O clichê manda dizer que Jorginho Mello (Partido Liberal) venceu muitas desconfianças antes de se consagrar como governador eleito de Santa Catarina com 70,69% dos votos válidos na disputa contra Décio Lima (Pt) no segundo turno realizado neste domingo. A verdade, no entanto, é que mais uma vez em sua carreira, Jorginho Mello venceu ignorando as desconfianças que permeavam ao seu redor. Vereador na adolescência, quatro vezes deputado estadual, duas vezes deputado federal, senador da República, o novo governador catarinense sempre soube aproveitar as brechas que a política catarinense lhe ofereceu para ascender. Agora, chegou aonde apontava seu sonho, nunca escondido, de comandar Santa Catarina.

Ser o candidato do número 22 do Partido Liberal (Pl) do presidente Jair Bolsonaro foi fundamental para o sonho virar realidade, isso é inegável. No entanto, quando Jorginho assumiu o comando da legenda, exatos 10 anos atrás, ainda sob a alcunha de Partido da República (Pr), encontrou apenas escombros de um partido. Havia saído do Psdb, onde se elegera deputado federal pela primeira vez em 2010, após uma longa sequência de brigas internas com Leonel Pavan e a arrogância de outros tucanos que se achavam mais plumados ou portadores de um bico mais reluzente que o dele. No 22, precisou vencer a desconfiança de que renovaria o mandato de deputado federal a bordo de um pequeno partido.

Coligado com a chapa de partidos que apoiava a reeleição de Raimundo Colombo (Psd), conseguiu o objetivo da reeleição e ainda viu a aposta de não fazer coligação para deputado estadual resultar em duas vagas para a legenda na Assembleia Legislativa. O Pr estava no jogo, integrando a base de apoio a Colombo em Santa Catarina e a Dilma Rousseff (Pt) em Brasília. Apoio que resultou em duas posições estratégicas – a Secretaria Estadual de Turismo, Cultura e Esporte, onde assumiu o filho Filipe Mello, e a ascendência sobre a direção estadual do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Eram as brechas que tinha para continuar sua ascensão.

Jorginho, no entanto, não esperou os melancólicos finais dos governos de Colombo e Dilma para se recolocar em um tabuleiro que dava sinais cada vez mais evidentes de que pendia para a jogadas mais à direita. Ainda em 2016, Jorginho apresentou-se como pré-candidato a governador e o partido deixou o cargo no governo estadual. No mesmo ano, alinhou-se à maioria da bancada para votar  a favor do impeachment da petista. O deputado federal do Pr se reencaixava no jogo com um objetivo claro: o Senado.

A vaga de candidato veio em composição com o Mdb, que lançava o deputado federal Mauro Mariani em composição com o Psdb. Jorginho era considerado azarão em uma disputa que reunia os ex-governadores Esperidião Amin (Progressistas) e Raimundo Colombo, além do colega de chapa Paulo Bauer (Psdb), que buscava a reeleição. Jorginho buscou para a suplência a viúva do ex-governador e ex-senador Luiz Henrique da Silveira (Pmdb), morto três anos antes, para melhorar o desempenho em Joinville, maior colégio eleitoral do Estado. Mas o pulo do gato – ou a brecha que a política lhe apresentou – foi uma vaga aberta na onda eleitoral gerada pela votação de Jair Bolsonaro em Santa Catarina.

Filiado ao Psl, Bolsonaro fazia campanha ignorando os candidatos catarinenses, mas a legenda 17 tinha dono no Estado: Lucas Esmeraldino, também candidato a senador. Por estratégia, ele decidiu não apresentar uma segunda candidatura do partido e deixou aberto esse flanco. De olho nele, Jorginho levou para o horário eleitoral o depoimento do bolsonarista capixaba Magno Malta, colado a uma declaração de Bolsonaro de que gostaria que ele tivesse sido seu candidato a vice em 2018. Abertas as urnas, Amin ficou com a primeira vaga e a segunda foi disputada voto a voto por Jorginho e Esmeraldino, com vantagem para o primeiro por exíguos 13 mil votos.

No Senado, Jorginho portou-se como o senador bolsonarista que Santa Catarina apontou na urna que queria que ele fosse. Armou-se para enfim disputar o governo do Estado, o sonho, em 2022. Aproximou-se dos deputados federais e estaduais eleitos pelo Psl em 2018 e afastados do governador Carlos Moisés, beneficiário rebelde da Onda Bolsonaro. Entrou para a tropa de choque de defesa do governo Bolsonaro na Cpi da Covid no Senado, onde bateu boca com Renan Calheiros em defesa do empresário Luciano Hang. Cedeu a sigla, já rebatizada como Pl, a lideranças alinhadas ao presidente para disputarem as eleições municipais de 2020. Não colheu eleitos, mas criou laços. Insuficientes ainda para trazer aliados de grandes partidos para o projeto. Bateu na porta do Mdb, do Progressistas, do Podemos, do Republicanos. Foi ignorado. Não era considerado favorito.

A guinada poderia ter vindo quando Bolsonaro escolheu o 22 do Pl como nova morada. No mesmo número do presidente, a pré-candidatura de Jorginho encorparia naturalmente, mesmo que a onda fosse menor que a da eleição anterior. Mesmo assim, não sensibilizou os partidos tradicionais do Estado. Seguiu em seu projeto, garantindo que estaria na disputa, enquanto tentava arbitrar as rivalidades internas das lideranças bolsonaristas catarinenses. No final, quase todos ficaram no Pl e o bolsonarismo foi o único aliado com quem pode contar. Jocosamente apelidado de Sozinho Mello, encarou a disputa em que – em maior ou menor grau – Amin, Moisés e Gean Loureiro (União) acenavam ao eleitor bolsonarista.

O 22 mostrou tração mais uma vez no primeiro turno de 2022. Jorginho assumiu a liderança ainda na metade da campanha – embora o Ipec só tenha registrado na reta final -, mas o resultado na urna foi além das expectativas: 38,6% dos votos válidos, mais do que o dobro do segundo colocado Décio Lima. Fora do jogo, Moisés, Gean e Amin, que não acreditavam nele, nem foram levados em consideração na segunda volta. Com um candidato do Pl e outro do Pt, a eleição ficou completamente blocada com a disputa nacional entre Bolsonaro e Lula. Jorginho estava no lugar certo, na hora certa, no número certo.

Eleito, Jorginho encara o maior desafio de sua carreira política. O sonho de governar o Estado começa a ser realizado dia 1° de janeiro de 2023 em um contexto que vai exigir muito talento político. A vitória de Lula sobre Bolsonaro faz dele um governador de oposição – uma situação em que pouco esteve em sua longa carreira. Jorginho sabe que foi eleito pelo voto bolsonarista e viu como essa lealdade é cobrada – Moisés pagou o preço ao afastar-se. Assim, Jorginho precisará construir caminhos institucionais com o Pt no poder sem sinalizar ao catarinense que está traindo aqueles que o elegeram.

Não será fácil, mas se tem alguém na política catarinense que pode conseguir desempenhá-la é o paciente, persistente e venturoso Jorginho Mello.


Sobre a foto em destaque:

De mãos dadas com os filhos Filipe e Bruno, Jorginho Mello comemora o anúncio de que estava eleito governador de Santa Catarina. Foto: Eduardo Valente, Divulgação.

Compartilhar publicação: