A reforma política – ou mais um remendo com este apelido – está se encaminhando novamente para dar em nada no Congresso Nacional. Mais uma vez, os parlamentares vão deixando as ideias morrerem diante da falta de coragem de mexer nas regras que os elegeram. É um filme repetido em toda véspera de ano eleitoral.
O pior de tudo é que nem o lamento vale a pena, já que as poucas mudanças que arregimentaram algum apoio nos bastidores deixariam o sistema político mais confuso ou mais distorcido. Falo das ideias de criar federações de partidos – colando siglas por quatros anos sem levar em conta questões estaduais e municipais – e o famigerado distritão. Parece muito justa a ideia de que os candidatos mais votados para deputado e vereador se elejam sem contas e sem depender dos votos dos partidos. Na prática, faria aumentar ainda mais o número de legendas e dificultaria a pequena renovação que hoje temos nos legislativos. Vale uma Análise Diária inteira, voltarei ao tema.
Mas a Análise Diária de hoje é sobre o que seria uma verdadeira reforma política, daquelas que os mandatários de Brasília costumam fugir. Ela não demandaria mudanças nos herméticos cálculos de quociente eleitoral, não engendraria percentuais de votação para partidos fugirem de punições por baixa representatividade, nem custaria mais dinheiro público para campanhas eleitorais. A democratização interna dos partidos seria uma bela, importante e urgente reforma política.
Santa Catarina deu dois bons exemplos sobre o assunto na semana que passou. Primeiro, a suspensão da prévia do Mdb para escolha do pré-candidato a governador do partido entre o senador Dário Berger, o deputado federal Celso Maldaner e o prefeito Antídio Lunelli, de Jaraguá do Sul. Pela primeira vez o maior partido do Estado convocou seus 187 mil filiados para decidir o rumo da legenda, com mesmo peso no voto mesmo que a pessoa se chame João da Silva ou Eduardo Pinho Moreira.
O Mdb, diga-se de passagem, tem uma tradição de disputa interna, mas sempre no âmbito de convenções ou pré-convenções restritas a delegados e pesos diferentes de voto de acordo com cargo e história no partido. A ida às bases em meio à pandemia não despertou paixões e há quem acredite que será arquivada, apesar das promessas de que será realizada no final do ano. Se for realizada e a base efetivamente engajada, será um instrumento e um exemplo valiosos sobre como se democratiza as decisões internas de uma legenda e se valoriza a filiação partidária.
E se uma reforma política em Brasília desse aos filiados, em voto universal, a escolha dos dirigentes de todos os partidos? Quantos diretórios e executivas encastelados seriam oxigenados ou renovados pelo calor da disputa interna? Isso sem falar naquelas legendas comandadas eternamente por um único cacique – não vou citar, eles que vistam as carapuças.
O segundo exemplo da semana é de fora da política partidária. Pela primeira vez, a OAB catarinense abriu para todos os advogados a eleição da lista de seis nomes submetidos ao Tribunal de Justiça para seleção do próximo desembargador na vaga do quinto constitucional. Apresentou-se um exemplo concreto do vigor que surge da democratização interna das escolhas. A eleição virtual, realizada pelo Laboratório de Segurança de Informação da UFSC, reuniu 10,1 mil advogados – 34% dos aptos a votar. Mais do que ampliar um quórum antes restrito a 50 conselheiros, a iniciativa do presidente Rafael Horn mobilizou a categoria em todas as regiões do Estado.
Os nomes dos seis advogados encaminhados ao Tribunal de Justiça para formação de uma lista tríplice têm um respaldo inédito na categoria. São eles, pela ordem de votação, Diogo Pítsica, Wilson Pereira Junior, Carlos Salvalaggio, Patrícia Effting, Tammy Fortunato e Romualdo Marchinhacki. A disputa pela vaga de desembargador ganha agora contextos extras, com a política interna do Judiciário e a própria escolha do governador Carlos Moisés (Psl) – que escolhe um dos nomes da lista filtrada pelo TJ-SC. Mas os advogados fizeram sua parte, isso é inegável.
Fica claro que dá para fazer. Um dia, quem sabe, veremos isso dentro dos partidos políticos – e não por concessão dos dirigentes, por ser a própria regra.
Sobre a foto em destaque:
OAB-SC promoveu uma inédita votação entre os advogados para formar a lista sêxtupla de postulantes à vaga de desembargador do TJ-SC. Entre os filiados, 10,1 mil atenderam ao chamado da eleição virtual. Na foto, Diogo Pítsica, o mais votado na categoria – 2.770 votos – discursa na sede da OAB-SC na primeira etapa do processo seletivo, quando o conselho definiu os 12 nomes que participaram da disputa realizada na última segunda-feira. Foto: Flickr da OAB-SC, sem indicação de autoria.