motivado pelo fato de eu ter me licenciado por dois meses para tratamento de saúde e ter recebido a remuneração como prefeito nesse período. Eu estava em tratamento e com base nos pareceres, temos certeza que estamos absolutamente corretos e não há motivação de mérito a não ser política.
UPIARA ONLINE – Causa um dissabor maior o fato de terem usado seu problema de saúde para criar uma situação política?
Morastoni – Acho algo totalmente equivocado, sem justificativa e mostra uma insensibilidade porque é um motivo de saúde comprovado, que a cidade toda sabia. Foi encaminhado um requerimento à Câmara de Vereadores perguntando como ficaria minha remuneração do ponto de vista do Legislativo. Eles autorizaram meu afastamento e falaram que a remuneração era uma decisão do Executivo. Ou seja, lavaram as mãos e não se posicionaram. O parecer do Executivo era pelo pagamento por razões legais, técnicas e justificadas.
O máximo que poderia ter acontecido no caso da Câmara, depois que teve oportunidade e não se manifestou, poderia simplesmente notificar para que o prefeito devolvesse o recurso que recebeu na oportunidade. Não tem absolutamente nada de ilegal no que foi feito. A comissão processante está em andamento na Câmara, está ouvindo testemunhas e acho que até o final de julho ou meados de agosto deve ser concluída e tenho certeza que no final nós vamos ser reconhecidos como corretos.
UPIARA ONLINE – Itajaí é uma cidade de poucos prefeitos. Desde 1983, foram apenas quatro nomes. Três mandatos seus, quatro do Jandir Bellini, dois do Arnaldo Schmitt, um do João Macagnan. Não é uma cidade de trocar muito. É uma cidade que confia no que já viu. Como o senhor acha que serão lembrados os três mandatos do Morastoni pelo itajaiense?
Morastoni – Isso é uma verdade. Itajaí é uma cidade conservadora. São sete mandatos alternados no período (os de Morastoni e Bellini) e é uma prova desse conservadorismo, de não trocar o certo pelo duvidoso, mas esse ciclo está terminando. Eu não posso mais ser candidato à reeleição – nem eu nem meu filho, que é vereador.
A renovação que está em vista é de novos candidatos, que não têm experiência, não tem esse acúmulo de mandatos. Para ser prefeito, fui duas vezes vereador, depois me elegi deputado estadual. Tive três mandatos como deputado e no terceiro fui presidente da Assembleia. Aí que vim para a prefeitura, que já era minha quarta eleição como candidato a prefeito.
Tive que mostrar várias vezes para a cidade o que tinha a propor, o que queria fazer, quem era eu, o que representava para a cidade. Tive que me apresentar várias vezes para ser considerado apto, com acúmulo de mais mandatos de vereador e deputado estadual.
UPIARA ONLINE – O senhor que acha esse fim de ciclo e a quantidade de políticos emergentes em busca desse protagonismo é parte dessa crise com a Câmara?
Morastoni – A política está muito modificada. Está numa fase muito desastrosa do ponto de vista dos conceitos de ética e moral. Esse binômio nacional de tensionamento entre dois polos a partir de tudo que aconteceu – do impeachment da Dilma, do processo todo que o presidente Lula sofreu e depois o período do presidente Bolsonaro. Criou-se uma tensão onde tudo o que ficou no meio ficou num vácuo e os valores morais, éticos, da política propriamente dita, ficaram em segundo plano.
“A política está sendo feita de forma muito fisiológica, mercantilista, interesseira. Faltam projetos, compromisso social e moral. Houve uma degradação da política e isso permeia as instituições e a Câmara de Vereadores de Itajaí passa por esse processo também.”
UPIARA ONLINE – O que o senhor destaca da sua gestão nesse período, neste último mandato?
Morastoni – Iniciamos em 2017 fazendo um planejamento estratégico no município de Itajaí. Pensamos: vamos governar por quatro anos, talvez por oito anos se formos eleitos e vamos fazer um plano para 8 anos ou para 10, 15, 30, 50 anos na frente?
Em comum acordo com a Univali, fizemos todo um processo com muitos encontros na cidade, com diversas camadas da população, que resultou num planejamento olhando para Itajaí em 2040 para termos uma cidade moderna, sustentável, com justiça social.
Para trabalhar nessa direção, questões como a mobilidade urbana, que se tornou um fator especial e determinante para se pensar no presente e futuro da cidade. A partir daí fizemos todo um planejamento. Fomos buscar um financiamento que na verdade são investimentos internacionais – U$ 62 milhões via Fonplata, que chegaram a partir de 2019 para 2020.
Estamos realizando uma grande quantidade de obras principalmente na mobilidade urbana, mas temos também na macrodrenagem, em equipamentos de praças e equipamentos públicos, mas os investimentos principais foram com impacto na mobilidade. Aumentamos e construímos ruas, binário, pontes, novas vias e novos circuitos. Como, por exemplo, o binário que liga Itajaí com Balneário Camboriú, é um grande centro que vai se tornando cada vez mais importante. Hoje já não dá conta a rodovia Oswaldo Reis, temos um novo binário para ser construído.
UPIARA ONLINE – O senhor ainda tem um ano e meio de mandato pela frente, mas a eleição já se avizinha. O senhor já definiu quem será seu sucessor?
Morastoni – Estamos cuidando disso, mas não temos nada definido ainda. Estamos nos “entretantos”, como se diz, mas ainda não nos finalmentes dessa questão. Temos pensado em tocar a gestão, as obras e todo esse planejamento estratégico; superar a questão da renovação da autoridade portuária para que possamos nos debruçar melhor. Temos várias pessoas internamente que são pré-candidatos, mas temos que ver toda a composição política e partidária do governo e ter conversações que já estão em andamento.
“Entendo que Itajaí vai ter candidatos do polo do bolsonarismo e partidos aliados e do polo que pode ser gerado pelos partidos mais à esquerda em função do governo federal e do presidente Lula. Nós estamos no meio disso, entre um polo e outro.”
Podemos, ou ter candidatura própria ou constituir uma força para a sucessão. Com esses polos disputando, podemos ser uma alternativa, por todo um prontuário de trabalho feito, todas as realizações nesses oito anos em todas as áreas.
UPIARA ONLINE – Tenho conversado com diversos prefeitos no Estado e todos estão apreensivos em relação ao Plano 1000, do governo Moisés (Republicanos), sobre a continuidade dessas obras no governo Jorginho Mello (PL). Como está essa situação? O senhor também está preocupado com isso, tem muita obra pendente?
Morastoni – Estou preocupado. Itajaí foi contemplada com três projetos. Na verdade, mesmo no final, sobraram dois projetos.
Um é o binário no bairro Cordeiros e é justamente para poder fazer as desapropriações e melhorar a mobilidade naquela região no estaleiro onde estão construindo fragatas. É uma obra estratégica, na ordem dos R$ 25 milhões, e tínhamos tudo encaminhado junto ao governo Moisés. Esses recursos foram empenhados, mas não foram liberados e agora o governo Jorginho nos contemplou apenas com R$ 5 milhões nessa obra.
O outro projeto é o binário da Osvaldo Reis que citei antes. Havia também uma parceria com o governo do Estado que agora não foi contemplada. Não recebemos nenhum Pix.
UPIARA ONLINE – O senhor foi colega do governador Jorginho Mello na Assembleia Legislativa, tem uma relação? Já chegou a falar com ele sobre isso?
Morastoni – Várias vezes. Somos amigos, nos respeitamos e nos gostamos muito. Tive dois ou três mandatos de estadual junto com o Jorginho. Compartilhamos e vivenciamos todo esse histórico e sempre mantivemos nossa relação de amizade política independente dos partidos que um ou outro estava. Ele tem vindo a Itajaí e temos nos encontrado. Também tenho ido a Florianópolis e conversado com ele.
UPIARA ONLINE – Em nível nacional, tivemos uma mudança de governo de Jair Bolsonaro (PL) para Lula (PT) com visões diferentes sobre o futuro do Porto de Itajaí. Como o senhor avalia esse processo?
Morastoni – Primeiro que no governo [Jair] Bolsonaro (PL), com todo o cronograma estabelecido em 2020, devia, em meados do ano passado, ter concluído o processo de leilão. Não conseguiu concluir e foi se arrastando até o fim do ano, quando no dia 31 de dezembro encerrou o arrendamento e entramos em 1º de janeiro de 2023 numa fase transitória. No outro governo (Lula) que assumiu, mudou o foco. Enquanto o governo passado queria privatizar tudo, inclusive autoridade portuária, o novo governo chegou falando que não iria privatizar a autoridade portuária, que ia manter pública e municipal. Gera uma diferença substancial de visão e de encaminhamentos decorrentes disso aí.
UPIARA ONLINE – A conversa melhorou com a troca de governo?
Morastoni – Melhorou a conversa, sim. Mas, como tenho dito, já se passaram seis meses, meio ano, e o governo ainda não resolveu o problema. Já era para ter resolvido.
“Tem culpa que é do governo passado e tem culpa também desse governo, que pegou o bonde andando, está certo, mas poderia já ter adiantado esse processo.”
O governo criou um novo ministério, dos Portos, e até se adequar isso tudo deve ter influenciado. Já tivemos muitas reuniões em Brasília e no próprio ministério sobre esse assunto. E qual é o finalmente, então? A cidade está sofrendo muito com isso pois afeta toda a cadeia logística e afeta a arrecadação.
UPIARA ONLINE – Quanto já pesou na arrecadação esse impacto em seis meses?
Morastoni – Em torno de R$ 15 milhões por mês deixam de entrar no caixa.