Até o final do governo Carlos Moisés (Republicanos), o secretário Paulo Eli vai alcançar a marca de 1.776 dias à frente da poderosa Secretaria da Fazenda de Santa Catarina – mais tempo do que o próprio governador, que encerra dia 31 de dezembro seus quatro anos de mandato. Servidor de carreira da pasta e nome presente em funções de destaque em diversos governo, o fazendário tem a chave do cofre catarinense desde que Eduardo Pinho Moreira (Mdb) assumiu o governo, em fevereiro de 2018. Ele me recebeu no improvisado gabinete de secretário no Centro Administrativo, em reforma, para um café e uma conversa sobre a situação que o governador eleito Jorginho Mello (Partido Liberal) vai encontrar as finanças do Estado, como mantê-las em ordem, o custo das promessas de campanha e se aceitaria um eventual convite para permanecer à frente da Fazenda.
Logo no começo da conversa, pergunto se a herança que Jorginho Mello vai receber do governo Carlos Moisés é maldita ou bendita. A resposta é positiva, mas cheia de condicionantes.
Ele vai receber um Estado com as contas em dia. Mas o Estado ainda tem muitos problemas. Uma dívida pública em excesso, um estoque de precatórios para pagar, um déficit previdenciário enorme. O Estado está ajustado, mas em um ajuste que foi programado para mais quatro anos. Continuar com o controle da despesa e o aumento constante da receita via investimentos da iniciativa privada que estão migrando para Santa Catarina todos os dias.
Perguntei, então, qual é a receita catarinense para atração de investimentos. Ele não titubeia: é o Pró-Emprego, programa de incentivos fiscais criado em 2006, no segundo mandato de Luiz Henrique da Silveira (Pmdb) e que vem sendo aperfeiçoado desde então. Com ele, não apenas foram atraídas empresas para Santa Catarina, como foi potencializada uma rede de portos única no país.
Tínhamos três portos. Imbituba, que estava quase em desuso, Itajaí e São Francisco do Sul. Viabilizamos Itapoá, Navegantes e a reativação de Imbituba. O Pró-Emprego viabilizou em 15 anos que o Estado se tornasse um grande complexo logístico industrial. Por que as empresas vêm para cá? Segurança jurídica e custo logístico.
Na sequência, Paulo Eli enumera sua parte nessa construção, com foco nos últimos quase cinco anos em que comanda a Fazenda estadual. Assim, aponta quatro pontos que se complementam ao Pró-Emprego herdado de Luiz Henrique. Primeiro, o fim da política de substituição tributária para quase todos os produtos em Santa Catarina. A conversa aqui é técnica. Pela regra, aplicada nos Estados que concorrem diretamente conosco, a indústria recolhe o Icms de toda a cadeia até chegar ao consumidor final. Mais uma vez, ele explica:
A substituição tributária é ruim para a indústria e o atacado, porque ela te obriga a antecipar o imposto para os Estados quando tu ainda não recebeu no caixa. (Empresas de) Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, estão migrando para Santa Catarina porque não tem essa exigência aqui.
Ao fim da substituição tributária (mantida ainda apenas para medicamentos), ele soma mais dois itens técnicos: a redução da alíquota de imposto da indústria de 17% para 12% e a autorização de transferência de crédito de Icms entre empresas apenas mediante apresentação de projetos de investimento. O último ponto parece trivial, mas tem feito a diferença a favor de Santa Catarina desde antes da chegada de Paulo Eli ao posto: a facilidade de acesso dos empresários à pasta. Segundo ele, qualquer empresa do país que quiser se estabelecer no Estado será recebida em até uma semana – online ou presencialmente.
Pergunto, então, o quanto é robusta a fórmula catarinense e se há chance do modelo desandar.
Se o secretário que vier simplesmente fechar a porta e não receber ninguém, se ele for domado pela burocracia, porque é a burocracia que não quer receber ninguém, aí vai se perder um pouco esse fluxo migratório. Porque as empresas vêm porque o Estado conversa. Outras questões, depende muito da Assembleia Legislativa.
Aproveito o embalo para mais uma questão técnica. Quando sabatinei os candidatos a governador em parceria com a Fecomércio, uma das perguntas da entidade era se seria possível criar um programa semelhante ao Prodec para o comércio. O Prodec é um histórico programa de benefícios fiscais em Santa Catarina que permite postergar o pagamento do Icms por um determinado período de tempo, utilizado como instrumento para atração de indústrias. O comércio sempre sonhou com algo parecido. Com Paulo Eli no caixa, impossível.
Aí inviabiliza o Estado. O Estado faz isso para a indústria que vem se instalar aqui. Para o comércio não faz sentido, porque tu pega o (cita uma rede de lojas de departamentos). Eles pagam R$ 7 milhões por mês de Icms. Se fizer um Prodec para ele, vai recolher 25% desse valor. A diferença, vai usar como financiamento para ele. Mas ele já recebeu do cliente. Agora, se eu estou trazendo uma indústria de fora para se instalar em Santa Catarina, eu posso fazer esse movimento por quatro ou cinco anos. O Prodec para o comércio é inviável do ponto de vista financeiro do Estado.
Outra questão tida por impossível revisão por Paulo Eli é a cobrança de 14% do salário dos aposentados do serviço público que ganham entre o salário mínimo (R$ 1.212) e o teto da previdência privada (R$ 7.087,22), implantada pela reforma previdenciária estadual aprovada em 2021. O fim da isenção teve efeito negativo para Carlos Moisés entre o funcionalismo e foi tema da campanha eleitoral. Jorginho Mello não se comprometeu a dar fim à cobrança, mas prometeu estudar alternativas. Segundo Paulo Eli, não há. Reproduzo o diálogo, emendando com uma promessa clara do governador eleito: comprar todas as vagas de ensino superior do Sistema Acafe.
Dá para rediscutir a alíquota de 14% para os aposentados?
Discutir, sim. A implementação, acho complicado.
Penalizou bastante quem ganha entre um salário mínimo e o teto da previdência privada.
Penalizou, mas nós compensamos com aumento de salário.
O senhor não acredita que tenha de onde tirar…
Não tem de onde tirar.
A promessa de comprar vagas da Acafe tem de onde tirar?
Não tem uma regra especificada, não tem como precificar. Nós temos esse valor como especulação, mas hoje a gente gasta R$ 500 milhões já e tem vaga sobrando, porque a gente paga a faculdade de pessoas pobres. Pagar a faculdade de pessoas ricas é diferente. É uma discussão.
A Acafe diz que custa R$ 2 bilhões. Como já se gasta R$ 500 mi, é R$ 1,5 bi.
Isso não tem de onde tirar. Porque hoje o que o Estado precisa é creche e escola básica.
É uma prioridade falsa?
Não é uma prioridade falsa. É o desejo de muita gente. O desejo de muita gente é que tudo seja de graça. Sem aumentar tributos, sem aumentar alíquota. As regras da Acafe precisam se definidas para depois precificar. Pode custar até menos do que o que a gente paga hoje, dependendo da regra. Ouvi falar que eles vão ter que trabalhar depois. A nossa regra hoje é R$ 500 milhões sem trabalhar. Quantos vão aderir? Quantos já trabalham? Não conheço as regras e o Jorginho ainda não falou.
Depois de falar do que cabe ou não cabe no orçamento, passamos a falar dele. Para o ano que vem, o governo Moisés estima que Santa Catarina terá um orçamento de R$ 44,11 bilhões, um crescimento de 16,47% em relação ao previsto para 2022. Um “orçamento enxuto”, diz Paulo Eli, que não inclui reajustes salariais ao funcionalismo, embora haja margem. O valor estimado inclui as perdas potenciais causadas pela redução forçada do Icms da gasolina e da energia elétrica de 25% para 17%, aprovada pelo Congresso Nacional após pressão do presidente Jair Bolsonaro (Partido Liberal) para uma redução imediata dos preços.
Nesse momento passamos a falar sobre a transição de governo. Até esta sexta-feira, dia 18, em que publico a conversa, Paulo Eli não havia sido chamado para conversar pelo governador eleito e nem por nenhum integrante de sua equipe de transição. Também não tomou iniciativa – não identificou ninguém ligado aos temas fazendários nos 11 nomes indicados por Jorginho. Reproduzo esse trecho da nossa conversa:
Já tem conversas com gente do novo governo sobre a transição?
Não fui procurado ainda.
Identificou nos nomes da transição alguém que possa ser o interlocutor?
Não, porque não tem ninguém da Fazenda no grupo de transição (sorri).
O senhor era secretário com Eduardo Pinho Moreira (Mdb) e continuou no governo Moisés. Continuaria mais uma vez se convidado?
Depende das condições. A gestão aqui é muito complicada. A palavra mais usada aqui na Secretaria da Fazenda é “não”. Eu tenho muitos inimigos por causa do não, tanto no ajuste da receita quanto no ajuste da despesa. Ninguém entra naquela porta para trazer sugestões de aumento de receita ou de redução de despesa, a não ser os nossos funcionários. Todos os que atendo querem alguma coisa que tem impacto financeiro.
Paulo Eli acredita que Jorginho deva manter os programas do governo Moisés, em especial o SC Mais Moradia e o Plano 1000 – a proposta de repassar R$ 1 mil por habitante para cada município investir em obras de infraestrutura. A manutenção do programa é uma promessa de campanha do governador eleito, feita diante dos prefeitos no Congresso de Municípios, Associações e Consórcios (Comac-SC), realizado pela Fecam no início de agosto. A razão para o otimismo do secretário é o fato de que os principais programas do atual governo foram construídos em conjunto com a Assembleia Legislativa e 24 dos 40 deputados estaduais foram reeleitos.
Sobre reeleição, ele é lacônico quando pergunta o que faltou para a vitória de Moisés – terceiro colocado na disputa pelo governo estadual.
O que faltou para a reeleição do governador?
Um número.
Número de votos?
Se Moisés tivesse escolhido o número correto, teria ganho no primeiro turno. Como no Paraná, onde o número era outro, mas ele (Ratinho Junior, reeleito pelo Psd) sempre esteve…
Alinhado ao presidente Bolsonaro.
Não é que aqui não estivesse alinhado. Mas deixou transparecer que não estava.
Por fim, encerro a conversa, o café e o bolo de banana que foi servido durante o encontro perguntando qual deveria ser a grande preocupação de Jorginho Mello ao assumir o governo. Fica a dica:
A primeira questão é manter a receita crescendo e a contenção da folha. Isso é o principal. A segunda é o piso da enfermagem. Na nossa conta, ele vai custar R$ 600 milhões para a Secretaria da Saúde. Nossos servidores já ganham o piso, mas os nossos contratados não. Nas OSs e nos hospitais filantrópicos, eles não ganham o piso. Essa conta eles vão repassar para o Estado. Ou então o Estado não vai ter o serviço. O Estado vai ser forçado a fazer o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos das OSs e vai ser forçado a passar mais dinheiro para os hospitais filantrópicos. Se não, o filantrópico vai fechar.
Sobre a foto em destaque:
Paulo Eli discursa no lançamento do Plano 1000, em 2021. Ele acredita na manutenção do programa municipalista. Foto: Secom, Divulgação.