Há mais ou menos 20 anos, o debate político catarinense começou a ganhar dois termos que foram caindo em desuso algum tempo depois e hoje estão esquecidos na prateleira das narrativas políticas: deslitoralização e descentralização. A ideia de que era necessário conter o avanço populacional nas cidades litorâneas e promover desenvolvimento no interior do Estado para que os menores municípios pudessem reter seus habitantes foi mote da primeira campanha eleitoral de Luiz Henrique da Silveira em 2002 e gerou, depois que ele foi eleito, polêmicas reformas administrativas que prometiam descentralizar o poder espalhando estruturas do governo estadual pelas regiões. O símbolo dessa mudança eram as Secretarias Regionais de Desenvolvimento (SDRs), que chegaram a ser 36 pastas e hoje estão arquivadas no imaginário político como meros cabides de emprego de políticos.

Faço esse resgate ao receber as avaliações que o Observatório Fiesc fez sobre os números da estimativa que o Ibge apresentou em agosto sobre a população catarinense em 2021. De acordo com o instituto, 64% dos municípios catarinenses ganharam habitantes no período de um ano – um contingente de 86 mil pessoas. Não é pouco. Se esse grupo fosse um município, seria o 13º maior do Estado, à frente de Camboriú e São Bento do Sul.

O município que mais chamou atenção do Observatório Fiesc foi Araquari, no Norte do Estado, junto à faixa litorânea. Proporcionalmente, a cidade de 40,8 mil habitantes foi a que mais ganhou habitantes em Santa Catarina no período entre 2020 e 2022: 3,45%. Um percentual que equivale a 1.366 pessoas que procuraram a cidade vizinha a Joinville, notabilizada pela implantação da fábrica da montadora Bmw em 2014. Quase uma extensão da maior cidade catarinense, Araquari mais do que dobrou sua população nos últimos 20 anos – um impressionante crescimento de 138% em um período em que a média estadual ficou em 35%. O avanço de Araquari, de certa forma, foi na contramão do marketing político da deslitoralização.

Embora Araquari seja um exemplo eloquente, os números do Ibge mostram que os grandes aumentos populacionais continuam concentrados nos maiores centros urbanos do Estado. Os maiores avanços absolutos na população se deram nos dois maiores municípios. Joinville ganhou 7.050 novos habitantes em um ano, ultrapassando pela primeira vez a marca dos 600 mil habitantes (604,7 mil). Avanço maior entre 2020 e 2021 se deu na capital Florianópolis, com 7.698 novos moradores, chegando aos 516.524 habitantes. O ritmo de crescimento das duas maiores cidades catarinenses impressiona a cada nova estimativa do Ibge e certamente não estava na prancheta dos descentralizadores de 20 anos atrás.

No ranking de crescimento das maiores cidades do Estado, interessante observar que Blumenau completa o pódio com 4.563 novos habitantes (366.418 no total) e que cinco cidades ganharam mais de 3 mil moradores: São José (3.524), Chapecó (3.574), Itajaí (3.505), Jaraguá do Sul (3.406), Palhoça (3.407) e Balneário Camboriú (3.431) – Brusque bateu na trave com 2.908. Alguns movimentos históricos mostram continuidade. Por exemplo, Lages continua estagnada no quesito populacional e é a única das 15 maiores cidades do Estado que perdeu habitantes entre 2020 e 2021 – 191 moradores a menos.

Também é interessante notar a disputa pela quinta maior população do Estado entre Chapecó, Itajaí e Criciúma. Na última década, os criciumenses perderam o posto e vão ficando para trás ano a ano. Neste última estimativa populacional, a cidade ganhou 2.082 habitantes e viu aumentar a diferença para os chapecoenses e itajaienses. Pelo Ibge, a quinta cidade do Estado é Chapecó (227.587 habitantes), seguida de muito perto por Itajaí (226.617). Criciúma tem agora 219.393.

Os números do Ibge mostram que a característica histórica catarinense do equilíbrio regional persiste apesar do crescimento acelerado de Joinville e Florianópolis, acompanhado por boa parte dos centros urbanos regionais – com destaque para Chapecó e o combo Itajaí/Balneário Camboriú. Quase metade dos 7,3 milhões de habitantes do Estado moram nas 15 maiores cidades. Em contrapartida, 265 dos 295 municípios catarinenses têm menos de 50 mil habitantes – 167 deles têm menos de 10 mil. É no Oeste que proliferam as menores populações. São de lá os 15 municípios menos habitados do Estado, com populações entre 1,2 mil e 2 mil pessoas. Percentualmente, as maiores quedas populacionais se deram em pequenos municípios do Oeste e Meio Oeste: Piratuba, Galvão, Marema, Frei Rogério e Caxambu do Sul.

Uma coisa interessante em números e estatísticas é que elas dizem muita coisa, mas também podem dizer qualquer coisa. Vale o olhar de quem interpreta. Voltando no tempo e olhando o agora, é possível dizer que a descentralização administrativa de Luiz Henrique não conseguiu conter o processo histórico de urbanização dos maiores centros, especialmente junto à faixa litorânea do Estado. Uma vez questionei o próprio ex-governador, morto em 2015, sobre isso – afinal, os números do Ibge já faziam essa indicação na época. Ele disse que sem a descentralização os resultados seriam piores.

Em favor do lendário emedebista, é importante lembrar que uma das obsessões de seu governo era asfaltar os acessos de todos os municípios do Estado – mesmo e especialmente os muito pequenos. Uma meta quase alcançada em seus oito anos de governo e completada na gestão do sucessor Raimundo Colombo (Psd). É por essas vias que passam os insumos da agroindústria, um dos principais motores da economia do Estado, grande fator potencializador do avanço de Chapecó entre as cidades catarinenses. Talvez tenha sido ali que a descentralização prometida por Luiz Henrique tenha feito seu mais emblemático papel.


Sobre a foto em destaque:

Araquari mais do que dobrou a população nos últimos 20 anos. Foto: Fernando Silva, Prefeitura de Araquari.


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