É impressionante como o caso que provocou toda uma convulsão política em Santa Catarina e quase resultou na cassação do governador Carlos Moisés (sem partido) vai desidratando a cada etapa de sua evolução no âmbito criminal. Menos de três semanas após a apresentação da denúncia do Ministério Público de Santa Catarina (Mp-SC) contra sete empresários, cinco agentes públicos/políticos e mais duas pessoas envolvidas no caso da compra dos respiradores fantasmas, houve a aceitação dessa denúncia na Vara Criminal da Região Metropolitana de Florianópolis para parte deles. Uma celeridade até então não vista – e bem-vinda. No entanto, a decisão do juiz Elleston Canali reforça uma sensação que a peça do Mp-SC já apresentava: punições para os ex-secretários e servidores envolvidos no caso, se houverem, serão extremamente leves para a gravidade do caso que lesou o Estado em R$ 33 milhões.

No despacho assinado na tarde de sexta-feira, o magistrado aceitou a denúncia contra os sete empresários por organização criminosa, estelionato, falsificação de documento particular, falsidade ideológica, uso de documento falso e lavagem de dinheiro. Canali promoveu uma cisão processual, fazendo com que a partir de agora esse trecho do inquérito corra no Judiciário como uma ação própria. É dela que se pode esperar punições exemplares. Ao analisar o recebimento dessa parte da denúncia, o juiz afirma que “uma análise sumária dos elementos probatórios reunidos nos autos, que serviram de base para a denúncia, verifica-se que houve a prática dos crimes descritos na exordial acusatória, havendo lastro para a imputação, seja nos elementos indicativos da materialidade delitiva, seja nos indícios veementes de autoria em relação aos acusados”. São eles Fábio Guasti, Pedro Nascimento Araújo, Davi Perini Vermelho, César Augustus Martinez Thomaz Braga, Samuel de Brito Rodovalho, Maurício Miranda de Mello e José Edson da Silva. Quem acompanhou a CPI da Assembleia Legislativa sobre o caso vai lembrar alguns dos nomes.

No caso dos agentes públicos, no entanto, o recebimento da denúncia vai esperar um pouco mais. O magistrado promoveu outra cisão, dividindo em ações diferentes o ex-secretário Douglas Borba (Casa Civil) e a ex-superintendente de Gestão Administrativa Márcia Pauli (Saúde) dos demais servidores da pasta da Saúde, entre os quais o ex-secretário Helton Zeferino. Os dois primeiros são os que sofreram acusações mais graves do Mp-SC – embora muito menos graves do que apontavam as investigações iniciais da Operação Oxigênio. Nenhum agente público ou político responde por corrupção ou organização de quadrilha, por exemplo.

Borba responde por estelionato e obstrução da investigação. Na trama dos respiradores fantasmas, ele sempre foi apontado como a pessoa que apresentou a empresa Veigamed para a Secretaria de Saúde. Na época, o secretário ganhava os holofotes como uma espécie de primeiro-ministro do governo Moisés, tudo passava por ele. Politicamente foi quem sofreu o maior desgaste – provavelmente irrecuperável. Marcia Pauli é acusada de peculato culposo, uso de documento falso e obstrução da justiça. Ela é a pessoa que “apertou o botão”. Ou seja, atestou o recebimento dos 200 respiradores da Veigamed que não haviam sido entregues, possibilitando o pagamento dos R$ 33 milhões. A aceitação da denúncia em relação a Borba e Márcia aguarda um prazo de 15 dias para que ela apresente defesa prévia – direito garantido em jurisprudência no caso de crimes praticados por funcionários públicos no exercício da função.

A terceira ação derivada da denúncia do Mp-SC deve ter o tratamento mais brando de todos. Isso porque os crimes imputados a Hélton Zeferino e aos servidores Carlos Charlie Campos Maia, Carlos Roberto Costa Júnior, ao advogado Leandro Barros e a Rosemary Neves de Araújo se enquadram nas condições em que o Mp-SC é obrigado a oferecer acordos de transação penal, não persecução penal e suspensão condicional do processo. Na prática, eles se livram do processo com multas e/ou restrição de direitos caso se assumam culpados. Hélton e os servidores são acusados de peculato culposo – ou seja, de cometerem erros administrativos que permitiram a ação da quadrilha de empresários, sem se beneficiarem. Leandro Barros, acusado de ser aliado de Borba na intermediação da negociação entre o Estado e a Veigamed, responde por estelionato e obstrução da investigação. Rosemary, apontada como sócia-laranja da Veigamed, é acusada de falsidade ideológica.

Repito, é impressionante que um caso que balançou as estruturas do poder em Santa Catarina chegue a esta etapa tão desidratado. Mp-SC e a Justiça, neste momento, atestam que o governo estadual foi vítima de um golpe de empresários interessados em lucrar com a crise da pandemia – quando os Estados se lançaram em uma corrida desenfreadas por respiradores de Uti. No lado político-administrativo, no entanto, as acusações que envolvem a Secretaria de Saúde tratam de imperícia, açodamento, incompetência – sem má-fé. Borba, epicentro da crise, precisa se defender de uma acusação de estelionato em que o Mp-SC não conseguiu demonstrar a vantagem que teria recebido por encaminhar a proposta da Veigamed à Saúde.

Politicamente, a cicatriz marca o governo Moisés e ele terá que lidar com ela – especialmente na candidatura à reeleição. Lançou uma página na internet para tentar responder a pergunta sobre onde estão os R$ 33 milhões – a maior parte deles, R$ 31,8 milhões, bloqueados em dinheiro, imóveis ou em fase adiantada de cobrança judicial, diz o governo. Os tempos de Borba como primeiro-ministro ficaram esquecidos, distantes, da época em que se usava a expressão “nova política”. Da época em que o principiante Moisés, dizia sem corar, em entrevista, que a Assembleia Legislativa era a menor de suas preocupações. Hoje é sua grande e prestigiada aliada em todos os projetos, inclusive o de reeleição.


Sobre a foto em destaque:

A compra de respiradores de Uti mobilizou as primeiras ações de combate à pandemia e também gerou o escândalo da compra de 200 equipamentos nunca entregues. O da foto chegou. Foto: Maurício Vieira, Secom.


Receba notificações sobre novos conteúdos do Upiara Online pelo WhatsApp (clique aqui para entrar) e pelo Telegram (clique aqui para entrar).

Compartilhar publicação: