Ministro da Saúde na gênese da pandemia do coronavírus, Luiz Henrique Mandetta (Democratas, futuro União Brasil) acredita que as eleições presidenciais de 2022 serão as mais importantes da história do Brasil, porque vão “definir o que a gente vai ser como nação”. É dessa disputa crucial que ele se prepara para participar como candidato a presidente, vice-presidente ou “entregando santinho em Florianópolis” – o papel será definido nas negociações para evitar que as chamadas candidaturas de terceira via se fragmentem a ponto de não ameaçarem a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (ex-Psl) e o ex-presidente Lula (Pt).

Entrevistado por Adelor Lessa e Upiara Boschi na Rádio Som Maior, o presidenciável do futuro União Brasil falou sobre a necessidade de agrupamento das pré-candidaturas e sobre a possibilidade da candidatura do ex-juiz Sérgio Moro à presidência pelo Podemos. Ambos têm em comum o fato de que deixaram o governo de Bolsonaro sobre inflamadas críticas do presidente e de seus seguidores. Mandetta mostra disposição para esse embate e reforça às críticas à forma como o presidente lidou com a pandemia do coronavírus – tema que desgastou a convivência de ambos e que levou à demissão do então ministro. Chamou bolsonaristas de fanáticos que precisam ser libertados, entre outros adjetivos.

Leia alguns trechos da entrevista:

O senhor acha que nas eleição de 2022 o tema ainda vão ser as questões da pandemia, a situação da pandemia ou essa polarização entre Jair Bolsonaro e Lula?

A impressão que a gente tem é de que essa polarização hoje colocada é muito fruto dessa fragmentação, desses vários nomes, incluindo o meu, nisso que a imprensa tem chamado de terceira via. Eu acho que a partir do momento em que a gente não fragmente, e eu estou trabalhando por isso, para que a gente tenha uma, no máximo duas candidaturas para colocar, acredito que a tendência é de que essa polarização diminua porque há uma vontade muito grande de sair dessa armadilha trágica de ficar entre esses dois extremos. Imagina ir lá votar em que se odeia menos. O brasileiro não quer isso, é majoritário os que querem outro caminho. Construir isso é que é o desafio. Tem que ter muita generosidade, muita humildade, saber que o trabalho é muito grande de reunificar, de pacificar esse país. A gente quer trabalhar, a gente quer ordem, a gente quer família, a gente quer andar para frente. Esse é o trabalho que a classe política tem que fazer. Se o meu nome for útil para que a gente possa assim proceder, vamos estar juntos. Se acharem que ajudo mais entregando santinho em Florianópolis, vamos também. É uma questão de participar com muito brilho nos olhos da eleição que será a mais importante da história do país, ela que vai definir o que a gente vai ser como nação.

O seu partido, Democratas, está num processo de fusão com o Psl. O Democratas, um partido tradicional oriundo do Pfl; e o Psl, um partido que cresceu com o bolsonarismo. O que a gente pode esperar do União Brasil? Ele vai mesmo trabalhar pela terceira via?

Olha, ele nasce com esse propósito pelo próprio nome, de União. É um caminhar, são duas organizações políticas distintas, que vão agora trabalhar com suas melhores cabeças, suas melhores ideias… Aqueles que não se sentirem confortáveis vão deixar o partido, outros que se sentirem à vontade virão para somar com esse partido. Tem tudo pra ser um partido amplamente democrático, com várias correntes internas, com bons debates. Eu sou um otimista em relação ao futuro desse partido, mas quem vai dizer isso é o comportamento desse partido, é a posição que ele vai ter que ter nas eleições estaduais, nas eleições pra governos, de senadores, de deputados federais e estaduais e no seu posicionamento em relação ao que pensa um grupamento político desse porte sobre o futuro do país. Então, acho que esse somatório de posicionamentos é que vai fazer com que esse partido possa se consolidar como um grande partido.

O senhor tem conversado com frequência com o também ex-ministro Sérgio Moro, vocês dois ex-ministros do governo Bolsonaro, estão em sintonia. É possível a composição de uma chapa sua com o Moro?

Olha, no caso do Moro é igual quando me perguntavam na época do Luciano Huck. A decisão dele é individual. Ele precisa voltar lá dos Estados Unidos, onde ele está. Ele vai se decidir, parece que ele está avisando que vai se filiar ao Podemos. A partir desse momento, é que ele estará credenciado a começar a abrir essas conversas, que são chamadas de conversas eleitorais ou políticas. Para você ser candidato a presidente do Brasil, você tem que ser brasileiro nato. Ele é. Tem que ter mais de 35 anos. Ele tem. E tem que estar filiado a um partido político, que ele está dizendo que vai se filiar. Ele é uma pessoa que tem um papel na história do país, ele denunciou a corrupção no alto escalão.

Era inimaginável o que o Moro fez lá de Curitiba, depois colocou tudo aquilo em risco, assumiu o Ministério da Justiça com a promessa desse presidente, de combater a corrupção, ele foi para dentro com gás e vontade de fazer, para chegar no primeiro mês, na primeira rachadinha, tira isso dele, tira o Coaf dele, tira a Polícia Federal dele, não pode investigar se não cairia dentro da família do presidente. Então, ele tem uma passagem muito importante em qualquer livro de história do Brasil. É legítimo que ele queira. Daí, para construir uma candidatura, vai de muito diálogo, muita conversa política, vamos ver como ele vai explicar esse projeto dele para essa classe política.

Ministro, o senhor participou do início do combate à Covid-19 dentro do governo, depois como observador atento, obviamente, como o senhor vê a Cpi da Covid dentro do Senado e os resultados que ela produziu?

Eu não gosto de Cpi. Fiquei 8 anos como deputado federal, participei de uma e não gostei. Eu acho muito complicado você julgar as pessoas sob o ponto de vista político, eu não gosto. E outra coisa, eu acho que ela tem sempre que ser feita no final, quando o assunto está esgotado, mas essa daí ela se impôs e revelou muita coisa que em qualquer país sério, isso já teria sido motivo de… Aquela de não comprar vacinas com 81 e-mails da Pfizer oferecendo a US$ 10 e ao mesmo tempo o cara querendo comprar da Índia uma vacina que não tinha nem registro, por US$ 15, com pagamento adiantado para Cingapura com intermediário, cheio de gente ganhando dinheiro, aquilo ali é uma coisa gravíssima. Eu acho que essa parte de fake news, de cloroquina, isso daí vai ficar o dito pelo não dito. A pessoa vai falar que estava querendo, que o Conselho Federal de Medicina liberava, agora, falta de oxigênio em Manaus, imagina se você tem seu pai e sua mãe ali dentro e acaba o oxigênio, eles morrem, ou seu filho prematuro. Alguém tem que ser responsabilizado por aquilo, não é possível. Então eu acho assim, ficou bem claro, claro como dia, uma coisa que era vista por alguns, agora está aberto. O que vai acontecer pra frente é andar de coisas de Ministério Público Federal, que eu não acredito que vai se movimentar em nada, aí vem a parte política, o blá blá blá político. Mas algumas coisas foram muito graves.

Eu acho que aquela negociação da vacina foi um capítulo absurdamente cruel com o povo brasileiro. Essa segunda onda que a gente passou foi culpa da não aquisição daquela vacina, se não a gente não passaria por aquilo. E essas negociatas, essa falta de gestão técnica no enfrentamento da pandemia, para mim, ficou muito claro.

Ouça a íntegra da entrevista de Luiz Henrique Mandetta aos jornalistas Upiara Boschi e Adelor Lessa na Rádio Som Maior:

Quando o senhor percebeu que estava no “bonde errado”, qual o fato determinante para que não continuasse ministro da Saúde do governo Bolsonaro?

Eu não pedi para sair. Quando ele me nomeou, eu já tinha tinha feito dois mandatos de deputado federal e não queria o terceiro, não quis disputar nada (em 2018). Eu disse para ele: votei no Geraldo Alckmin (Psdb) no primeiro turno e no segundo turno, Bolsonaro. Ele me pediu um trabalho técnico, talvez porque nesse campo em que o Democratas está, talvez fosse o único partido que tivesse quadros de pessoas que militam na saúde pública. Eu talvez fosse um dos poucos que milita nesse campo. Aceitei por um trabalho técnico. Então, eu disse a ele desde o princípio: presidente, o senhor me pediu um trabalho técnico e agora mais do que nunca eu vou fazer, porque é uma doença nova, é uma doença grave. O que eu fiz tecnicamente foi juntar o que a gente tem de melhor, as universidades federais do Sul, do Sudeste, a FioCruz, juntei o que a gente tem de melhor com a academia europeia, com a Alemanha, com a França, com o que tem de status de primeiro nível. Coloquei esse povo todo para trabalhar junto. Eu falei que ia ser refém técnico, porque não podia fazer política com pandemia. São valores muito sagrados. Eu falava para eles que era necessário fazer uma campanha, colocar na televisão: “se estiver gripado, fique em casa, faça o teste”. Eles não queriam e aquilo me obrigava a ir falar. Aí ficava aquele climão.

Ele (Bolsonaro) queria que o ministro falasse “toma cloroquina e vai trabalhar, para de mimimi”. Ele achava que se todo mundo pegasse a doença, ia ter imunidade de rebanho e morria quem quisesse morrer. E não dá para ser assim, não existe vida descartável. Eu disse que enquanto estivesse ali iria fazer um trabalho técnico e que quando não lhe fosse mais satisfatório, ele que troque. Um dia ele falou: vou lhe trocar. Eu disse: perfeitamente. Nunca briguei, não. No dia seguinte, passei o cargo para o Nelson Teich. Eu não pedi para sair, não. Eu trabalharia lá até hoje. Aliás, a tristeza que eu tinha foi terem feito a asneira de colocarem aquele (general Eduardo) Pazzuelo, aqueles militares, aquela burrice, e a gente pagando o preço aqui do outro lado.

Aquilo me dava uma aflição, uma vontade de ir lá e sacudir a cara da pessoa. Se o Brasil tiver uma guerra e você colocar um médico para comandar, nós vamos morrer porque eu vou do outro lado para não deixar o cara morrer quando está ferido. E se coloca um militar para salvar vidas, ele não sabe. Ele disse que nunca soube na vida o que era Sus. Aquilo foi uma tragédia.

Mandetta, ainda ministro, realizava lives diárias sobre a pandemia do coronavírus. Ele diz que a iniciativa surgiu porque Bolsonaro não quis fazer campanha de divulgação sobre o tema. Foto: Isac Nóbrega, Presidência da República.

Quer dizer que aquelas lives diárias, que o senhor fazia, o Brasil inteiro lhe conheceu al, elas surgiram da necessidade de fazer uma comunicação porque o governo não queria fazer campanhas?

A primeira coisa que você precisa fazer em pandemias é estabelecer um canal de comunicação. Isso é mandatório que se faça. Você tem que ter uma comunicação clara. Na história das epidemias, aqueles que quiseram esconder o problema, esconder a doença para não ofender a economia, o trabalho, é um tragédia porque as fake news, os boatos. A China tentou no começo dessa doença, teve um médico que foi avisar os outros, ele foi preso e depois ele morreu, tamanha foi a burrice deles de conduzir. Então, a primeira coisa que se faz é estabelecer um canal de comunicação transparente, onde você fale o que você pode fazer, o que você sabe, o que você tem, o que você pede para as pessoas ajudarem. Se a gente não tinha naquele momento nenhum instrumento de cura, nenhum remédio com eficácia comprovada, nenhuma vacina para fazer a prevenção e nós estávamos apenas com aqueles recursos típicos da era do início da ciência. Evitar entrar em contato, lavar as mãos, nem máscara no começo usava, depois usar máscara e não aglomera porque o Sistema de Saúde não vai aguentar. Infelizmente isso ocorreu por um bom tempo. Aí veio a vacina.

O Brasil teimosamente demorou o dobro do tempo para comprar as vacinas e a gente acabou tendo aquela segunda onda, que foi uma tragédia nacional. Então, a falta de um padrão de comunicação, eles não queriam fazer.

Quando você teve a Aids, no início da Aids nos anos 80, é muito difícil você fazer uma campanha e por na televisão, falando de preservativo, falando de agulha injetável, olha que campanha difícil de ser feita num país como o nosso, conservador, você ter que falar de homossexualismo, de sexo anal… É muito difícil. Quando a gente conseguiu colocar as rádios, as televisões, os jornais, todos para explicar para as pessoas que era uma doença nova e como tinha que fazer para se preservar, que a gente conseguiu ter algum sucesso para combater essa doença. Sociedades que não fizeram aquilo viram explodir os casos, como é o caso dos países africanos, África do Sul hoje é o maior exemplo. Essa agora, você estava tendo uma doença gravíssima, a população olhando a televisão, a primeira pandemia narrada pela internet, o povo vendo a Itália fechada, o Papa sozinho no Vaticano, e o governo sem fazer uma única campanha porque se ele faz com voz de locutor, o problema é que naquele momento você tinha que mandar as pessoas segurarem a pandemia, parem um pouco. Até a gente organizar. Tinha que abrir 15, 16 mil leitos de Cti, nós ficamos quase a zero de máscaras, de Epi, porque a China fechou a exportação, então nós ficamos praticamente na lona.

O presidente tinha que fazer a campanha. Ele não fazia. Eu me utilizei daqueles horários, 5 horas da tarde, para que a imprensa, através da cobertura da imprensa, a mensagem para as pessoas organizarem suas linhas de defesa, como eu organizo minha mãe, minha vó, minha tia, como eu pego o adolescente que é mais afoito de casa, meu pai que precisa trabalhar. Esse tipo de preparo, eu acredito que aquelas falas minhas foi o que ajudou muita gente a fazer aquela organização porque, caso o contrário, se fosse só uma gripezinha, eu acho que a coisa teria sido uma carnificina generalizada, de Norte a Sul do Brasil.

A gente vê que o presidente Bolsonaro e os bolsonaristas, especialmente nas redes sociais, eles atrelam os problemas da economia ao “fique em casa do Mandetta”. Como é que o senhor vê isso e como o senhor vê a situação econômica que o Brasil vive hoje?

Ah, coitados, eles foram absorvidos por uma questão, foram entrando nesses algoritmos, né? Eles são capazes de defender, hoje, corrupção. Eles defendem Ciro Nogueira (ministro-chefe da Casa Civil e senador licenciado pelo Progressistas do Piauí), Arthur Lira (presidente da Câmara dos Deputados, Progressistas de Alagoas), eles falam que Bolsonaro está certo, que o Centrão que ele xingava, agora é o caminho certo. É óbvio, você tem uma doença que matou 600 mil pessoas e que poderia ter matado muito mais se a gente não organizasse minimamente o sistema, se naquele momento eu não tivesse ativado uma indústria para colocar esses leitos para funcionar, não seriam 600 mil, não, se fosse do jeito deles seria mais de milhão.

A economia sofreu aqui, sofreu nos Estados Unidos, sofreu na Europa, há uma diferença. Aqueles que fizeram o dever de casa da saúde, voltaram muito mais rápido e com muito menos sequelas. Nessa condução que eles fizeram, tiveram um gasto público muito alto, de maneira desorganizada, estão hoje fazendo gasto público absurdamente elevado. Lembro do Paulo Guedes falando que se eles fizessem muita bobagem, o dólar chegaria a R$ 4,50, o dólar já está batendo quase R$ 6,00. Semana passada, rompendo o teto aí, foi a R$ 5,50, a gasolina vai lá para cima, o óleo de soja vai lá para cima, a inflação que está tendo, é inflação política, de má gestão do país. Aquela brincadeira de falar “vamos lá tacar pedra no Stf, matar o Alexandre de Moraes, colocar todo mundo na rua, fazer um Ai-5”. Aquilo é a sua inflação hoje. Isso pesa mais na economia do que você salvar vida.

Vida quando você tenta salvar, você ganha pelo menos dignidade, você ganha coerência… As pessoas não falam que são cristãs? Que são evangélicas? Que defendem a vida? Cadê a defesa da vida? É só da boca pra fora? Cuidado, hein. Nem todo aquele que bate no peito e diz “Senhor, Senhor”, vai entrar no reino dos céus. É preciso praticar, ter coerência. Nós precisamos saber muito bem como é que as coisas foram feitas. Quem quiser ter ídolo, quem quiser achar que esse caminho de fanatismo é bom, eles vão continuar nessa vala de internet, seguindo esses cérebros de ódio que estão por aí. Essas pessoas, coitadas, vão levar muito tempo para se libertar porque elas são mais factíveis de serem manipuladas. Agora, quem quiser sentar, quem quiser ler, quem quiser fazer um bom debate, que graças a Deus é a grande maioria do povo brasileiro, eu tenho certeza que vai fazer um bom debate. Acho muito pequeno, muito tacanho, muito tosco, quando eu vejo isso, mas nada que seja fora de um grupo que manipula pessoa via algoritmos de internet.

Ouça o comentário de Upiara Boschi sobre a entrevista de Mandetta na Som Maior:


Sobre a foto em destaque:

Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, depôs na Cpi da Covid em maio de 2021. Foto: Edilson Rodrigues, Agência Senado.

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