Diz a lenda que ao ouvir a detalhada preleção do treinador Vicente Feola às vésperas do confronto do Brasil com a União Soviética na Copa de 1958, o folclórico e genial atacante Garrincha questionou:

– O senhor já combinou com os russos?

Trazendo esse episódio pitoresco para a política catarinense, podemos dizer que – com um trocadilho involuntário (tá, quase involuntário) – os russos são os petistas. O que se viu nos últimos meses foi a movimentação aberta, quase escancarada, do Psb de Claudio Vignatti para atrair ao partido um nome de centro ou centro-esquerda que pudesse liderar uma frente de esquerda sem o Pt na cabeça-de-chapa. O ex-deputado federal Jorge Boeira (ex-Progressistas) já é nome certo, o senador Dário Berger (ainda Mdb) estaria a caminho.

– Alguém combinou com o Pt? – questiono eu.

O grande avalista dessa tese de reunir a frente de esquerda em nome de um candidato menos à esquerda e mais afeito ao paladar catarinense seria o ex-ministro José Dirceu (Pt de São Paulo). O projeto se consolidou após sua passagem por Santa Catarina em novembro, quando avançaram as conversas de Boeira e Dário com Vignatti. No entanto, é sempre importante lembrar que o campo da esquerda catarinense ainda tem um dono – mesmo fragilizado – que é o Pt local.

Presidente estadual do Pt-SC, Décio Lima foi o candidato ao governo em 2018, alcançando um modesto quarto lugar com 12,7% dos votos. O desempenho pode ser lido de duas formas. Foi o pior resultado do Pt na disputa pelo governo desde que se tornou competivivo em nível estadual nos anos 1990. Foi o resultado possível diante de uma onda que elegeu Jair Bolsonaro presidente da República e que teve Santa Catarina como epicentro. As leituras não são incompatíveis – assim é a política.

Certo que é Décio comeu o pão que Bolsonaro amassou nas eleições de 2018 e não vai entregar de mão beijada uma candidatura mais leve em 2022. Se quatro anos atrás o ex-presidente Lula (Pt) estava preso e escorava o partido em uma candidatura que era mero biombo de uma frágil chapa com Fernando Haddad (Pt) e Manuela DÁvila (Pc do B), agora ele está solto e lidera as pesquisas eleitorais diante de um Bolsonaro fragilizado por um governo turbulento. Décio sabe, e tem razão, que os 12,7% de 2018 são piso, não teto. O teto, provavelmente, é o desempenho de Lula em Santa Catarina – algo que pode chegar a um terço do eleitorado.

O que faria Décio Lima ceder? Um projeto maior o que petista, provavelmente. Hoje, no entanto, Dário Berger está fragilizado dentro do Mdb e busca na frente de esquerda uma tábua de salvação e um eleitorado novo para substituir o que perdeu para o ex-aliado Gean Loureiro (Democratas), prefeito de Florianópolis e pré-candidato ao governo. O emedebista depende mais da frente de esquerda do que o contrário. Boeira, por sua vez, é um nome a ser apresentado ao eleitor estadual, nunca disputou majoritárias. Além disso, ambos enfrentam resistência de partidos mais radicais do bloco, notadamente o Psol, o que não acontece com Décio.

Para contrapor as possíveis pressões nacionais, o ex-deputado federal e ex-prefeito de Blumenau tem a relação pessoal com Lula. Usa e abusa dela, por sinal. Semana passado, gravou – bem produzido, inclusive – um vídeo para as redes sociais com o tema “meu coração é Lula”, em que cita a relação próxima com o ex-presidente desde a gênese do Partido dos Trabalhadores. Um vídeo que lembra um pouco os bolsonaristas de garupa de moto, pela tentativa de colar a um líder nacional popular.

Cada um luta com as armas que tem. As de Décio Lima são suficientes para saber que os planos do Psb, de Vignatti, de Dário e de Boeira passam por uma composição que não é, ainda, jogo jogado. Ah, antes que eu esqueça, o Brasil amassou a União Soviética em 1958, com atuação memorável de Garrincha. Mas a política catarinense não tem Garrinchas em atividade, é melhor sempre tentar combinar com os russos.


Sobre a foto em destaque:

Décio Lima, de paletó, integra a mesa na reunião da frente de esquerda em Florianópolis. À esquerda, Douglas Mattos (presidente do Pc do B-SC). À direita, Manoel Dias (presidente do Pdt-SC) e Cláudio Vignatti (presidente do Psb-SC). Foto: Luca Gebara, Divulgação.

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