Carlos Moisés da Silva sempre foi um homem de fé. Como político, no entanto, havia mantido até agora os vínculos religiosos de forma discreta e elegante afastados das questões de governo. Algo mudou após o arquivamento do segundo processo de impeachment, quando foi reconduzido ao cargo após um mês afastado.
Logo nos primeiros dias após o julgamento, Moisés participou de um culto da igreja Mais em Cristo, em Tubarão, onde fez um depoimento sobre ser alguém em uma missão – governar os catarinenses – e pediu orações para melhor desempenhar o cargo. A sobrevivência a uma injustiça, caracterizada no processo de impeachment, fazia parte do discurso.
A fala chamou atenção, mas como é inegável que Moisés é um homem de fé, passou ao largo da maior parte das análises políticas. Não é por ser governador que ele deixará de ter o direito de viver sua religião e de vincular os acontecimentos que vive à fé que professa.
No entanto, na semana que passou, Moisés fez mais uma vez um púlpito de palanque – e dessa vez de forma muito mais explícita. Novamente em Tubarão, o governador pediu a palavra em um culto para pedir orações “para que Deus mova a política local”. Disse que mesmo que o governo estadual tenha recursos em caixa, “às vezes há uma má vontade de alguns gestores para que as coisas aconteçam”.
– A gente percebe que aqui, exatamente na minha casa, tem resistências. Talvez seja por uma posição política menor de não fazer as coisas acontecerem. Acredito que se a gente orar e estivermos unidos nisso, Deus pode mover as águas e a gente vai começar a ter as respostas que a gente precisa – disse Moisés.
O governador citou explicitamente obras que envolvem as cidades de Tubarão e Laguna, o que eriçou a política local e fez o discurso/pregação ser entendido como um recado – ou crítica – ao prefeito Joares Ponticelli (Progressistas), de Tubarão. A relação entre eles teve raros – raríssimos – momentos de harmonia nesses dois anos de meio de mandatos compartilhados.
Em 2019, Ponticelli chegou a estar com um pé no PSL, a convite do então secretário da Casa Civil, Douglas Borba. Foi vetado por Moisés. O troco veio na pandemia, com críticas abertas e televisionadas do prefeito progressista à gestão da crise pelo governo do Estado. O novo episódio, a pregação na Mais em Cristo, aprofunda um fosso que já existia – justamente em um momento em que as relações de Moisés com o Progressistas estão tão sólidas que até uma filiação é cogitada nos bastidores. Rumor que incomoda Ponticelli, pré-candidato do partido a alguma posição majoritária.
É interessante observar se Moisés vai continuar usando o púlpito para mandar mensagens políticas a adversários e falar bem de seu governo. Desde que viveu um destrambelhado rompimento com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o governador catarinense sofre por não ter uma militância ou uma torcida (adjetivos cada vez mais semelhantes) a defendê-lo nas crises ou durante os ataques de oposição. Nessa lógica, a aproximação com os evangélicos pode caracterizar a busca por um base de apoio fiel – perdoe o trocadilho irresistível, leitor.
De olho na reeleição, Moisés precisa arregimentar defensores não apenas para ser votado em 2022, mas também para convencer sua base de apoio eventual – os tradicionalíssimos MDB, Progressistas e PSD – de que deve também dar suporte a sua continuidade. Aí a gente pode perceber um viés menos religioso na cutucada que Moisés deu em Ponticelli em meio a um culto. O prefeito de Tubarão é visto no Centro Administrativo – e não apenas lá – como alguém que pode levar o Progressistas para o palanque do eterno adversário Gelson Merisio (PSDB).
Assista ao discurso de Moisés na Mais em Cristo: