É impressionante como nos últimos dois anos a política de Santa Catarina saltou e rodopiou como poucas vezes em sua história. Claro que tudo está dentro do contexto de uma onda eleitoral de ruptura como a que aconteceu em 2018, em que o eleitor catarinense fez uma aposta de eleger nomes (ou números) vinculados a uma candidatura presidencial em vez de manter no poder aqueles que haviam sido sócios no comando do Estado por quase 16 anos e que passaram a ser adversários. 

Mesmo assim, é interessante observar que mesmo dentro desse contexto de novos nomes e novos personagens nas engrenagens da máquina do Estado, as coisas mudaram de forma intrigante. Há dois anos, eu fui à Casa da Agronômica acompanhado pelo jornalista César Seabra para uma entrevista com o governador Carlos Moisés (ex-Psl) para o Diário Catarinense. As redes sociais trouxeram a lembrança e me fizeram mergulhar novamente nas respostas dadas por aquele Moisés pré-pandemia, pré-impeachment e pré-pragmatismo. É curioso ver como todo um cenário se desfez em tão pouco tempo e virou outro. Ao mesmo tempo, há permanências.

Naquele novembro de 2019, Moisés estava perto de chegar ao fim de um primeiro ano de governo sem crises que não tivessem sido criadas pelo próprio governo – nada muito assustador. Empresários e parlamentares ficaram melindrados com uma tentativa de revisar amplamente a política agressiva de incentivos fiscais em vigor desde os governos de Luiz Henrique e Raimundo Colombo. Muito barulho, algumas trombadas, mas as partes envolvidas alcançaram o meio termo. 

O grande problema era a política. Nos meses anteriores, Moisés foi incentivado e convencido de que poderia alçar voo próprio na política de Santa Catarina, descolando-se da figura do presidente Jair Bolsonaro (ex-Psl), de quem ganhara impulso ao colar no número 17 do Psl. Nesse processo, perdera quatro dos seis deputados eleitos pelo partido e se escorava em parlamentares de partidos do que chamara na campanha de “velha política” – vetando os muito velhos, digamos assim. 

Na entrevista que fizemos, Moisés aprofundava esse afastamento de Bolsonaro ao dizer que não deixaria o Psl mesmo que o presidente o fizesse – e ele o faria naquela mesma semana. Chegou a dizer que o Psl estava se “purificando” – mais pela saída de Jessé Lopes e Ana Campagnolo do que pelo presidente, podíamos ler nas entrelinhas. Queria no partido “quem raciocina, quem tem essa capacidade”. 

No lugar de Bolsonaro e sua turma local, Moisés parecia entender que poderia contar com uma expansão do Psl com a sua cara e na aliança com deputados de diversos partidos, especialmente os menos experientes no parlamento – isolando nomes como Júlio Garcia (Psd) e Marcos Vieira (Psdb). Uma base suprapartidária construída pelo então chefe da Casa Civil, Douglas Borba, que vivia o auge no cargo. 

Era um governo que ainda não enfrentara más notícias – catástrofes, enchentes, crises no sistema prisional, temas comuns em mandatos anteriores. Parecia que estava tudo guardado para 2020, quando a pandemia do coronavírus deixou o mundo em suspenso. Em Santa Catarina, as decisões de Moisés o deixaram ainda mais na contramão do que pregava Bolsonaro e os bolsonaristas, afastou governo e parlamento e desfez a base frágil que dava sustentação ao governo. A crise com a compra dos respiradores fantasmas e a Cpi que veio em seguida entornaram o caldo de vez. Sem base, sem torcida, em meio às difíceis decisões da pandemia, Moisés quase perdeu o governo em dois processos de impeachment.

É curioso lembrar como tudo se recompôs rapidamente com a reconciliação de Moisés com a Alesc, simbolizada por um aperto de mãos com Júlio Garcia incentivada por Marcos Vieira. Hoje o Estado e o governo vivem um bom momento causado por acertos de gestão, mas principalmente por recordes de arrecadação atrelados à inflação. Esse excedente vira repasses para obras importantes e históricas nos municípios, especialmente os pequenos, carimbadas por uma base aliada mais ampla e solidificada por emendas, não por sorrisos em fotos. 

Nesse contexto, a ideia de ficar no Psl ficou para trás. O afastamento em relação a Bolsonaro é relativizado – embora os bolsonaristas não o aceitem de volta. O mundo girou tanto que a gente nem lembra que Moisés já pensou em herdar um partido grande e vazio com a saída de Bolsonaro para outra agremiação. Hoje, sem partido, Moisés precisa convencer os partidos que apoiam seu governo a apoiarem também sua reeleição. E o largado Psl caiu no colo de um possível adversário em outubro do ano que vem, o prefeito florianopolitano Gean Loureiro, principal beneficiário local da fusão do partido com o Democratas para gerar o União Brasil. Outro sobressalto político inimaginável em novembro de 2019. Quantos mais teremos até o fim deste ciclo político?


Sobre as fotos em destaque:

Carlos Moisés em 2019, na entrevista do DC, e em 2021, no Festival de Dança de Joinville. Fotos: Ricardo Wolffenbüttel, Secom.

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