Não deve ter sido de propósito, embora também não seja de se duvidar. Depois da frustração – e zombarias dos adversários – causada pela pane no aplicativo que impediu a realização das prévias no sábado anterior, o Psdb anunciou oficialmente o fim das prévias presidenciais com a vitória do governador paulista João Dória sobre o governador gaúcho Eduardo Leite e o ex-senador amazonense Arthur Virgílio quando quase todos os olhos estavam voltados para a final da Libertadores entre Palmeiras e Flamengo. Não deixa de ser um final simbólico para uma iniciativa que gerou tantas atenções durante meses e que terminou sem a apoteose esperada pelos tucanos, como mera obrigação a cumprir.
Desse episódio, importante por ser a primeira prévia presidencial feita para valer em um grande partido brasileiro, fica a confirmação de Dória como o pré-candidato tucano e a observação de que o resultado foi muito mais apertado do que esperavam seus apoiadores. Como Arthur Virgílio era apenas um observador – atingiu 1,35% dos votos -, a disputa com Leite ficou em 53,99% a 44,66%. Uma diferença de cerca de 9 pontos percentuais que se reduz à metade se for considerado o caráter quase plebiscitário do confronto – um voto conquistado pelo paulista era subtraído do gaúcho e vice-versa.
A prévia tucana dividiu os filiados em quatro grupos, que receberam pesos de 25% no resultado final. Como esperado, Dória venceu com longa margem entre os filiados sem mandato, grupo um, fruto da organização e do engajamento do diretório paulista – mais da metade dos inscritos para votar. Também esperado, foi voto a voto a disputa no grupo dois, o dos prefeitos e vice-prefeitos, com pequena e fundamental vantagem para Dória: 393 a 363. Por sua vez, Leite venceu com pequena vantagem no grupo três, o que reunia vereadores e deputados estaduais/distritais. A decisão se deu, no fim das contas, no grupo quatro, o dos caciques – deputados federais, senadores, governadores, presidente e ex-presidentes do partido. Foi aí que o leite azedou – me perdoe o trocadilho, leitor, fiquei esses meses todos de prévia evitando.
Dória venceu nesse grupo com 27 votos, contra 24 de Leite e um de Virgílio. O peso dos caciques era explicitado pela matemática: cada voto valia quase 0,5% do total em disputa. Um prefeito ou vice valia 0,032%, enquanto um filiado sem mandato equivalia a 0,00098% do resultado da disputa tucana. Por isso, é possível dizer que faltou para Leite virar os votos de 145 prefeitos/vices, 4.735 filiados ou, hipótese mais plausível, 10 caciques. A vitória de Dória no grupo quatro mostrou que talvez o deputado federal mineiro Aécio Neves, desafeto do paulista, não esteja tão forte na bancada federal quanto se propaga, e praticamente inviabilizou a vitória do governador gaúcho.
A forma como Psdb montou o grupo três, reservando 12,5% para os vereadores e 12,5% para deputados estaduais/distritais, mas divulgando um resultado único para o bloco inteiro, dificulta o detalhamento do peso de cada cargo na votação final. Mas para ilustração, o detalhamento dos três outros grupos é suficiente.
O que os números mostram é que Dória vai ter que consertar a casa antes de construir uma necessária aliança externa. Pego emprestada a frase do ex-governador catarinense Paulo Afonso Vieira (Mdb) sobre prévias: quando um partido tem um candidato natural e inventa uma prévia que enfraquece esse candidato, algum problema existe. Dória não pode minimizar essa constatação e nem se escudar apenas em uma apertada vitória interna. O governador paulista precisa atrair setores que trabalharam contra sua candidatura, pacificar a sigla e mostrar viabilidade eleitoral. É o cenário que enfrentou quando venceu as prévias tucanas para candidaturas a prefeito e governador de São Paulo em 2016 e 2018. Ao seu estilo, venceu ambas as eleições. O desafio agora tem o tamanho do país. E naquelas duas disputas ele era um dos polos, não o candidato a alternativa à polarização entre figuras como o presidente Jair Bolsonaro (ex-Psl) e o ex-presidente Lula (Pt).
Em Santa Catarina, o Psdb volta praticamente à estaca zero da construção política para as eleições de 2022. A maior parte dos caciques fez uma aposta primeira em Eduardo Leite, com mais engajamento e barulho no começo e alguma discrição na reta final, quando Dória avançou algumas posições. O Psdb não divulgou os resultados por Estado porque comprometeria o sigilo do voto, o que dificulta o mapeamento da fidelidade da adesão prevista ao gaúcho e o avanço do paulista na reta final. Certo é que o pré-candidato oficial do partido ao governo do Estado, o ex-deputado estadual Gelson Merisio, deve abandonar o projeto. Estava engajado por Eduardo Leite e mais do que distante de Dória. Não é de se duvidar que deixe o ninho tucano.
A leitura rápida é de que isso traz de volta ao jogo os maiores apoiadores de Dória entre os catarinenses – o ex-senador Paulo Bauer e o ex-ministro Vinicius Lummertz, hoje integrante do secretariado paulista. Eu mesmo já disse isso, mas essa é uma constatação meramente formal. Hoje (e provavelmente também em 2022), nem Bauer e nem Lummertz têm condições de liderar uma candidatura ao governo do Estado pelo Psdb – são, no máximo, nomes de composição. Dória terá que olhar para o fragmentado cenário de pré-candidaturas ao governo catarinense para encontrar nomes que possam se tornar seu palanque. A primeira vista, o bloco em construção que envolve o União Brasil de Gean Loureiro, o Psd de Raimundo Colombo e o Podemos de Paulo Bornhausen/Fabrício de Oliveira pode ser uma opção, especialmente se isso garantir a adesão dos tucanos estaduais.
Ou então, Dória poderia trabalhar para trazer o único nome de densidade eleitoral e liderança regional que o Psdb tem hoje para disputar o governo estadual: o prefeito criciumense Clésio Salvaro, eleitor declarado de Leite na prévia, mas simpático ao paulista, que o recebeu no Palácio dos Bandeirantes. Um cenário difícil de se concretizar porque Clésio não pretende deixar a prefeitura de Criciúma por uma aventura, especialmente com o cenário estadual majoritariamente bolsonarista.
Sobre a foto em destaque:
Após a prévia, os tucanos Arthur Virgílio, João Dória, Eduardo Leite e Bruno Araújo, presidente nacional do Psdb, deram declarações prometendo unidade. Os tucanos sempre prometem unidade. Foto: Flickr da campanha de Arthur Virgílio, Divulgação.