O lavajatismo é um conceito que ganhou forma e nome a partir da repercussão da Operação Lava-Jato, que descortinou as relações promíscuas entre as classes política e empresarial na fusão de interesses eleitorais e de negócios. O modus operandi das investigações, no entanto, já se esboçava em investigações anteriores e rendeu diversos frutos inspirados na ideia de que seguindo fielmente as regras do jogo é impossível punir os poderosos. Um desses frutos é a Operação Alcatraz e sua derivada, Hemorragia, que desvendaram escusas negociatas realizadas na Secretaria Estadual de Administração entre 2011 e 2018, nos governos de Raimundo Colombo (Psd) e Eduardo Pinho Moreira (Mdb).
Logo de cara, na deflagração em abril de 2019, ficou claro o potencial da Operação Alcatraz para ser a Lava-Jato catarinense. Delações premiadas, contratos suspeitos, indícios claros de enriquecimento pouco explicável de personagens que orbitam nomes de peso da política estadual. Também ficou claro logo de cara que a investigação do Ministério Público Federal, autorizada pela juíza federal Janaína Cassol, tinha um alvo definido: o deputado estadual Júlio Garcia (Psd), presidente da Assembleia Legislativa à época.
Desde então e até ontem, quando a mesma Janaína Cassol rejeitou as três denúncias apresentadas pelo Mpf contra o pessedista, Júlio Garcia viveu seus piores momentos em sua longa e exitosa carreira. Gastou boa parte do seu capital político para garantir no plenário da Assembleia Legislativa, onde nunca perdeu o apoio dos pares, a derrubada das decisões de Janaína Cassol que determinavam prisão preventiva e afastamento do mandato. Fora três votações, mostrando o quanto a magistrada estava empenhada em fazer do deputado estadual o símbolo daquela cruzada. Na época, ainda no Nsc Total, escrevi que Janaína Cassol era o Sérgio Moro de Júlio Garcia – referência à forma como o ex-magistrado conduziu os processos contra o ex-presidente Lula (Pt) na Lava-Jato.
Enquanto enfrentava a caneta da magistrada, Júlio Garcia e seus advogados sempre defenderam a tese de que estavam viciadas as supostas provas de que seria chefe de um esquema de corrupção no coração do governo estadual por quase uma década. O Mpf teria começado a investigar Júlio Garcia, autorizado pela magistrada de primeira instância, quando ainda era conselheiro do Tribunal de Contas (Tce) e tinha direito a foro privilegiado. Formalmente, naquela época ele não era investigado, apenas as pessoas a seu redor. Passou a ser em 2018, no breve período entre a aposentadoria no Tce e a posse como deputado estadual, em fevereiro de 2019, mesmo dia em que foi eleito presidente da Alesc pela terceira vez.
É o tipo de malandragem jurídica que marca o lavajatismo e que em algum momento torna inócuos os meses de investigação e desgaste público dos envolvidos. Júlio Garcia levou um bom tempo para convencer o Stj de que houve um drible, uma artimanha, para incluí-lo na investigação sem autorização dos magistrados da corte superior. Mas convenceu, em novembro do ano passado. Desde então, as provas coletadas pelo Mpf tornaram-se nulas e as três denúncias contra o deputado estadual ficaram moribundas, à espera do arquivo pela caneta de Janaína Cassol.
Em março, a magistrada ainda solicitou ao Mpf que apresentasse novas provas contra o deputado estadual, caso as tivesse. Nos bastidores, havia alguma expectativa de que o acordo de leniência celebrado por empresas ligadas ao esquema investigado pela Alcatraz pudesse trazer alguma novidade. Esperou por mais dois meses e meio até no final da tarde de segunda-feira foi comunicado o arquivamento das três denúncias. A nota da Justiça Federal cita que o Mpf “prefere reavaliar melhor os elementos de investigação e eventualmente oferecer nova denúncia” em relação ao parlamentar. Um indício de que não desistiram por completo.
Com as decisões, Júlio Garcia volta a ser – formalmente – o que era até abril de 2019. Não é investigado, não é réu, está livre dos processos relacionados a esquemas de corrupção na Secretaria de Administração. Voltar no tempo, no entanto, é impossível. Há o desgaste político e eleitoral de quem passou mais de dois anos como alvo da Lava-Jato catarinense. O peso desse desgaste será conferido nas urnas, em outubro, quando ele será candidato à reeleição na Alesc.
Também sai chamuscado desse episódio o próprio lavajatismo. As espertezas de procuradores e magistrados, aqui e em outras esferas, no final das contas têm comido os próprios donos. Se é difícil alcançar os poderosos seguindo as regras, não segui-las tem desmoralizado os perseguidores. O exemplo emblemático é o próprio ex-juiz, ex-ministro e ex-herói nacional Sérgio Moro, uma pálida e caricata sombra do que um dia pareceu ser.
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Sobre a foto em destaque:
Júlio Garcia sorriu por último. Foto: Fábio Queiroz, Agência Al.