Apesar de arroubos, bravatas e disparates, continuarei escrevendo neste espaço considerando que teremos eleições para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais em outubro de 2022. É a regra do jogo, não é passível de discussão e de condicionantes de ocasião. Este texto é justamente sobre as regras do jogo eleitoral e as pequenas mudanças que estão sendo engendradas no Congresso Nacional sobre a forma de escolha dos parlamentares nas próximas eleições.
Enquanto a Câmara dos Deputados passou meses tropeçando nas próprias pernas da falta de consensos mínimos para uma reforma eleitoral, o Senado fechou e aprovou antes do recesso parlamentar um pacote de projetos com pequenas correções e algumas novas trapaças para a disputa de vagas nos parlamentos. Com isso, virou a bola da vez da reforma eleitoral, que nem traz alterações tão substanciais assim para ser chamada de reforma. É um remendo. As questão são tão pontuais que é dado como certo nos bastidores que tem mais chance de ser analisada e aprovada até outubro na Câmara do que o contrário, caso os deputados federais consigam colocam em pé algum pacote para mandar ao Senado. Outubro é a data limite porque mudanças nas regras eleitorais precisam ser aprovadas um ano antes da votação.
A aposta de que as mexidas dos senadores serão ratificadas na Câmara em tempo recorde foi feita pelo presidente nacional do Psd, Gilberto Kassab, na passagem por Florianópólis na última sexta-feira. Ele fez questão de detalhar as mudanças aos pessedistas, especialmente aqueles que vão disputar as eleições para deputado federal e estadual. São eles os mais interessados. Uma das principais mudanças atende interesse de partidos grandes e organizados – como o próprio Psd. Os senadores quase acabaram com a possibilidade de que partidos que não alcancem os quociente eleitoral disputem as vagas de sobra. Esse artifício praticamente anulou o efeito do fim das coligações na eleição proporcional nas disputas municipais do ano passado.
Assim, não voltaremos ao modelo anterior em que só as legendas que ultrapassem o quociente (o número de votos produto da divisão da quantidade de votantes pelo número de vagas em disputa) conseguem entrar nos parlamentos. Foi criado um piso: o partido precisa ter no mínimo 70% desse quociente para entrar na repescagem de cadeiras. Ou seja, melhorou, mas ainda há uma fresta aberta para a sobrevivência de muitos partidos. Se a regra fosse aplicada nas eleições de 2018, por exemplo, não haveria mudança na bancada catarinense. O Novo foi o único partido que se beneficiou da repescagem – seus candidatos somaram 187,4 mil votos e o quociente eleitoral era 221,7 mil. Seria suficiente para passar pela fresta dos 70%.
Mas há uma mudança nas regras que o Senado propõe que teriam mexido bastante com a eleição catarinense de 2018. Os senadores aprovaram um piso mínimo de candidatas mulheres eleitas que começa em 18% e aumenta gradativamente até chegar a 30% em 2038. Nas 16 cadeiras de Santa Catarina na Câmara dos Deputados não haveria mudança se a fórmula fosse aplicada na eleição passada, porque foram eleitas quatro deputadas federais. Na Assembleia Legislativa, no entanto, as cinco eleitas em 40 cadeiras representaram apenas 12,5%, o que faria três suplentes serem transformadas em titulares. Assim, Dirce Heiderscheidt (Mdb) e Anna Carolina Martins (Psdb) teriam tomado as vagas de Romildo Titon (Mdb) e Moacir Sopelsa (Mdb), enquanto Ruti Rossi (Psl) ficaria com o lugar de Jessé Lopes (Psl).
Claro que há compensação para os partidos: será flexibilizada a cota de 30% de candidaturas femininas. Ela continua existindo, mas as legendas podem não preenchê-las. O argumento usado é de que assim não será necessário recorrer a candidaturas laranjas, lançando apenas reais candidatas. Foi mantida a regra de 30% dos recursos do fundo eleitoral são destinadas às candidaturas de mulheres – sendo explícito que esse dinheiro não deve ser usado em candidaturas majoritárias.
Outra regra para facilitar a vida dos dirigentes partidários é a redução do número máximo de candidaturas nas eleições proporcionais. Em Santa Catarina, por exemplo, cada partido pode lançar 60 candidatos a deputado estadual e 32 a federal – o equivalente a uma vez e meia o número de cadeiras disponíveis. Com a mudança, o máximo de nomes na disputa é o de vagas nos parlamentos – 40 e 16. Ou seja, os dirigentes vão precisar de menos gente e vão poder concentrar mais os recursos.
Por falar em recursos, uma daquelas mudanças em que nossos congressistas mostram que a carne é fraca. É a volta da propaganda partidária gratuita em rádio e televisão em anos não-eleitorais – o senador catarinense Jorginho Mello (Pl) é um dos autores da proposta. Curiosamente, havia sido extinto para que os recursos utilizados para custear a propaganda fora de época fosse canalizada para o fundão eleitoral. Agora teremos ambos, se o pacote passar na Câmara.
Sobre a foto em destaque:
Rodrigo Pacheco (Psd de Minas Gerais), presidente do Senado, e a líder da bancada feminina Simone Tebet (Mdb do Mato Grosso do Sul) estavam entre os articuladores das mudanças na regras eleitorais aprovadas pelos senadores e que precisam ser aprovadas na Câmara dos Deputados até outubro para valerem em 2022. Foto: Waldemir Barreto, Agência Senado.