O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cometeu crime de responsabilidade ao dizer que o Supremo Tribunal Federal (Stf) deve “enquadrar” o ministro Alexandre de Moraes e ameaçar descumprir decisões judiciais tomadas pelo magistrado? A pergunta circula nos meios jurídicos e parlamentares desde os discursos do presidente nos comícios que realizou em Brasília e São Paulo no feriado de 7 de setembro, diante de milhares de apoiadores. Conversei com dois juristas, ambos ex-juízes do Tribunal Regional Eleitoral (Tre-SC): o desembargador aposentado Jorge Maurique e o advogado Márcio Vicari.
Ambos divergem sobre a caracterização de crime de responsabilidade apenas nos discursos e ameaças – embora convirjam de que se Bolsonaro vai incorrer em crime de responsabilidade se realmente descumprir alguma decisão judicial.
Aposentado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com três passagens pelo Tre-SC, Jorge Maurique foi entrevistado por mim e pelo jornalista Adelor Lessa na manhã desta quarta-feira na Rádio Som Maior. Ele entende que o presidente Jair Bolsonaro já cometeu crime de responsabilidade – pré-requisito jurídico para fundamentar a abertura de um processo de impeachment.
– Me parece que as afirmações de que Bolsonaro não vai mais cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal e suas falas intimando o presidente daquela Casa a optar que um determinado ministro julgue desse ou daquele jeito, caracterizam claramente um crime contra o livre exercício do Poder Judiciário – afirmou Maurique.
O advogado Márcio Vicari, também ex- juiz do Tre-SC, avalia que o crime de responsabilidade só estará caracterizado com o descumprimento efetivo de uma hipotética decisão de Alexandre de Moraes.
– Falar que vai descumprir uma decisão judicial não me parece crime. Descumprir a decisão sem dúvida é crime de responsabilidade, mas dizer que vai descumprir, não. Classicamente, em direito penal a menção ao cometimento de um crime não é crime. Até os atos preparatórios para se cometer um crime não são crime a não ser que eles constituam por si só um crime tipicamente previsto. Só haveria crime, a meu juízo, se houvesse a prática do ato ou se essas referências do presidente pudessem ser encaixadas como um crime específico. O crime de estimular as pessoas a descumprir decisões judiciais, por exemplo, o que poderia ser apologia ao crime. Isso teria que ver se caberia no tipo específico de crime de responsabilidade – avalia Vicari.
Na avaliação de Maurique, o não cumprimento de medidas tomadas pelo Supremo enfraquecem a democracia, por abrirem brecha para outros representantes do Executivo fazerem o mesmo.
– Se for assim, governadores e prefeitos poderão dizer que não irão acatar decisões do judiciário? Basta movimentar sua turma para frente do fórum, do tribunal de justiça? Essa é a democracia que queremos? – questiona.
Vicari ameniza:
– Falar isso é inoportuno, deselegante ou politicamente desconfortável. Mas não me parece que seja crime – avalia.
Ouça a íntegra da entrevista com Jorge Maurique na Rádio Som Maior:
Sobre a foto em destaque:
Na Avenida Paulista, o presidente Jair Bolsonaro desafiou o Stf ao dizer que não cumprir decisões judiciais tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes. Foto: Isac Nóbrega, Presidência da República.