Entre a aliança que começou discreta e virou a parceria BolsoDória no segundo turno das eleições de 2018 até o momento em que o governador paulista João Dória (Psdb) classifica o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como o responsável por uma “gestão negacionista” que tornou o Brasil um “país triste” e um “pária mundial”, existe uma pandemia e uma obsessão em comum: a presidência da República. A entrevista que concedeu a mim e ao Adelor Lessa na Rádio Som Maior na última sexta-feira deixou explícito que a estratégia do tucano é contrapor Bolsonaro junto ao eleitor antipetista, um terreno monopolizado pelos tucanos durante duas décadas, mas do qual foram desalojados pelo bolsonarismo.

Para isso, Dória tem um duplo desafio. Primeiro, convencer os próprios tucanos disso. Ele disputa as prévias marcadas para 21 de novembro contra o governador gaúcho Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati e o ex-senador e ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Ele entende de prévia: venceu as disputas internas do Psdb para as candidaturas a prefeito de São Paulo em 2016 e a governador em 2018. É uma carreira meteórica para o empresário da área de comunicação, trazido à política pelas mãos do ex-governador paulista Geraldo Alckmin – vítima do BolsoDória e hoje de saída para o Psd. Depois, furar o segundo turno antecipado entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula (Pt).

Na entrevista, ele antecipa temas que devem nortear a visita que fará a Florianópolis no próximo sábado, dia 14, quando tem encontros marcados com o governador Carlos Moisés (sem partido) e com lideranças do Psdb catarinense – repetindo o roteiro de Eduardo Leite no início de julho. Dória projetou a volta à vida normal pós-pandemia, comemorou os resultados da vacinação em São Paulo, defendeu as prévias tucanas e explicou as três linhas de argumentação com as quais pretende convencer o Brasil a sair da polarização entre bolsonaristas e petistas. Além, é claro, de criticar Bolsonaro a cada duas frases e meia. Leia a seguir alguns tópicos da conversa de Dória comigo e Adelor Lessa e veja a íntegra em vídeo abaixo.

Leia os principais tópicos da entrevista:

Retomada do “velho normal”

Aqui em São Paulo nós estamos evoluindo bem, Santa Catarina também. Eu tenho acompanhado os números, estamos com queda de casos, queda de internações e queda também de óbitos. E, no caso de São Paulo, hoje menos de 50% na ocupação de leitos de UTI em todo o Estado. Então, isso nos dá muita segurança de que estamos evoluindo positivamente no controle da pandemia mesmo com a variante Delta. E a vacinação segue muito acelerada aqui no Estado de São Paulo. Nós já temos hoje 39 milhões de paulistas, brasileiros e estrangeiros residentes aqui em São Paulo vacinados. É mais do que a população da Argentina. Pelos dados de agora, estamos com 83% da primeira dose já aplicada no braço dos que residem aqui em São Paulo e 24% com o processo vacinal completo, ou seja, as duas doses. Seguimos acelerando até o dia 16 de agosto nós teremos aqui 100% da população com pelo menos a primeira dose da vacina no braço. Dia 18 começamos a vacinar os jovens de 17 a 11 anos e vamos acelerar a segunda dose. Sempre pedindo para a população, seja aqui de São Paulo, seja de Santa Catarina, que tomou a primeira dose para tomar a segunda dose. Infelizmente é um número expressivo de pessoas que tomaram a primeira dose da vacina e não voltaram para tomar a segunda dose. Então, é um esforço grande para que a população faça o seu processo vacinal completo. Mas a perspectiva é de um Natal mais feliz, mais próspero, as pessoas  voltando a se encontrar.

O movimento de vendas nos shoppings, nas lojas, no comércio já começou ser expressivo em função do Dia dos Pais e teremos o melhor Natal da história, do ponto de vista de economia, em São Paulo e eu não tenho dúvida que em Santa Catarina também.

Vacinação não deu efeito positivo nas pesquisas presidenciais

A preocupação dos brasileiros de forma geral não é com eleição, é com a vacinação, é com a sua proteção. Na sequência, evidentemente, com seu emprego, com a sua renda, com a retomada do seu trabalho, com a retomada da sua própria felicidade. Eleição só vai povoar o coração dos brasileiros a partir de janeiro do ano que vem. Então, é preciso ter calma e resiliência. E, ademais, eu não fiz esse movimento para ter resultado eleitoral, fiz porque essa era a minha obrigação como governador. Defender vidas, proteger as pessoas, viabilizar a vacina, fazer o enfrentamento.

Infelizmente temos que fazer esse enfrentamento com a postura negacionista do presidente Bolsonaro, distante da realidade e da tristeza de tantos brasileiros que foram infectados e de milhares de brasileiros que perderam suas vidas.

Então, tudo a seu tempo. Virá o reconhecimento, mas eu não tenho essa preocupação prioritária. Continuamos aqui preocupados com a saúde e a vida dos brasileiros, de forma geral, e por isso estamos fornecendo mais vacinas para o Brasil, e com a saúde e a vida dos paulistas, aqui em particular.

O discurso que pode viabilizar uma alternativa a Bolsonaro e Lula

Discurso de paz, de harmonia e de entendimento. Depois, um discurso de proteção. Nós ainda teremos que conviver com vacinas e com medidas acautelatórias no próximo ano e talvez até em 2023. Então, a saúde continuará sendo um ponto muito importante. O segundo é emprego, a geração de emprego. O Brasil precisa de empregos. Nós temos 20 milhões de brasileiros desempregados, dos quais a metade está em situação de pobreza e extrema pobreza. A questão da geração de emprego e oportunidade é muito importante, muito significativa no âmbito da população de forma geral, principalmente da população mais vulnerável do Brasil. O terceiro é em ser um país de esperança. O Brasil se tornou um país triste, um país conflagrado com brigas, com posturas inadequadas do presidente da República. É triste, é lamentável.

Gostaria que nós tivéssemos um um líder que conduzisse o Brasil, que respeitasse o Brasil, respeitasse a democracia, a liberdade de imprensa, o direito à manifestação, direito à contrariedade e pudéssemos ser um país novamente feliz, com as pessoas sorrindo e retomando também aquilo que nós já tivemos, o orgulho de sermos brasileiros. Até isso nós perdemos diante de um governo negacionista e que se tornou perante a opinião pública mundial um pária.

São três pontos importantes de uma postulação futura para o Brasil. Complementarmente, eu também acrescentaria a questão ambiental, a proteção ambiental. O Brasil virou as costas para o meio ambiente, permitiu agressão à Amazônia, o desmatamento e o desrespeito pelo “carbon zero”, ou seja, pelo carbono zero como compromisso mundial. E, ainda, a questão da cultura. É outro ponto onde o Brasil se afastou completamente do respeito à cultura, da promoção à cultura, dos valores da memória do país. Vou dar um exemplo aqui só pra finalizar. Nós inauguramos aqui o Museu da Língua Portuguesa, investimento de R$ 85 milhões em São Paulo. É o único museu idiomático do mundo. O presidente de Portugal veio, o presidente de Cabo Verde veio, o vice-presidente de Moçambique veio, o ex-presidente Michel Temer (Mbd) veio, o ex-presidente Fernando Henrique (Psdb) veio. E o presidente Jair Bolsonaro foi andar de motocicleta em Presidente Prudente (a 556 quilômetros da capital paulista). Olha a diferença de comportamento, de respeito pela língua, pela memória, pela cultura, pela vida, pela existência. Enquanto ex-presidentes do Brasil e presidentes de outras nações vieram celebrar a cultura que nos une, a língua que nos promove e que nos valoriza, o outro foi andar de motocicleta sem máscaras aqui no interior de São Paulo, muito triste. 

Por videoconferência, o governador paulista João Dória (Psdb) conversou comigo e com Adelor Lessa no estúdio da Rádio Som Maior. Foto: Vitor Netto, Som Maior.

As prévias contra Eduardo Leite, Tasso Jereissati e Arthur Virgílio no Psdb

Eu sou um grande defensor das prévias. Aliás, eu sou filho das prévias. Eu disputei as duas únicas prévias feitas até hoje no Brasil e foram do Psdb. Foram feitas aqui em São Paulo em 2016 para a prefeitura da Capital de São Paulo. Tive o privilégio de vencer as prévias, depois vencer as eleições em primeiro turno para a prefeitura de São Paulo. Depois, em 2018, novamente prévias para a escolha do candidato ao governo de São Paulo. Novamente eu tive o privilégio de vencer as prévias e vencer também as eleições. Então, como filho das prévias, eu sou um grande defensor. Prévias unem, somam, agregam, multiplicam, valorizam o bom debate, debate construtivo. Nós temos quatro bons candidatos do Psdb. São poucos os partidos que podem ter quatro nomes presidenciais e o Psdb cumpre assim o seu papel democrático de debater e escolher o seu candidato. Isso vai ocorrer no dia 21 de novembro.

Como tirar SC do fim da fila de investimentos federais e promover o “menos Brasília, mais Brasil”

Primeiro, falando a verdade que o governo Bolsonaro não falou. Prometeu na campanha e não cumpriu. Foi menos Brasil e mais Brasília.

Temos visto nestes dois anos e meio inclusive a quebra do pacto federativo, desrespeito aos governadores. Santa Catarina foi um Estado extremamente prejudicado com essa quebra do pacto federativo, a desatenção, a desarmonia entre os poderes, o distanciamento do governo federal em relação aos governadores.

Faço parte do fórum de governadores, aliás, fundei o fórum de governadores ainda em 2018, antes de assumir, antes de assumirmos todos nós os nossos mandatos. O fórum tem se mantido ativo. Nós nos comunicamos diariamente por WhatsApp. É um grupo fortalecido e muito unido. O presidente, com o seu distanciamento e as quebras sucessivas do pacto federativo, promoveu uma inédita união entre governadores e Estados independentemente dos seus partidos. Nós temos que recolocar o pacto federativo em um próximo governo para que isso seja obedecido e que haja justiça tributária e também o interesse real em investimentos de infraestrutura, área de saneamento, área de educação, área de saúde. Houve um completo distanciamento do governo federal nessa obediência ao pacto federativo. Os investimentos em Santa Catarina assim como em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, apenas para citar aqui os estados do Sul e Sudeste, houve um distanciamento completo. A queda de investimentos, por exemplo, em habitação popular é uma tristeza que parte o coração. O distanciamento do governo federal com o financiamento de habitação popular, programas de saneamento também. A redução de investimentos em outras áreas de atuação dos governos se refletiu também em uma situação muito mais dramática para as prefeituras, porque faltando recursos para os Estados, faltaram recursos também para os municípios. Nós temos que inverter completamente esse procedimento e aquilo que se deve ser cumprido. Não foi o que aconteceu no governo Bolsonaro. Foi muito mais Brasília e muito menos Brasil.

Veja a íntegra da entrevista:


Sobre a foto em destaque:

O governador paulista João Dória (Psdb) concedeu entrevista exclusiva por videoconferência para os jornalistas Adelor Lessa e Upiara Boschi na Rádio Som Maior. Foto: Flickr do governo de São Paulo, sem indicação de autoria.

Compartilhar publicação: