Em 2017, Santa Catarina acabou com a controversa aposentadoria dos ex-governadores. Pela Constituição Estadual, até então, o governante que fosse eleito ou efetivado no mandato com a renúncia do titular deixava o posto com uma pensão vitalícia equivalente ao salário de um desembargador – atualmente R$ 30,4 mil. O benefício foi extinto com a aprovação de uma emenda constitucional que coroou uma década de luta quase solitária do deputado estadual Padre Pedro (PT). As pensões eram mais do que uma concessão do Estado para garantir a dignidade àqueles que um dia tiveram que conduzir os destinos dos catarinenses; elas haviam se tornado uma importante moeda política.
Por isso foi tão difícil acabar com o benefício, mesmo com ampla rejeição do tema na sociedade. Na época, escrevi que “aos trancos e barrancos, Alesc fez história ao aprovar o fim da pensão dos ex-governadores”. Parte desses trancos e barrancos foi a interpretação dada ao texto aprovado de que a extinção valeria para futuros governadores, não para os que já recebiam a pensão. Seria direito adquirido, advogou a Casa Civil na época – gestão de Raimundo Colombo, o último beneficiário. A torneira estava fechada, mas o que fora concedido ficou mantido.
O tema voltou em setembro do ano passado, quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que fossem extintos benefícios para ex-governadores nos Estados que ainda o praticam. Entre eles, Santa Catarina. São cerca de R$ 3,6 milhões por ano com o pagamento das pensões para os ex-governadores Colombo Salles, Jorge Bornhausen, Esperidão Amin (Progressistas), Leonel Pavan (PSDB), Paulo Afonso (MDB), Raimundo Colombo (PSD) e Eduardo Pinho Moreira (MDB). Também estava na lista Casildo Maldaner, que morreu no final de maio deste ano. Sua viúva teria direito a metade do benefício, o que acontece com as esposas de Vilson Kleinübing e Luiz Henrique da Silveira. Todos perderiam as pensões caso a tese de Aras for aceita pela maioria do STF.
(Correção: O texto original citava Henrique Córdova entre os ex-governadores que recebem a pensão atualmente. Ele faleceu em novembro do ano passado)
Esse julgamento começa de forma virtual na sexta-feira, dia 11. Durante uma semana os ministros apresentam seus votos no sistema e podem confirmar o fim de benefícios que já foram considerados inconstitucionais em análise de processos de outros Estados. Na mira de Aras estão – além de Santa Catarina – Amazonas, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Rio Grande do Sul, Rondônia e Sergipe. O procurador-geral entende que não há base constitucional para o benefício e que não há “critério razoável e proporcional capaz de legitimar tratamento privilegiado estabelecido em favor de ex-governadores”. Sempre bom lembrar, não há aposentadoria especial para ex-presidentes da República.
O julgamento no STF exuma um benefício que ganhou muito peso nas definições de candidaturas, chapas, renúncias ao longo da história catarinense. Hoje parece coisa de um passado distante, mas é bom lembrar como a própria classe política envenenou a relação com a sociedade ao defender pequenos privilégios. A reconstrução da imagem da classe passa pelo desapego em relação a esses procedimentos. No texto de 2017, eu lembrava que no final dos anos 1960 uma lei concedeu pensões a três irmãs solteiras de Fúlvio Aducci, governador do Estado por 25 dias em 1930; que a comoção pelo acidente aéreo que matou Nereu Ramos, Jorge Lacerda e Leoberto Leal em 1958 resultou, dois meses depois do desastre, em lei concedendo o benefício às viúvas; que até 2011, uma neta de Hercílio Luz recebia pensão.
Esses exemplos parecem descabidos aos olhos atuais. Como será para os olhos daqueles aqueles que pesquisem a história do tempo presente a ideia de que alguém pode ser governador por oito meses e ser premiado por uma pensão vitalícia, como tivemos mais de um caso aqui no Estado.
Sobre a foto em destaque:
STF começa a julgar nesta sexta-feira, dia 11, a ação movida por Augusto Aras, procurador-geral da República em setembro do ano passado para questionar o pagamento de pensões a ex-governadores em oito Estados. Entre eles, Santa Catarina – que já extinguiu o benefício, mas manteve o pagamento para quem já o recebia em 2017. Foto: Fellipe Sampaio, STF/Divulgação.