O Brasil ficou dois dias e meio à espera do pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (Partido Liberal) sobre a derrota nas eleições presidenciais deste domingo, quando o ex-presidente Lula (Pt) foi eleito para um terceiro mandato na mais acirrada disputa da história do país. Uma fala que perdeu o ar de mero protocolo pela postura de seus apoiadores mais radicais de bloquear rodovias em protesto contra o resultado das eleições e com pedidos subversão da ordem institucional. Mais do que reconhecer a vitória de Lula e o resultado apontado pelas urnas, Bolsonaro precisava dar um basta.

Em quase quatro anos de bolsonarismo no poder, aprendemos que o atual presidente não vai a nenhum lugar a que for empurrado e que não tem problema algum em flertar – as vezes até mais do que isso – com o autoritarismo. O que se vê nas rodovias neste momento é resultado de um jeito de liderar que, entre aspas, autoriza sua militância a tentar ganhar no grito qualquer embate em que se sinta contraposto. A derrota nas urnas por 2,1 milhões de votos não foi assimilada nem no Planalto e nem na militância.

Nestes dois dias e meio, o silêncio nada inocente de Bolsonaro serviu de combustível para reações inflamadas. Mais do que isso, a postura dúbia do comando da Polícia Rodoviária Federal deu argumentos a quem acredita que o Planalto gesta um golpe contra o resultado eleitoral. O que se vê, no entanto, é que as instituições estão reagindo e que o radicalismo assusta boa parte do empresariado – aliado importante de Bolsonaro até agora. No resto do planeta, os principais líderes partidários já se manifestaram pelo reconhecimento doa resultado no Brasil e parabenizaram Lula pela vitória que o manifestantes rejeitam. Estados Unidos, França, Alemanha, Inglaterra, entre muitos, e até mesmo Rússia e Ucrânia, hoje em guerra, estão alinhados nessa posição.

Os aliados políticos de Bolsonaro fizeram o mesmo. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas de Alagoas), de olho na reeleição, se manifestou rapidamente. Ciro Nogueira, comandante do Progressistas e chefe da Casa Civil, também. Governadores eleitos na esteira do bolsonarismo, como Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo e Jorginho Mello (Partido Liberal), falam em relação respeitosa com Lula no Planalto. A margem para aventuras golpistas fica na postura mimada de alguns manifestantes. Bolsonaro sabe disso.

Assim, o breve discurso que o Brasil inteiro acompanhou na tarde desta terça-feira no Palácio do Planalto foi uma mistura desidratada do que o candidato derrotado Jair Bolsonaro queria dizer com o que o presidente não reeleito Jair Bolsonaro precisava dizer. Por escrito, para garantir que nenhum improviso inflamasse ainda mais um país em chamas. É assim que deve ser percebida cada palavra, cada frase. Vou exemplificar:

“Quero agradecer aos 58 milhões de brasileiros que votaram em mim“.

Aqui, Bolsonaro reconheceu os resultados da eleição, expressos no número de votos registrados pelas urnas eletrônicas.

“Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”.

Aqui, ele reclama da atuação da Justiça Eleitoral como árbitra, mas não contesta a regra do jogo.

“As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas. Mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir”.

Aqui, Bolsonaro agradece aos manifestantes, mas pede para que deixem as rodovias livres.

“A direita surgiu de verdade em nosso país. Nossa robusta representação no Congresso mostra a força dos nossos valores: Deus, pátria, família e liberdade”.

Aqui, ele aponta que as urnas lhe deram o maior partido do Congresso Nacional e que é o líder natural dessa oposição que nasce.

Sempre fui rotulado como antidemocrático e, ao contrário dos meus acusadores, sempre joguei dentro das quatro linhas da Constituição”.

Aqui, Bolsonaro diz que a aceitação da derrota faz parte do projeto de continuar jogando e que quer ter o crédito por isso em futuras disputas.

“Enquanto presidente da República e cidadão, continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição”.

Por fim, aqui Bolsonaro aceita a derrota e a transição política, expressa de forma mais enfática na fala posterior de Ciro Nogueira sobre a transição de governo.

O que precisava, foi dito. Quem esperava mais do que isso, vai continuar esperando.


Sobre a foto em destaque:

Foto: Isac Nóbrega/PR.

Compartilhar publicação: