Um palco só é um palco quando utilizado. Desde que foi escolhido para ser um dos nomes da tropa de choque governista na CPI da Covid, o senador Jorginho Mello (PL) sabia que teria nesse espaço uma chance única de conquistar o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de sua barulhenta torcida para o projeto de ser o candidato deles ao governo de Santa Catarina em 2022. O momento chegou na reunião de terça-feira.

Jorginho começou o dia falando na necessidade, segundo ele, de virar a página em relação ao tema da cloroquina – a condução da CPI até agora fortaleceu a narrativa de que a aposta equivocada do Planalto de priorizar o tratamento com o remédio à aquisição de vacinas é uma das causas do alto volume de mortes por covid-19 no Brasil. O senador catarinense abraçou, por sua vez, a narrativa das redes bolsonaristas, em que o Planalto teria despejado recursos para combater a pandemia e que esse dinheiro foi desviado ou mal gasto por governadores e prefeitos. Jorginho disse: “é hora de caçar os larápios”.

É com essas teses que as duas maiores forças políticas do Brasil pandêmico – o bolsonarismo e o antibolsonarismo – vão tentar conquistar corações e mentes da sociedade para a disputa pelo poder em 2022. Nessa briga, Jorginho tem lado – não só por convicção, mas também por necessidade. Sem o apoio oficial – e exclusivo – do presidente Bolsonaro, ele não conquista a adesão da militância bolsonarista que tanto precisa para viabilizar sua eleição ao governo.

Como deputado estadual e federal, Jorginho esteve na base de apoio de todos os governos catarinenses desde 1994 – Paulo Afonso Vieira (PMDB), Esperidião Amin (PP), Luiz Henrique da Silveira (PMDB), Raimundo Colombo (DEM/PSD). Mesmo assim, nunca conquistou a confiança da tradição política estadual para liderar uma grande composição. Os sinais, articulações e conversas dos maiores partidos do Estado até agora indicam que isso não mudou. 

Jorginho subiu de patamar em 2018 ao eleger-se senador, ganhando a perspectiva de disputar o governo e estreando como oposição a uma gestão estadual – a de Carlos Moisés (PSL), o principal beneficiário da onda bolsonarista em que ele também acabou pegando carona. Uma oposição cautelosa, matreira, ao estilo de Jorginho – com face visível quase que apenas nas falas do deputado estadual Ivan Naatz (PL) na Assembleia Legislativa. 

Na terça-feira, no entanto, Jorginho teve seu dia de Naatz. Ao defender virar a página da narrativa que contrapõe cloroquina às vacinas e espalhar o foco pelos governos estaduais e prefeituras, ele atua como o zagueiro que com um chutão tira a bola de perto da área. Ao incluir Moisés – quase cassado em processo de impeachment por causa da desastrosa compra de 200 respiradores de UTI por R$ 33 milhões – ele acerta dois alvos com um tiro só. Ajuda o governo Bolsonaro na tentativa de dispersar as atenções sobre culpas da pandemia e também interrompe o momento de reconstrução da imagem pública do governador catarinense após o arquivamento do segundo impeachment.

Moisés reagiu imediatamente à possível convocação para a CPI da Covid, a ser votada nesta quarta-feira. Usou as redes sociais para afirmar que todas as informações serão encaminhadas ao Senado, mas disse acreditar que “a tentativa de criar um factóide por parte de um dos integrantes, que até agora pouco tem acrescentado aos trabalhos, não será suficiente para desvirtuar a comissão de seu verdadeiro papel”. É o jogo sendo jogado, à espera dos próximos capítulos. Mesmo que a convocação seja rejeitada na CPI, Jorginho cumpriu sua missão tática – para o Planalto e para seu próprio jogo.


Sobre a foto em destaque:

Jorginho Mello (PL), aliado de Bolsonaro, é o único senador catarinense na CPI da Covid. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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