Um governo estadual com dinheiro em caixa e alguma generosidade com os prefeitos tem condições de firmar alianças por cima dos próprios partidos políticos. Essa é uma fórmula que o governador Carlos Moisés (agora sem partido) tenta colocar em prática na etapa atual do gestão – a vida pós-impeachments – e que já mostrou sucesso no passado recente.
Faço o resgate. Durante a campanha eleitoral de 2014, enquanto aguardava a hora de entrar em uma entrevista ao vivo na antiga TVCOM, o então senador e candidato a governador Paulo Bauer (Psdb) me confidenciou uma indignação.
– Fui na cidade tal, prefeito do Psdb. Não quis me receber – disse o tucano (omiti a cidade).
Era perceptível: diversos prefeitos tucanos e do Pp, coligado naquela campanha, estavam fugindo de Bauer e apoiando informalmente a reeleição de Raimundo Colombo (Psd). Recentemente, o então vice daquela chapa, Joares Ponticelli (Progressistas), citou em entrevista aquela mesma dificuldade em 2014. O motivo todos sabiam. Colombo usou parte dos financiamentos que conquistou na aliança com a então presidente Dilma Rousseff (Pt) para criar e irrigar o Fundo de Apoio aos Municípios (Fundam) com R$ 500 milhões que foram a salvação da lavoura dos prefeitos no ano anterior. A gratidão veio na campanha eleitoral.
Fiz o resgaste dessa história para lembrar a importância entre a relação das máquinas estadual e municipais para construção de uma reeleição e que o óleo dessa engrenagem é dinheiro para obras. Quanto mais rápido e desburocratizado, melhor. O Fundam entrou para a história política de Santa Catarina como o céu e o inferno de Colombo – peça vital para a reeleição em 2014, ele ruiu boa parte de sua relação com as bases dos antigos aliados e do próprio Psd quando a segunda edição do programa, em 2018, ficou na promessa porque os novos empréstimos foram negados em Brasília. A generosidade financeira com os prefeitos é uma droga cuja abstinência tem efeitos imprevisíveis.
Previsível ou não, o governo de Carlos Moisés (Psl) encontrou uma forma de dar um update na fórmula que beneficiou Colombo em 2014. No final de junho, foi aprovada em menos de um mês de tramitação na Assembleia Legislativa uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que facilita o repasse de recursos do Estado para os municípios. Transcrevo o que disse o próprio site da Alesc no dia aprovação: “A PEC altera dois artigos da Constituição Estadual (123 e 136). Na prática, as alterações definem que transferências voluntárias realizadas pelo Estado para os municípios sejam consideradas especiais. Isso permite a dispensa de celebração de convênios entre as duas esferas, algo que, na prática, deve diminuir a burocracia para a liberação desses recursos e fazer com que eles cheguem mais rápido aos municípios.”
O modelo é o mesmo que já era utilizado nas emendas impositivas dos deputados estaduais, que deslancharam em 2020 quando a burocracia foi flexibilizada. Agora, a lógica chegou aos repasses diretos. Não é necessário um fundo como o antigo Fundam, não são necessários empréstimos de bancos federais para viabilização. Com o secretário da Fazenda, Paulo Eli, garantido o caixa forrado, e Eron Giordani, da Casa Civil, articulando a relação com as bancadas aliadas e prefeitos, Moisés avança uma relação que mais à frente pode lhe garantir a construir na base da aliança que precisa para viabilizar a reeleição.
Nem tudo são flores. A instituições que integram a Rede de Controle da Gestão Pública de Santa Catarina chegaram a assinar uma nota pedindo que a Alesc não aprovasse a PEC, apontando uma série de ressalvas, incluindo um possível “retrocesso no controle de recursos públicos, fragilizando o combate à fraude e à corrupção por dispensar etapas essenciais e não disponibilizar instrumentos imprescindíveis à fiscalização destes recursos, obstaculizando a transparência e o controle social”. A rede de controle é integrada por integrantes dos tribunais de contas da União e do Estado, dos ministérios públicos de Contas e do Estado, da Controladoria-Geral da União, entre outras entidades. Eles certamente vão ficar de olho aguçado para essas transferências.
A crítica foi levada a plenário pelo deputado estadual Bruno Souza (Novo), que votou contra. Os defensores da PEC no plenário – Milton Hobus (Psd) e Marcos Vieira (Psdb) à frente – argumentaram que o excesso de burocracia nos repasses do governo para prefeitura através de convênio faz com que a chegada dos recursos demore tanto que faz muitos prefeitos desistirem no meio do caminho. Apontaram ainda que a fiscalização não deixa de existir, porque os municípios vão continuar precisando prestar contas desse dinheiro.
É sempre interessante separar o que é formalismo burocrático e o que é instrumento de controle do dinheiro público – para atacar o primeiro e fortalecer o segundo. Nesse sentido, a aplicação da PEC para criar uma nova relação entre governo e prefeituras merece ser olhada com lupa, mas não deve ser rejeitada de antemão. Politicamente, os efeitos já são visíveis nos anúncios de obras e encontros de Moisés com prefeitos por todo o Estado. Os caciques partidários que abram o olho.
Sobre a foto em destaque:
Em evento em Joinville, em maior, o governador Carlos Moisés (Psl) e o secretário da Fazenda, Paulo Eli, observam Eron Giordani, da Casa Civil, assinar documento de repasses de recursos. Foto: Júlio Cavalheiro, Secom.