O Senado mostrou na noite de quarta-feira o papel de uma casa revisora no Legislativo. Por 70 votos a 3, deu fim à tentativa da Câmara dos Deputados de ressuscitar as coligações partidárias nas eleições proporcionais – deputados federais, deputados estaduais e vereadores. Barrou, assim, o retorno de um instrumento que ajudou a descaracterizar os partidos políticos e cujo fim, determinado em 2017 para valer a partir de 2020, por si só valia por uma reforma política. Ainda há, no entanto, temas pendentes de análise no Congresso Nacional que podem afetar a disputa por cadeiras legislativas nas eleições de 2022.
O ponto final na volta das coligações exigiu articulação e estratégia por parte dos senadores. Assim que a proposta, em emenda constitucional, por aprovada na Câmara, o Senado mandou sinais de que não pretendia endossar a ideia. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (Democratas de Minas Gerais), no entanto, garantiu ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas de Alagoas) que não engavetaria a proposta, deixaria que o plenário decidisse. Na Comissão de Constituição e Justiça (Ccj), a relatoria da Pec coube à senadora Simone Tebet (Mdb do Mato Grosso do Sul) – contrária às coligações, mas disposta a salvar outros pontos do pacote aprovado na Câmara. Semana passada registrei o pedido de vista do senador Jorginho Mello (Pl) que adiou a deliberação da proposta no momento em que se discutia a possibilidade de que a coligação fosse levada em destaque para o plenário – pressão de pequenos e médios partidos que veem no instrumento uma boia de salvação.
Para impedir que o texto voltasse à Câmara, era necessário que os senadores não aprovassem nenhuma modificação que não fosse apenas a supressão de trechos da proposta. Foi o que Simone Tebet fez em seu relatório, aprovado quarta-feira na Ccj. Suprimiu as coligações e aprovou questões como a contagem em dobro dos votos para candidatos negros e mulheres eleitos para a Câmara dos Deputados na composição dos fundos eleitoral e partidário – uma forma de incentivar os partidos a apostarem verdadeiramente nessas candidaturas. Assim, a Pec chegou ao plenário com as coligações já enterradas na comissão.
Felizmente, não precisarei repetir aqui os problemas, contradições e distorções que a coligação nas eleições proporcionais trazem ao sistema político. O tema está superado – pelo menos para as eleições de 2022. Muitos partidos e lideranças políticas estavam de olho na decisão do Congresso para decidir seus futuros. Agora, as composições e filiações pendentes devem avançar. Mas ainda é preciso olhar com atenção para Brasília até dia 4 de outubro, data limite para alterações eleitorais valerem ano que vem.
Isso porque a Câmara aprovou semana passada um amplo e errático Código Eleitoral que aglutina temas esdrúxulos como a quarentena de cinco anos para que magistrados e militares possam concorrer a cargos eletivos e a flexibilização das regras de inelegibilidade para condenados por improbidade administrativa. Um pacote complicado, mas que também traz uma mudança que seria positiva na busca pela redução do número de partidos: a regra de que apenas os partidos que atingirem 80% do quociente eleitoral possam disputar as sobras de vaga na eleição para deputado federal, deputado estadual e vereador.
Antigamente, essas vagas só eram disputadas por quem atingia o quociente cheio. A mudança veio como trapaça junto com a aprovação, em 2017, do fim das coligações. Nas eleições municipais de 2020 ficaram evidentes os casos em que essa trapaça garantiu a continuidade da pulverização partidária nos Legislativos. No final da quarta-feira, Rodrigo Pacheco não garantiu a análise do Código Eleitoral em tempo de que possíveis alterações possam valer já para 2022. Parece haver pouco tempo para uma nova operação em que o Senado separe o joio do trigo nas mudanças.
Paralelamente, outro tema de interesse para pequenos e médios partidos está em suspenso no Congresso. Aprovadas por deputados federais e senadores, as federações partidárias foram vetadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Se o veto for derrubado até 4 de outubro, esse instrumento poderá ser utilizado em 2022. A diferença básica da federação em relação às coligações é que os partidos são agrupados em todos nos níveis – nacional, estadual e municipal – e esse arranjo precisa durar pelo menos quatro anos, tempo em que as legendas vão compartilhar fundos partidário e eleitoral, além de estruturas parlamentares no Congresso, assembleias legislativas e câmaras de vereadores. É uma espécie de pré-fusão. Há simpatia pela proposta no parlamento, resta saber se há tempo.
Sobre a foto em destaque:
Relatório da senadora Simone Tebet foi cirúrgico para garantir que fosse barrada no Senado a volta das coligações partidárias nas eleições para deputado federal, deputado estadual e vereador. Foto: Roque de Sá, Agência Senado.