O Congresso Nacional hoje é palco de um debate que se confude por pequenas semelhanças, mas que merece um olhar atento para as diferenças importantes. Está nas mãos dos senadores decidir se haverá a volta das coligações entre partidos para deputado federal, estadual e vereador, se será criada no Brasil a figura da federação partidária ou se ambos os instrumentos continuam vedados. Os temas devem ser votados antes de 2 de outubro para que possam, se aprovados, valer para as eleições de 2022.

A discussão sobre as coligações e as federações se confunde por causa de um objetivo em comum: dar sobrevida a pequenos e médios partidos que podem sumir nas próximas eleições se não disputarem agrupados a outras legendas. É um objetivo que vai na contramão de todo um esforço legislativo nos últimos anos para reduzir o número de partidos políticos, com a criação de cláusulas de desempenho – quem não atingir determinado patamar de votos não acessa recursos públicos e tem dificultada a atividade partidária no Congresso – e o próprio fim das coligações, que até agora valeu apenas nas eleições municipais de 2020. Olhando assim, coligações e federações se confundem como retrocesso.

Mas há diferenças importantes nos dois modelos que devem ser levados em conta. A coligação é algo meramente eleitoral. Começa no registro das chapas para a campanha e termina quando são apurados os votos. Ela é decidida no âmbito da disputa: municipal, estadual ou federal. Não precisa guardar qualquer coerência com o que as legendas defendem ou praticam – é mero cálculo eleitoral.

Nas eleições de 2018 em Santa Catarina, uma mesma coligação para deputado federal reunia os religiosos Republicanos e Psc, os centristas Democratas e Solidariedade e os esquerdistas Pdt, Psb e Pc do B. Uma verdadeira fraude às intenções do eleitor que ia à urna escolher uma opção, mas corria o risco de eleger por tabela um candidato antípoda ao que defendia. Escolhi esse exemplo ao acaso, porque esse tipo de agrupamento esdrúxulo e meramente pragmático acontecia o tempo todo. Nesse caso, foi um sucesso. Republicanos e Psb nunca tinham elegido deputado federal em Santa Catarina e conquistaram cadeiras.

Desde que foram proibidas as coligações, em 2017, mas com aplicação a partir apenas de 2020, os pequenos e médios partidos trabalham para derrubar essa proibição. Quando ocupou a presidência da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (Rio de Janeiro, sem partido) segurou essas pressões pela convicção pessoal na necessidade de reduzir o quadro partidário brasileiro que das atuais 34 legendas para cerca de sete ou oito. Seu sucessor, Arthur Lira (Progressistas de Alagoas) não tem a mesma convicção e deixou o tema chegar ao plenário, onde foi aprovado. Agora cabe ao Senado dar o aval. Esta semana, senador catarinense Jorginho Mello (Pl) pediu vista e adiou por uma semana a votação do relatório de Simone Tebet (Mdb do Mato Grosso do Sul), que é contra as coligações, mas sofre pressões para que deixe o assunto chegar a plenário como destaque.

O caso das federações partidárias é diferente. O tema foi aprovado na Câmara e no Senado e vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Cabe ao Congresso, em sessão mista de deputados e senadores, manter ou derrubar esse veto até 2 de outubro. Nos bastidores, a pressão é para que um dos temas, federação ou coligação, seja aprovado. Há resistências a ambos também. Muitos tratam a federação como uma volta disfarçada das coligações partidárias na eleição proprorcional. Ignoram, no entanto, que as federações – ao contrário das coligações – podem ser aliadas na redução do quadro partidário.

A principal diferença entre a coligação e a federação partidária é que ela vale por pelo menos quatro anos, não acaba quando termina a apuração dos votos. Os partidos federados vão precisar conviver, repartindo recursos e estruturas no parlamento. A sigla que decidir deixar o bloco, perde o acesso ao fundo partidário e eleitoral.

Além disso, elas têm caráter nacional. A federação vale para todos os Estados e municípios. A união se reproduziria obrigatoriamente nas 27 disputas estaduais e do Distrito Federal para candidatos a governador, senador, deputados federais e estaduais. Pior: dois anos deputados, seria obrigatória a aliança em todos os 5.568 municípios brasileiros nas disputas para prefeito e vereador.

É um tipo de laço que exige mínima identidade programática para superar a imensidão de diferenças locais. Agrupadas e obrigadas a conviver, mas mantendo minimamente as identidades partidárias, essas federações podem ser os embriões de fusões de partidos ou até mesmo de frentes permanentes de disputa eleitoral como se vê em outros países. Merece um olhar mais atento e mais digno do que a volta das coligações – essas, sim, puro retrocesso.


Sobre a foto em destaque:

Congresso debate volta das coligações partidárias ou implantação das federações. Temas têm o mesmo objetivo, mas apresentam diferenças fundamentais. Foto: Roque de Sá, Agência Senado.


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