Com uma carta com título em latim – verba volant, scripta manent -, o ex-presidente Michel Temer (Mdb) elevou quase à condição de arte o desencontro político entre um governante e seu vice. Um cabo de guerra de resultado negativo para a então titular Dilma Rousseff (Pt), que acabou vendo seu vice-presidente decorativo assumir o poder após o processo de impeachment em 2016.
É um dos poucos, talvez raros, casos em que o número dois leva a melhor em uma disputa aberta com o dono da caneta. Em Santa Catarina, já se viu vice-prefeito despachando em praça pública porque o prefeito mandou trancar a porta de seu gabinete. Em condições normais de temperatura e pressão políticas, o poder do vice é do exato tamanho que o titular lhe concede.
Divago ao pensar no mais recente e quase anedótico confronto entre o governador Carlos Moisés (Republicanos) e a vice-governadora Daniela Reinehr (Partido Liberal). Se o poder do vice é do tamanho que o titular concede, o de Daniela é inexistente desde que lutou com todas as armas de que dispunha para governar o Estado diante dos processos de impeachment sofridos pelo titular em 2020 e 2021. Houve um rompimento oficial, digamos assim, mas a relação nunca foi boa. Logo nos primeiros meses do governo da então nova política, Daniela acabou escanteada pela antiga cúpula política do governo. Moisés e Daniela nunca deram liga.
Nesta semana se consuma a operação política em que Moisés vai ceder a cadeira e a caneta de governador ao presidente da Assembleia Legislativa, Moacir Sopelsa (Mdb), durante todo o período de campanha eleitoral. É um tentativa clara de aprofundar os laços com o partido que é o esteio da aliança governista e que já abocanhou as vagas de vice-governador e senador na chapa liderada por Moisés. Agora, vem mais um mês de governo e uma secretaria para deputado. Fica a pergunta: quanto mais o Mdb vai querer em caso de reeleição?
Para além do pragmatismo político, chama atenção que toda essa operação se consumou ignorando a existência da vice – algo que é praxe no governo após superados os impeachments. Daniela deu entrevistas ao longo das últimas semanas dizendo que não havia sido consultada. Sopelsa foi escalado para fazer a conversa que normalmente aconteceria dentro do Centro Administrativo. Não houve resultado.
Ficou o fato consumado. Se a vice batesse o pé para assumir, ficaria inelegível na disputa pela Câmara dos Deputados. Se barrasse a posse de Sopelsa, Moisés voltaria ao cargo e ela ficaria sem a interinidade e sem a candidatura. O governador pagou para ver e Daniela saiu da frente, anunciando na quarta-feira sua licença para permanecer candidata – com uma exposição nas redes sociais sobre o novo conflito com o nítido objetivo de fazer do limão uma limonada eleitoral.
O que fica de lição desse episódio e de toda a relação entre governador e vice na atual gestão é o preço, às vezes alto, do improviso. Em 2018, o antigo Psl projetava não ter candidato a governador, lançar apenas Lucas Esmeraldino ao Senado e fazer uma composição. Na última hora – ou melhor, três dias antes do prazo final das convenções partidárias -, o partido definiu a candidatura e escalou o novato Moisés, tesoureiro da legenda. Para a vaga de vice, tiraram Daniela da chapa de candidatos a deputado estadual. O improviso venceu a eleição e Moisés aprendeu a ser político no cargo, mas sempre com essa relação complicada com a parceira de chapa.
Neste ano, Moisés traz para a campanha da reeleição um vice que tem partido, biografia e peso político. Ex-prefeito de Joinville e respeitado industrial, Udo Döhler (Mdb) não poderá ser ignorado.
Sobre a foto em destaque:
Daniela, a vice decorativa, discursa na Assembleia Legislativa. Foto: Daniel Conzi, Agência Al.