Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, dizia o filósofo grego Heráclito, porque quem retorna não encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Lembrei da icônica frase quando o ex-presidente Lula (Pt) escolheu a cidade de Joinville para um evento da campanha presidencial no segundo turno em Santa Catarina, na tarde desta quarta-feira. Há 12 anos, em um 13 de setembro de campanha eleitoral, o então presidente Lula estrelou um comício em Joinville para sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff (Pt). Não era a mesma Joinville e nem o mesmo Lula.

Em 2010, a maior cidade catarinense era uma escolha óbvia para abrigar o comício do Pt em praça pública. Joinville vivia o segundo ano de mandato do petista Carlito Merss, a principal conquista do partido no Estado. Era também a cidade do ex-governador Luiz Henrique da Silveira (Pmdb), apoiado por Lula em 2002, mas adversário naquele momento, tentando emplacar como governador o então senador Raimundo Colombo, do Democratas (Dem). Eleitoralmente, Lula vivia seu auge político, com mais de 80% de aprovação do governo. Tinha uma candidata novata para fazer decolar, Dilma, e aqui no Estado a leal senadora Ideli Salvatti como candidata ao governo com um vice empresário arregimentado nos quatros do Partido da República, atual Partido Liberal.

Passados 12 anos, Joinville passou a ser para os petistas uma escolha que desafia a lógica eleitoral. A cidade deu 68,8% dos votos válidos para a reeleição de Jair Bolsonaro (Partido Liberal), tornando-se informalmente a capital catarinense do bolsonarismo. Foi lá, inclusive, que Bolsonaro fez seu último ato de campanha de rua no primeiro turno. É essa cidade que Lula pretende atravessar em carro aberto no meio da tarde, no Centro, partindo do Centreventos Cau Hansen em direção ao terminal central, onde deve discursar junto com seu candidato a governador, Décio Lima (Pt), carregado para um inédito segundo turno para os petistas graças à vinculação com a campanha do ex-presidente em Santa Catarina.

A campanha debateu internamente onde seria o melhor o lugar para voltar ao Estado. O comício na Praça Tancredo Neves, no Centro de Florianópolis, foi o grande momento da campanha no primeiro turno no Estado. Mas a Capital é um ponto fora da curva em Santa Catarina e as urnas mostraram isso claramente – 45,6% para Bolsonaro, 42,4% para Lula, a menor diferença registrada nas maiores cidades catarinenses. Um retorno à Ilha de Santa Catarina foi considerado e descartado porque não agregaria mais do que já agregou. O Oeste, bunker dos votos petistas nos piores momentos do partido no Estado, também foi lembrado. Os petistas preferiram encarar o desafio de colocar Lula nas ruas de Joinville, em busca de que ele seja ouvido pelos trabalhadores. É uma aposta que gera muita curiosidade.

No comício de 2010, Lula subiu o tom contra as forças tradicionais da política catarinense. Criticou Luiz Henrique porque “ele trouxe de volta o Dem, que nós precisamos extirpar da política brasileira”. Insinuou que Colombo era um representante afável da família Bornhausen – na época, representantes do que havia mais à direita na disputa política nacional.

– Nós já aprendemos demais e sabemos que os Bornhausen não podem vir disfarçados de carneiros, porque já sabemos quem são os Bornhausen, já conhecemos as histórias deles – disse Lula.

É curioso observar como a ascensão do bolsonarismo em Santa Catarina acabou atendendo na prática à sugestão dada por Lula 12 anos atrás naquele palanque na Praça Dario Salles. A nova direita, mais radical, mais ideológica, mais barulhente, simbolicamente extirpou o Dem da política catarinense. Raimundo Colombo, depois de dois mandatos de governador, sofreu este ano mais uma derrota na tentativa de voltar ao Senado. Ficou atrás de Jorge Seif (Partido Liberal), cujo principal atributo era a proximidade com Bolsonaro. Paulo Bornhausen ficou pelo caminho, bem longe, na disputa para retomar o mandato de deputado federal. Jorge Bornhausen, o líder do clã, apostou todas as fichas na candidatura a governador de Gean Loureiro (União Brasil, partido em que os escombros do Dem desaguaram), quarto colocado na disputa.

O rio nunca é o mesmo rio. Santa Catarina também não é mais a mesma.


Sobre a foto em destaque:

Lula discursa em Joinville em 2010, em comício realizado para a campanha presidencial de Dilma Rousseff.

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