É duro dizer isso quando a gente leva em conta o volume de recursos que Santa Catarina gera para a União e quanto recebe de volta, mas o ministro Paulo Guedes, da Economia, tem razão quando responde negativamente à carta enviada pelo governo Carlos Moisés (Republicanos) pedindo para abater da dívida do Estado os R$ 465 milhões investidos para acelerar as obras nas rodovias federais. A revelação foi feita pela jornalista Dagmara Spautz, do Nsc Total. Sem previsão legal e orçamentária, o governo federal não pode fazer esse abatimento com base apenas em justiça e compadecimento. O governo estadual sabe disso. A carta é mero jogo de cena.
Se aceitasse o pleito catarinense sem autorização legal, Paulo Guedes poderia ser questionado até por órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (Tcu) e o Ministério Público Federal (Mpf). Mais do que isso, é pouco imaginável que o Ministério da Economia aceite abrir o precedente de trocar as dívidas por obras de infraestrutura nos Estados – causando uma espécie de efeito dominó. Esse é o tipo de acordo que só se faz na mesa da política, envolvendo de forma ampla Congresso, Estados e a Presidência da República. Não é conversa de técnicos e nem de cartinhas a Brasília.
Usar a momentânea exuberância da arrecadação estadual para fazer avançar obras como a duplicação das BRs 470 e 280, a conclusão da BR-153 e a restauração da BR-163 – o pior trecho de rodovia federal do Brasil – foi uma ideia que surgiu no governo do Estado e que tem êxito se levarmos em conta que esse aporte realmente fez deslanchar obras que viviam um ritmo muito aquém do necessário. O acerto foi feito com o Ministério da Infraestrutura, à época comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), agora pré-candidato a governador de São Paulo. Na época, surgiram impasses relacionados nos bastidores à influência do senador Jorginho Mello (Pl) no Dnit-SC.
Tudo se resolveu na audiência pública da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado em que o então ministro deu explicações sobre as obras federais no Estado e ouviu de Moisés o anúncio de ampliação em R$ 100 milhões dos recursos que o governo catarinense estava disposto a aportar. Naquele encontro, até foi esboçada a ideia de que os R$ 465 milhões pudessem ser abatidos dos R$ 10 bilhões da dívida de Santa Catarina com a União, mas apenas como algo a ser construído. Quem poderia aceitar a conta, o Ministério da Economia, não estava na mesa. Se houvesse a clara intenção naquele momento de recuperar o dinheiro investido, essa conversa precisaria ser acordada antes dos repasses – algo que o governo estadual não fez.
Na época, o senador Esperidião Amin (Progressistas) tentou incluir a compensação na Lei de Diretrizes Orçamentárias (Ldo), sem sucesso. Ele mesmo informou, em outra postagem da Dagmara Spautz, que existem cinco iniciativas no Congresso para tentar trazer esse dinheiro de volta. Um deles, é um projeto de lei complementar assinado por Amin, Dário Berger (Mdb) e Jorginho Mello (Pl) no Senado.
A carta do governo Moisés, por mais que o pleito seja justo, é uma forma burocrática de dizer que não ignorou a questão. Expõe, no entanto, que o repasse de recursos foi feito sem qualquer estratégia de compensação. Havia os recursos no caixa estadual e havia obras federais paradas – juntou-se um ao outro, simplesmente . Tarcísio de Freitas, no dia seguinte à audiência pública, não entendia como a imprensa catarinense – todos nós – lia Moisés como vencedor de uma disputa em que entregara quase meio bilhão de reais para o governo federal se exigir nada em troca além da obrigação de que as obras fossem tocadas – que já era obrigação federal.
Para os catarinenses, que querem ver as rodovias em plenas condições, fica a satisfação de que as obras realmente ganharam outro ritmo com o aporte estadual. Moisés tem mérito nisso e poderá colher frutos eleitorais da decisão, especialmente no Vale do Itajaí e no Norte. Mas é preciso admitir: vai ser muito difícil recuperar esse dinheiro.
Sobre a foto em destaque:
Paulo Guedes gesticula. Foto: Edu Andrade, Ministério da Economia.