O plano bilionário e municipalista de Moisés

Prefeitos com Moisés. Foto: Júlio Cavalheiro, Secom.
O governador Carlos Moisés (ex-Psl) apresentou na noite de terça-feira aquela que talvez seja sua grande aposta para consolidar uma base política, buscar uma marca de governo junto à sociedade e ter uma bandeira clara – o municipalismo – para a campanha à reeleição em 2022. O Plano 1000, com a promessa de distribuir R$ 7,3 bilhões para obras estruturais nas 70 maiores cidades catarinenses ao longo de cinco anos é um programa cuja ambição pode ser medida pela própria forma como foi apresentado: com o Teatro do Cic lotado de prefeitos e integrantes da classe política, vídeos, apresentações e até uma banda de jazz ao vivo no palco. O show do milhão ganhou palco.
Inimigos íntimos
Boa parte dos prefeitos catarinenses estava por lá – incluindo os das 10 maiores cidade dos Estado. Mesmo alguns que podem ser adversários nas urnas em outubro do ano que vem, como os prefeitos Gean Loureiro (Democratas), de Florianópolis, João Rodrigues (Psd), de Chapecó, e Antídio Lunelli (Mdb), de Jaraguá do Sul, e outros cuja relação com Moisés não é das melhores, como Mário Hildebrandt (Podemos), de Blumenau, e Joares Ponticelli (Progressistas), de Tubarão. A promessa de repasses garantidos e suprapartidários para as prefeituras que apresentem projetos tornou o evento suprapartidário. Ponto para Moisés.

Os prefeitos Clésio Salvaro (Psdb, de Criciúma) e João Rodrigues (Psd, de Chapecó) trocaram figurinhas na plateia. Foto: Antonio Carlos Mafalda, Divulgação.
Paulo Eli resgata a história
Os discursos seguiram a linha grandiloquente. O secretário da Fazenda, Paulo Eli, abriu sua fala com citações a reconstrução da economia americana após a quebra da bolsa em 1929 com base nas ideias do economista John Keynes, dizendo que a inspiração do novo plano estatal de investimentos vinha de lá. Relembrou a história do Estado para comparar o Plano 1000 ao financiamento internacional que o governador Hercílio Luz fez nos anos 1920 para urbanizar Florianópolis e construir a ponte que levaria seu nome e o seminal Plano de Meta do governador Celso Ramos – que desenhou a Santa Catarina que conhecemos no início dos anos 1960.
Atual momento
Paulo Eli também fez uma explanação sobre o momento econômico do Estado que permite esse aporte de recursos. Segundo ele, uma construção que vem desde 2006, quando foi implantado o Pró-Emprego, programa de incentivo às importações que deu um upgrade nos portos e na economia catarinense. Foi ele quem elaborou a medida provisória que deu start ao programa. O secretário também listou as ações para reduzir o peso da folha de pagamento desde que reassumiu a secretaria, em 2018 – ainda no governo Eduardo Pinho Moreira. Diante de uma planilha sobre a atual condição das despesas do Estado, Paulo Eli deu um recado que vou botar em destaque aqui embaixo:
“Mas para estragar isso aqui é seis meses!”
Paulo Eli, avisando.
Eron explica a ideia
Na sequência, a fala foi do secretário Eron Giordani (Psd), da Casa Civil, em um tom mais político. Ressaltou o Dna municipalista do Plano 1000, que já estava presente em outras ações do governo Moisés, como a regulamentação do pagamento da emendas parlamentares impositivas e a emenda constitucional que desburocratizou os repasses do governo para municípios em valores até R$ 5 milhões – o chamado pix. Ressaltou que apenas 26% dos recursos destinados por esses instrumentos chegaram às grandes cidades, o que levou à ideia de criar um programa específico. A ideia, segundo ele, é ter até o final de janeiro os primeiros 70 contratos assinados.
Aliás
Se existe uma bandeira clara do Mdb, essa bandeira é o municipalismo.

Observados pela banda de jazz no Teatro do Cic, Moisés entrega para Volnei Morastoni (Mdb, ao centro, louco para pegar o papel), prefeito de Itajaí, o primeiro convênio do Plano 1000. Observam, pela ordem, Eron Giordani, Paulo Eli e e o presidente da Alesc, Mauro de Nadal (Mdb, à direita de Moisés). Foto: Antonio Carlos Mafalda, Divugalção.
A fala de Moisés
O governador Carlos Moisés fechou o evento visivelmente emocionado com o tamanho do ato. Também destacou o municipalismo e disse que a palavra significa compromisso.
“A gente traduz esse significado em compromisso. Compromisso não é pedirem para os prefeitos se preocuparem com os projetos, prometer e não cumprir. Compromisso é estar presente na vida dos municípios, é fazer o que estamos fazendo aqui, assumindo um compromisso com o primeiro município, que é Itajaí, para tirar o municipalismo do papel”.
Carlos Moisés, alfinetando você sabe quem por causa do programa que vocês sabem qual é.
Citação
O discurso de Moisés não trouxe maiores novidades, mas teve uma frase que me chamou atenção e vou destacar.
“Não precisamos estar no mesmo partido e nem precisamos ter a geografia das urnas para podermos distribuir riqueza aos catarinenses que vai gerar desenvolvimento.”
Carlos Moisés, acima dos partidos.
Glossário
“Geografia das urnas” era uma expressão criada por Luiz Henrique da Silveira para determinar quanto cada partido da tríplice aliança teria de espaço no governo do Estado: o mesmo percentual de deputados estaduais eleitos.
Faltou combinar com Júlio Garcia

Júlio Garcia chegando ao Teatro do Cic. Foto: Antonio Carlos Mafalda, Divulgação.
O deputado estadual Júlio Garcia (Psd) chegou ao evento do Plano 1000 um pouco antes do governador Carlos Moisés e ouviu atentamente o que foi dito. Mas não saiu de lá com o discurso alinhado ao ufanismo dos governistas. Entrevistado por Adelor Lessa na Rádio Som Maior na manhã desta quarta-feira, chamou o programa de repasses de recursos aos municípios de “ideia engenhosa”, mas alertou que existe “ilusão” “quando se fala que vai se liberar n bilhões”. O pessedista destacou que o valor será pulverizado pelos próximos cinco anos e que depende da apresentação dos projetos e do próprio ritmo das obras para virar gasto efetivo. Vou destacar algumas frases:
“O Plano 1000 é uma ideia engenhosa do governo do Estado, que beneficia os municípios com valores proporcionais à sua população, de modo que é um plano interessante para os municípios. Há uma ilusão quanto aos recursos, quando se fala que vai se liberar n bilhões. Esse desembolso não é à vista, é um desembolso a longo prazo. São cinco anos de desembolso, liberações de 20% ao ano daquele valor estabelecido proporcionalmente de acordo com o número de habitantes.”
Júlio Garcia, sobre uma ilusão.
“Há uma ilusão também em relação a esse desembolso e em relação a todos esses recursos que antes não existiam a agora existem. Na Serra do Faxinal foi lançada a obra de R$ 100 milhões. Não houve desembolso de nenhum centavo até aqui. A licitação deu deserta e o desembolso só vai se dar à medida que a licitação for realizada, dada ordem de serviço, mobilização, realização da obra, medição e pagamento da primeira medição. Esse dinheiro é a longo prazo. É preciso que fique claro para não se imaginar que o governo vai dar distribuindo cheques a rodo.”
Júlio Garcia, sobre outra ilusão.
Mais do que apontar as contradições sobre os prometidos R$ 7,3 bilhões para os municípios, Júlio Garcia também diminuiu os méritos do governo Carlos Moisés em relação ao momento exuberante do caixa do Estado. Apresentou cinco fatores para explicar o volume de recursos que abundam no tesouro catarinense e nenhum deles têm relação com as economias alardeadas pelo governador em corte de contratos e melhorias na gestão. Vou listar o que disse Júlio Garcia.
“Foram dois anos de governo praticamente estagnado. Não gastando, é evidente que sobra recurso.”
“Vieram recursos do governo federal para compensar a queda de arrecadação (na pandemia) e, além dos recursos que vieram, a arrecadação subiu e subiu bastante em Santa Catarina. O agronegócio manteve praticamente a arrecadação em alta em todo esse período.”
“A lei 173 proibiu qualquer aumento de servidores públicos. Houve também uma estagnação nos recursos.”
“empréstimos que o governo desembolsa anualmente R$ 1 bilhão foram postergados por dois anos. Esse dinheiro sobra no caixa.”
“Vieram também recursos na pandemia para a área de saúde. Tudo isso fez com que o governo tivesse uma situação financeira como nunca na história recente de 30 anos no nosso Estado”.
Júlio Garcia, ignorando os cortes no cafezinho e no contrato de compra de oxigênio.
Costeando o alambrado
Nos últimos meses, Júlio Garcia vinha evitando entrevistas – mesmo após o Superior Tribunal de Justiça (Stf) anular as provas colhidas pela Operação Alcatraz, livrando o parlamentar do inquérito em que era réu. O retorno do pessedista ao microfone com uma fala longe do governismo foi lida como um sinal de desembarque próximo do Psd em relação ao governo. Resta saber como fica a situação de Eron Giordani, ex-braço-direito de Júlio Garcia.