Durante os quase quatro anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (Partido Liberal), temas centrais de sua gestão que precisavam passar pelo crivo da Câmara dos Deputados terminavam com um placar sugestivo: 15 a 1. O isolado, obviamente, era o petista Pedro Uczai (Pt), único nome da oposição ao governo entre os catarinenses. A votação da Pec da Transição, na quarta-feira, um projeto de interesse do governo do presidente eleito Lula (Pt), no entanto, mudou pela primeira vez essa configuração.

Com o fim do mandato de Bolsonaro, a expectativa sobre o governo Lula e algumas não-reeleições, o projeto, aprovado, recebeu entre os catarinenses 10 votos contrários e seis favoráveis – acabando com a solidão de Uczai. Somaram-se ao petista os nomes de Angela Amin (Progressistas), Carlos Chiodini (Mdb), Carmen Zanotto (Cidadania), Darci de Matos (Psd) e Hélio Costa (Psd). Nas redes sociais, sofreram as críticas da militância digital bolsonarista, muitas vezes evitadas em temas espinhosos durante o atual mandato.

Entre os temas que receberam o “15 a 1” da bancada catarinense na atual legislatura estavam reforma da previdência, a privatização dos Correios e a adoção do voto impresso acoplado à urna eletrônica, projetos caros às agendas do bolsonarismo e/ou do ministro da Fazenda, Paulo Guedes. A adesão sistemática não foi suficiente para garantir reeleições – o eleitor de Jair Bolsonaro em Santa Catarina preferiu descarregar votos em candidatos do Partido Liberal, deixando de lado Angela, Darci e Hélio, que agora votaram a favor da Pec lulista, e também Rodrigo Coelho (Podemos) e Geovânia de Sá (Psdb), que mantiveram o voto alinhado aos bolsonaristas.

Dos votos favoráveis, chamaram atenção os dos reeleitos Chiodini e Carmen. O primeiro já havia antecipado, na Live do Upiara, que votaria a favor de mais um estouro do Teto de Gastos. O argumento do emedebista era claro: “se eu estourei o teto para o Bolsonaro, não faz sentido não estourar para o Lula”.

Era uma referência clara à votação da Pec do Estado de Emergência aprovada em julho, que permitiu ao governo Bolsonaro gastar 41,25 bilhões para aumentar o Auxílio Brasil para R$ 600, além de  conceder ajuda financeira a caminhoneiros e taxistas. Um estouro de teto válido por seis meses, incluindo período eleitoral. Desta vez, foi aprovado um estouro de R$ 145 bilhões por um ano para bancar despesas como o Bolsa Família de R$ 600, o Auxílio Gás, a Farmácia Popular, entre outros outros. Importante dizer que apenas um deputado federal catarinense votou contra ambos os rompimentos de teto: Gilson Marques, do Novo.

O voto de Carmen Zanotto foi questionado nas redes bolsonaristas pelo fato de que ela foi anunciada como secretária de Saúde no governo de Jorginho Mello (Partido Liberal), eleito na segunda Onda Bolsonaro. E justamente em uma quarta-feira especial para a deputada federal, com a aprovação da Pec que vai garantir financiamento para o piso da enfermagem, principal luta do mandato. Um cenário que mostra que talvez o melhor lugar para Carmen durante o mandato de Lula seja ficar em Santa Catarina cuidando da saúde de sua gente.

No Senado, as pautas caras ao bolsonarismo geralmente contavam com o endosso de Jorginho Mello, agora eleito governador, e Esperidião Amin (Progressistas), com Dário Berger (Psb), cujo mandato acaba em fevereiro, alinhando-se eventualmente à oposição. Foi assim quando a Pec lulista foi votada a primeira vez no Senado, com Ivete da Silveira (no lugar de Jorginho) e Amin votando contrários e Dário a favor. Amin, na época, ressaltou que votava contra por entender que o prazo do estouro do teto deveria ser de apenas um ano e não dois como a proposta previa. A Câmara reduziu esse prazo para um ano e Amin mudou a posição – fazendo o mesmo voto que Angela dera poucas horas antes.

Jorginho Mello, que havia reassumido o mandato para um discurso de despedida do Senado, manteve-se fiel à orientação do Partido Liberal de votar contra a medida. Não foi neste momento, pelo que menos, que começou o especulado aceno ao governo de Lula. É cedo demais.

A breve reconfiguração dos votos catarinenses na Câmara e no Senado não são indicativos consistentes de um cenário de desatrelamento da bancada em relação à pressão bolsonarista no Estado. A nova bancada traz seis deputados federais eleitos pelo Partido Liberal (Caroline de Toni, Daniel Freitas, Daniela Reinehr, Jorge Goetten, Júlia Zanatta e Zé Trovão) e dois petistas (Ana Paula Lima se junta a Pedro Uczai). Os demais vão continuar no fogo cruzado – entre os benefício de votar com o governo e a gritaria das redes (e dos eleitores por trás das telas de celular e computador).

Note, leitor, que eu chamei as Pecs por seus nomes brandos. Quem chamou a proposta de julho de “Pec do Estado de Emergência” não deveria falar agora em “Pec da Gastança” ou coisa parecida. Assim como aqueles que falavam em “Pec Kamikaze” não podem também se ofender com os apelidos jocosos que a nova proposta recebe da futura oposição. O Brasil precisa de muita coisa, mas uma epidemia de honestidade intelectual viria a calhar.


Sobre a foto em destaque:

Sessão da Câmara aprova Pec da Transição. Foto: Pablo Valadares, Câmara dos Deputados.

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