Faltam palavras para definir o tamanho da reviravolta política que se consumou quarta-feira na votação da reforma previdenciária na Assembleia Legislativa. Há menos de um ano, em setembro de 2020, o governador Carlos Moisés (sem partido) conseguiu reter apenas seis votos em 40 na tentativa de evitar a autorização para abertura de um segundo processo de impeachment. Era o fundo do poço na relação entre o governo e parlamento, beirando a ruptura institucional.
Passados quase 11 meses, o cenário mudou tanto que é pouco dizer que Moisés tem agora uma coesa e obediente maioria parlamentar. O governador conseguiu 30 votos favoráveis à emenda constitucional que aplica as idades mínimas para aposentadoria no serviço público estadual e quase repetiu o placar – 29 votos – na lei complementar que detalhou as novas regras da previdência do Estado.
Dizer que Moisés passou em um teste de governabilidade é insuficiente. Seria como dizer que um alpinista subiu o Everest para treinar. A terceira reforma da previdência que a Alesc aprova em 13 anos trouxe desafios diferentes para a base de apoio construída pelo novo Moisés sob a articulação do chefe da Casa Civil, Eron Giordani (Psd). Os governos de Luiz Henrique (Pmdb) e Raimundo Colombo (Psd) não ousaram taxar os aposentados de menores salários – abaixo de R$ 6,4 mil. A medida certamente foi ventilada nas reformas passadas, porque apesar de amarga e contestável tem efeito real no combate ao déficit da previdência. Se a economia prevista com todas as medidas previstas na reforma chega a R$ 65 milhões por mês, ao menos metade disso vem da taxação dos inativos do andar de baixo. Ou seja, sem tirar 14% do salário da merendeira aposentada, a conta não bateria nos alardeados R$ 32 bilhões em 20 anos.
Não é qualquer base de apoio no Legislativo que mata no peito um remédio amargo desses. A de Colombo, em 2015, não mataria – o tema nem chegou ao parlamento. Até mesmo o aumento da alíquota de 11% para 14% foi escalonado, um ponto percentual por ano, para diminuir o impacto no bolso dos servidores atingidos. Outro ponto que talvez as bases de LHS e Colombo não encarassem seria comprar briga com os servidores civis da segurança pública. A armadilha veio de Brasília, que estendeu aos militares estaduais as regras mais amenas dadas aos integrantes das Forças Armadas. Mesmo assim, o governo foi firme em não ceder às pressões e mobilizações da categoria por regras que não deixassem os profissionais da segurança em patamares diferentes. Não é qualquer base aliada que encara essa bronca.
A rigor, os oito ou nove votos contrários à reforma da previdência reuniram as esquerdas (bancada do Pt e o pedetista Rodrigo Minotto) – que têm posição ideológica e base sindical que as levam a contrapor esse tipo de reforma – e a pequena oposição real a Moisés na Alesc: Kennedy Nunes (Ptb), Ivan Naatz (Pl), Sargento Lima (Psl), Laércio Schuster (Psb). Há, ainda, Maurício Eskudlark (Pl), delegado aposentado, que cerrou fileiras com a categoria, mas amanhã mesmo deve voltar a ajudar a governabilidade, assim como os deputados da esquerda.
Como eu disse na abertura, é impressionante – na falta de palavra mais contundente – que esse tipo de resultado tenha sido obtido por um governo que há menos de um ano não reunia deputados suficientes para manter vivo o próprio governo. Não há no horizonte votação mais polêmica e difícil do que as aprovações da quarta-feira.
O desafio agora é compensar perdas para acalmar os atingidos pela reforma. Após a sessão, Eron Giordani acenava com envio de projetos de reajustes salariais que ajudem algumas categorias a lamber as feridas, especialmente na segurança pública. A educação aguarda a aprovação da PEC da remuneração mínima de R$ 5 mil e o prometido novo plano de carreira. Há, ainda, a ideia de conceder incentivo financeiro para servidores que aceitem trocar o deficitário fundo previdenciário pelo quase vazio SC Prev, fundo de aposentadoria complementar criado em 2015. As propostas logo devem aportar no Legislativo e uma certeza já é possível ter de antemão: Moisés tem voto para aprovar o que quiser, tal qual os governadores da ex-velha política.
Sobre a foto em destaque:
Servidores de diversas categorias tomaram a frente da Assembleia Legislativa para pressionar contra a aprovação da reforma da previdência. A base matou no peito as polêmicas da reforma. Foto: Vicente Schmitt, Agência AL.