A série de entrevistas com pré-candidatos a presidente que faço em parceria com a Rádio Som Maior trouxe em menos de uma semana três nomes e três discursos consistentes que se acotovelam no que chamamos de terceira via. Ciro Gomes (Pdt), Felipe D’Ávila (Novo) e Luiz Henrique Mandetta (Democratas, futuro União Brasil) têm o que dizer e dizem – cada um ao seu estilo – com veemência e boa argumentação. No centro dos discursos, a ideia de que o Brasil não pode ficar preso a um segundo turno entre duas lideranças que têm amplo apoio popular, mas que são rejeitados na mesma medida: o presidente Jair Bolsonaro (ex-Psl) e o ex-presidente Lula (Pt).
É a tese da terceira via – ou “nova via”, como prefere dizer Jorge Bornhausen e, recentemente, o Estadão. Um discurso que mesmo quando eloquente e bem argumentado como nesses três casos – e já havia sido nas entrevistas com os tucanos Arthur Virgilio, Eduardo Leite e João Dória – não apaixonou o país até agora. E, a história mostra, é difícil que apaixone.
A primeira eleição direta para presidente depois do regime militar criou as duas grandes vias eleitorais pelas quais se ascende ao poder no Brasil. Uma é à esquerda, ligada ao Pt e à figura de Lula – um personagem único na história política brasileira por sua trajetória, independentemente de seus defeitos ou qualidades. A outra via é conversadora, alinhada à direita e é inflada pela rejeição à figura de Lula – o antipetismo. Essa via é mais camaleônica, cabem nela nomes díspares como Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Jair Bolsonaro. Isso porque ao antipetista interessa mais derrotar Lula e o Pt do que ser sommelier de candidato.
Essas duas vias têm dono com Lula e Bolsonaro no jogo. O atual presidente conseguiu em 2018 desalojar o Psdb desse espaço ao provar que os tucanos não conseguiam sair das armadilhas que o discurso eleitoral de comparar as gestões de Lula e FHC lhe impunham – muito por culpa do próprio Psdb em não saber se defender. Bolsonaro venceu Fernando Haddad e até que alguém prove o contrário é o candidato que sabe vencer o Pt.
De 1994 para cá, as terceiras vias alcançaram no máximo o terceiro lugar. Ciro Gomes, Marina Silva – duas vezes cada um – tentaram romper essa lógica, mas faltou voto. O mais perto que chegaram foi em 2014, quando Marina herdou parte do voto antipetista que acreditou que ela tinha mais chance de vencer a petista Dilma Rousseff do que o tucano Aécio Neves. Como eu disse, o antipetista não escolhe armas de quando quer derrotar o Pt.
É um pouco por isso que vemos nos discursos dos atuais postulantes a terceira via uma disposição de se mostrarem antipetistas e antibolsonaristas, em distribuir as críticas proporcionalmente. Um jogo difícil, porque atrai a fúria dos barulhentos fãs-clubes de Lula e Bolsonaro, mas imprescindível para a consolidação de uma candidatura nesse campo.
Ao ouvir Ciro, D’Ávila e Mandetta, percebemos nuances interessantes. O pedetista bate com mais ênfase – e gosto – em Lula do que em Bolsonaro, como seria esperado. É um risco necessário: Ciro precisa trazer a esquerda não-petista e acenar para o antipetista que o vincula ao Pt pela lealdade entre 2003 e 2016. O atual discurso é o tudo ou nada de Ciro em sua quarta tentativa de chegar ao Palácio do Planalto.
Ao contrário dele, D’Ávila e Mandetta não precisam provar a ninguém que são antipetistas. Ambos têm origem em grupos políticos que nunca aderiram aos governos do Pt – e tem muito politico que hoje enche a boca para se dizer bolsonarista que aderiu com gosto e cargos e até troca de partido ao projeto petista. Por isso, o discurso dos pré-candidatos do Novo e do União Brasil são focados na crítica a Bolsonaro, na tentativa de desalojá-lo da disputa. D’Ávila pela via da crítica às medidas econômicas, Mandetta pela gestão da pandemia. São discursos que se complementam, por que são esses temas que causaram a erosão da popularidade do presidente em diversas regiões do país. Se bem acolhidos, eles podem ajudar a fortalecer essa terceira via que ainda não apaixonou ninguém. E isso é básico: sem uma ideia que apaixone o povo brasileiro, ninguém chega ao Planalto.
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