O pano de fundo pode ser político pela necessidade do governador Carlos Moisés (Psl) avançar uma agenda de boas notícias para recuperar a credibilidade de seu governo após os processos de impeachments que lhe derrubaram a popularidade. Ou pode ser meramente uma forma pragmática de alcançar os 25% em educação após os sucessivos recordes de arrecadação registrados este ano, além dos patamares impostos pelo novo Fundeb, aprovado no final do ano passado. Não importa. Santa Catarina vive uma janela de oportunidade histórica para mudar o patamar salarial dos professores estaduais e isso deve, sim, ser motivo de expectativa.

O anúncio veio sem detalhes, como um teaser de filme ou seriado, em um post de Twitter feito por Carlos Moisés em 14 de junho. Anunciou a decisão de que nenhum professor da rede estadual com nível superior e 40 horas de jornada receberia menos de R$ 5 mil mensais. Não dava maiores detalhes. No dia seguinte, o secretário de Educação, Luiz Fernando Vampiro (Mdb) continuou falando do santo sem explicar o milagre. Durante décadas os catarinenses ouviram – e vivenciaram muitas greves – por diversas vezes que a implantação de uma verdadeira política de valorização dos professores estaduais, com impacto salarial na base e na carreira, era inviável para as contas públicas e a responsabilidade fiscal.

Não esqueçamos que Santa Catarina, no governo Luiz Henrique (Pmdb) chegou a ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) junto com outros Estados para pedir que o piso nacional da categoria incluísse penduricalhos e não fosse tão somente o primeiro nível do plano de carreira dos professores. Foram derrotados. Mesmo com a derrota, a aplicação do piso salarial só viria no início do primeiro governo de Raimundo Colombo (ainda no Democratas), após a ampla e ruidosa greve de 63 dias que encontrou um eco incomum na sociedade, geralmente indiferente ou refratária aos movimentos grevistas. Era uma greve justa, estava claro.

Após muita discussão, a Assembleia Legislativa aprovou um novo plano de carreira com o piso nacional na primeira linha da carreira, como mandou o Supremo, mas para isso promoveu o chamado “achatamento” das tabelas. Ou seja, o salário inicial e o final ficaram tão próximos que o incentivo para permanência ou desenvolvimento dos professores era mínimo. Em 2015, um novo plano de carreira foi aprovado, descompactado um pouco as tabelas, mas muito aquém dos pleitos profissionais e muito aquém de tornar atrativa a profissão de professor da rede estadual. Hoje, o Estado pratica como ponto inicial da carreira, nível superior, é igual ao determinado pelo piso nacional: R$ 2.886,24. O último nível dessa tabela, para professores com doutorado em fim de carreira é R$ 5.209,35.

Você talvez pense que lá vem o Upiara de novo falar do passado, dos governos LHS e Colombo, mas é importante mostrar porque um tweet do governador Moisés causou tanto alvoroço e expectativa entre os professores do Estado e até entre quem já pensa em ingressar na carreira ou havia desistido dela. Qual seria a pegadinha? Na quinta-feira, Moisés e seu staff foram a Alesc começar a explicar o milagre. Para driblar as restrições da lei federal de 2020 que condicionou o repasse de recursos federais para enfrentar a pandemia à proibição de reajustes salariais até o final de 2021, a proposta chega ao parlamento como emenda constitucional. Estará inscrita na lei máxima do Estado a promessa tuitada de Moisés.

A fórmula inicialmente não mexe em nenhuma linha do plano de carreira dos professores. Apenas cria uma espécie de penduricalho personalizado para a remuneração dos professores (salário e benefícios) chegar aos R$ 5 mil prometidos. O alcance é imenso: 63% dos 70 mil profissionais – ativos, inativos e temporários – receberão algum valor de bonificação, entre R$ 0,01 e R$ 2,6 mil. A PEC de Moisés resolve o andar de baixo, mas achata ainda mais a carreira. A diferença entre o primeiro e o último salário praticamente deixam de existir.

Presidente do Sinte/SC, Luís Carlos Vieira levou à comissão mista presidida pela deputada estadual Luciane Carminatti (Pt) a proposta da categoria para o novo plano de carreira. Números não destoam do que o próprio governo promete apresentar. Foto: Bruno Collaço, Agência AL

Se fosse uma medida isolada, era de se esperar forte dor de cabeça com o Sinte/SC e com os profissionais que já integram a carreira e nela querem ver um futuro. Por isso, são importantes as falas de Vampiro – e ele concedeu entrevista na manhã de sexta-feira para mim e para o Adelor Lessa na Rádio Som Maior – de que esse processo histórico de valorização dos professores será em duas etapas, sendo a PEC apenas a primeira delas.

A segunda etapa é mais delicada, por ter mais itens a serem discutidos, que é o projeto de lei que irá nos próximos dias para a Assembleia Legislativa tratando da descompactação da tabela (salarial) para que aquele profissional que já tem uma pós-graduação, que já tem 12 anos de carreira, está ganhando R$ 5.085 e não está sendo atingido nesse momento. Nós vamos fazer a descompactação para que o profissional possa entrar com R$ 5 mil e em sua última linha (do plano de carreira), com doutorado e com 30 anos de serviço tenha sua remuneração no mínimo dobrada – afirmou Vampiro.

Dobrar a remuneração no final da carreira em relação ao início é projetar um salário acima dos R$ 10 mil. E, importante, com variações dignas ao longo desse caminhada profissional. É justo. Vampiro diz que os números desse novo plano de carreira já foram apresentados para as secretarias de Fazenda, Administração e Casa Civil. Na Assembleia Legislativa, a discussão já foi iniciada com a formação de uma comissão específica para debater o plano de carreira do magistério. Na semana que passou, terça-feira, o presidente do Sinte/SC, Luís Carlos Vieira, levou à comissão a proposta da categoria para o plano de carreira que entra em vigor ano que vem. Os números não destoam dos que expressa Vampiro como patamar desejável. No ponta final da carreira, o valor referência seria de R$ 8.875,80.

O contexto todo expõe essa grande janela de oportunidade para que aconteça uma valorização histórica da carreira de professor em Santa Catarina. Os números do governo e do Sinte/SC são equacionáveis, há espaço fiscal no Executivo, é necessário em nível orçamentário aumentar o gasto com Educação, o novo Fundeb ajuda a viabilizar. E o principal: há a decisão política já tomada pelo governador Moisés de aproveitar essa janela histórica. Se tem algo que caracteriza as janelas é que elas se fecham. Santa Catarina não pode deixar a oportunidade passar.

Ouça a íntegra da entrevista de Luiz Fernando Vampiro na sexta-feira:


Sobre a foto em destaque:

O governador Carlos Moisés (Psl) e seu staff, incluindo o secretário Luiz Fernando Vampiro (Mdb), foram a Alesc entregar pessoalmente a PEC dos R$ 5 mil para o presidente Mauro de Nadal (Mdb). Foto: Flickr do governo do Estado, sem indicação de autoria.

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