Se tem uma coisa que não pegou ainda no cenário eleitoral nacional é a tal da terceira via. O conceito circula desde o ano passado: uma candidatura presidencial que busque um eleitor que rejeita o presidente Jair Bolsonaro (Pl) e o ex-presidente Lula (Pt), as vias da polarização, e que seja uma espécie de meio termo apaziguador do cenário apaziguador que vivemos. Diversos nomes foram lançados e nenhum conseguiu, até agora, movimentar os sismógrafos das pesquisas divulgadas ou produzidas para consumo interno dos partidos. Dos nomes testados, aliás, quem produziu algum efeito foi o ex-juiz Sérgio Moro (Podemos), alcançando o terceiro lugar, ainda distante dos ponteiros.
Mas há um ponto importante quando falamos de Sérgio Moro na condição de presidenciável: ele não é um candidato de terceira via. O juiz que condenou Lula, virou ministro de Bolsonaro e saiu do governo acusando o presidente de tentar interferir em investigações de corrupção é uma alternativa ao eleitor que rejeita veementemente o petista e que ainda mantém o apoio à atual gestão. Isso não sou eu que estou dizendo, leitor. É o discurso que Moro trouxe, fortemente ensaiado, para a entrevista que concedeu a mim e ao Adelor Lessa na Rádio Som Maior na última sexta-feira.
Na entrevista, Moro é contundente contra ambos, mas de um jeito diferente do que apresenta, por exemplo, o presidenciável tucano João Dória. Ele não chama Bolsonaro de “genocida”, como faz o governador paulista. Apresenta-se como um eleitor “desapontado” de Bolsonaro, mirando eleitores que possam ter o mesmo sentimento – e as pesquisas indicam que há margem para essa construção. Quando perguntado sobre arrependimento pela rápida participação no governo, ele dá uma resposta que aponta para esse sentimento.
– Eu estou na mesma situação que a grande maioria dos brasileiros. Eu estou desapontado com o governo atual. Deixei minha carreira de magistrado e minha aposentadoria pois acreditei num sonho de um país melhor para todos. O que aconteceu foi, se eu tivesse tido o apoio do presidente a gente tinha conseguido virar esse jogo. Claro que com dificuldades, pois havia pressões, mas quando o ministro é sabotado pelo presidente, é difícil – disse Moro.
Em uma equação simples, o ex-juiz desenha a narrativa de que a Operação Lava-Jato foi desmantelada com apoio do presidente e que esse cenário trouxe Lula de volta para o jogo sucessório. Respondendo sobre quais seriam os culpados pelo fim da operação, ele elenca genericamente responsáveis no Congresso e no Judiciário, mas é objetivo quando inclui o presidente no rol.
– O outro responsável, a gente precisa dizer, é o presidente. Ele é a liderança principal do país, ele ajudou pois queria se proteger e proteger a família dele, ele ajudou no desmantelamento do combate à corrupção. São muitos os cúmplices que estão nos três poderes. Tem muita gente boa no Congresso, no Judiciário, até no Executivo, mas muita gente contribuiu para a gente retroceder no combate à corrupção.
Assim, Moro configura-se como um Plano B do antipetismo. A rejeição ao Pt foi combustível para bolsonarismo virar protagonista na política brasileira – especialmente após a quarta derrota consecutiva do Psdb, no confronto de Aécio Neves contra a petista Dilma Rousseff em 2014. É como se o antipetismo tivesse demitido os tucanos e encontrado abrigo em Bolsonaro. Esse eleitor vai votar em qualquer nome que possa impedir a volta de Lula ao poder. Hoje, esse nome ainda é Bolsonaro. No discurso, Moro tenta mostrar não apenas que é mais competitivo, mas que também está mais vinculado às bandeiras que elegeram Bolsonaro em 2018 do que o próprio presidente.
Nesse contexto, Santa Catarina é uma base estratégica. Por aqui, Lula e Dilma foram derrotados em 2006, 2010 e 2014. Foi o primeiro Estado em que Bolsonaro liderou pesquisas e ainda lidera os cenários. Em março, o ex-juiz virá ao Estado. No discurso, mostrou que está atento à relação entre o presidente o eleitorado que lhe deu 75% dos votos no segundo turno de 2018.
– Esse sentimento não é recíproco do presidente, o que eu mais vejo é ele cortar orçamento, acho que tem um problema de amor não correspondido. Eu tenho que falar a verdade para os catarinenses. A gente tem que reconhecer que você pode até gostar do presidente pessoalmente, eu não gosto, mas não tenho nada pessoal contra ele. Simplesmente eu constato que ele não deu certo.
Sobre a foto em destaque:
Foto: Sérgio Lima, Podemos.