Se fosse eleição, nem precisaria de segundo turno. Convidados a escolher o fato político do ano, os leitores do Upiara Online apontaram o processo de impeachment contra o governador Carlos Moisés (ex-Psl) como destaque com 50,3% dos votos. A escolha aconteceu a partir de enquete públicada no site na última quinta-feira, dia 23, e encerrada hoje. Em segundo lugar ficaram as manifestações bolsonaristas de 7 de Setembro, com 15,7%, seguidas pelo Show do Milhão de Moisés – a conquista de apoio político com repasses de recursos aos prefeitos -, que recebeu 14,2%.
Entre tantas opções, os leitores do Upiara Online marcharam com a história. Moisés foi o primeiro governador catarinense a enfrentar dois processos de impeachment. Ambos em seu ciclo completo: autorização aprovada pela maioria da Assembleia Legislativa, instalação de Tribunal Misto formado por deputados estaduais (eleitos pelos pares) e desembargadores (sorteados) do Tribunal de Justiça, afastamento do cargo e o julgamento. Até então, apenas Paulo Afonso Vieira (Pmdb) enfrentara um processo de impeachment, em 1997, mas conseguiu derrotá-lo ainda no parlamento.
Quando o ano começou, Moisés vivia a reconfiguração da relação entre seu governo e a Alesc após escapar do primeiro processo de impeachment, que analisava irregularidades na concessão de gratificação a procuradores do Estado. Na época, a maioria do parlamento se mobilizara para deposição do governador e da vice-governadora Daniela Reinehr (ex-Psl, hoje Pl), mas a trama esbarrou nos cinco integrantes do Judiciário no Tribunal Misto e no surpreendente voto do deputado estadual Sargento Lima (ex-Psl, hoje Pl) salvando a vice-governadora do afastamento. Assim, foi possível a reaproximação entre Moisés e a Assembleia liderada pelo então presidente Júlio Garcia (Psd).
O segundo processo de impeachment, sobre o caso da compra dos respiradores fantasmas, ficara em suspenso porque tratava apenas de Moisés e não havia acordo político para construção de um governo Daniela, embora ela tivesse tentado. Por isso, o próprio governo não deu tanta atenção à votação em março de 2021 que poderia levar a um novo afastamento do governador – os cinco votos de deputados estariam, pela lógica, garantidos, e mesmo que os cinco desembargadores votassem a favor da abertura do processo, seriam insuficientes – eram necessários seis votos para o afastamento.
Quem quebrou a lógica, no entanto, foi o deputado estadual Laércio Schüster (Psb). Ele surpreendeu ao votar a favor da abertura do processo no momento em que ficara claro que a posição dos cinco desembargadores sorteados era exatamente oposta à do grupo sorteado no primeiro processo: todos votaram contra Moisés. Assim, Daniela voltou ao cargo para uma nova interinidade e começou uma disputa de poder que não acontecera no primeiro afastamento.
Em 2020, Daniela assumiu sem suporte político e não conseguiu trazer nomes de peso para o secretariado, mantendo a estrutura de Moisés. O próprio ambiente político, desde as primeiras horas de afastamento, era de que Moisés voltaria. Um acordo do parlamento fora quebrado e quem o quebrou não poderia ser beneficiado. Este ano, no entanto, foi diferente. Daniela mudou boa parte da equipe de governo, trouxe a deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania) para a Saúde e o ex-deputado federal Leodegar Tiskoski (Progressistas) para a Infraestrutura, mexeu na Fazenda, na Adminstração, na Procuradoria-Geral do Estado, aceitou conselhos e indicações de adversários de Moisés como o ex-deputado federal Gelson Merisio (Psdb) e o senador Jorginho Mello (Pl).
Ao mesmo tempo, Moisés se fechou com o grupo político que tentara derrubá-lo em 2020 e que agora era seu alicerce – Júlio Garcia (Psd), Marcos Vieira (Psdb) e Eron Giordani à frente. O objetivo foi blindar os demais quatro deputados que integravam o Tribunal Misto para que não mudassem os votos. Se Fabiano da Luz (Pt), Marcos Vieira, Valdir Cobalchini (Mdb) e Zé Milton Scheffer (Progressistas) não mudassem de posição, Daniela não teria os sete votos necessários para a consumação do impeachment de Moisés.
Um jogo de bastidores e blefes durou um mês, tempo necessário para que o presidente do Tribunal Misto, Ricardo Roesler, pautasse o julgamento definitivo – ele rejeitou manobras protelatórias que visavam estender a interinidade de Daniela para que ela pudesse ganhar apoio na opinião pública. Em 7 de maio de 2021, os quatro deputados estaduais moisesístas chegaram à Alesc juntos, sinalizando que o jogo estava definido. A sessão terminou com a derrota possível de Moisés – 6 a 5 a favor do impeachment, repetindo o placar do afastamento, mas insuficientes para a deposição. Daniela voltaria para o ostracismo dentro do governo.
Ao reassumir, perguntado se o incomodava que todos os votos do magistrados, considerados técnicos, tivessem votado contra ele, Moisés afirmou secamente: “todo o processo foi político”. E assim, o julgamento do segundo impeachment acabou solidificando uma aliança que começou a ser construída ao fim do primeiro julgamento. Essa base afinada com as bancadas do Mdb, do Psd, do Progressistas e do Psdb acabou sendo fundamental para que Moisés conseguisse aprovar quase tudo que quis no parlamento no segundo semestre e encerrar o ano com um bom momento político. Apesar, é claro, da “cadê o dinheiro dos respiradores?” que deve persegui-lo durante todo 2022.
Fato Político do Ano em Santa Catarina:
Processo de Impeachment contra o governador Carlos Moisés – 50,3%
O 7 de Setembro que parou o país, mas não deu em nada – 15,7%
Show do Milhão de Moisés conquista deputados e prefeitos – 14,2%
CPI da Covid gruda Jorginho Mello a Bolsonaro e é palco para Luciano Hang – 5,1%
Conversas sobre frente de esquerda atraem centristas Dário e Boeira – 4,9%
A disputa nos tribunais entre Júlio Garcia e a Operação Alcatraz – 4,1%
União Brasil junta Democratas e Psl no projeto de Gean Loureiro – 2,5%
A novela sobre a filiação de Carlos Moisés a um novo partido, em andamento – 1,5%
As idas e voltas da reforma da previdência em Santa Catarina – 1%
A novela sobre a filiação de Jair Bolsonaro a um novo partido, encerrada – 1%
Sobre a foto em destaque:
Julgamento do impeachment de Moisés, em maio, teve sessão híbrida. Foto: Daniel Conzi, Agência Al.