“Primeiro lugar, um porco; segundo lugar, um porco; terceiro lugar, um porco; quarto lugar, um pato, mais um salame e um queijo; quinto lugar, uma angolista, mais um queijo e uma dúzia de ovos” e assim sucessivamente até o 15º lugar, agraciado com “um salame, uma cuca grande, uma galinha e um torresmo”. Na semana que passou, ganhou as redes sociais o vídeo da sessão da Câmara de Nova Veneza em que foi lida a lista de prêmios da rifa realizada Escola Básica Municipal do Bairro Bortolotto. 

A leitura coube à vereadora Bete Bortolotto (Progressistas), que também é professora da escola, e achou graça na lista de prêmios – o que contagiou os colegas. Um alívio cômico em meio a tempos tão pesados na política catarinense e brasileira. Os prêmios foram doados pelas famílias da comunidade e estavam dentro do tema “fazendinha”, proposto pela escola. Viralizar nas redes ajudou no sucesso da rifa e essa é a grande notícia nessa história toda. 

Resgato esse assunto na coluna desta semana pela singeleza, pelas boas intenções por trás de um tema que viralizou nas redes sem que esse fosse o objetivo, sem marketing, sem estratégia. O riso que não tem deboche e que não diminuiu em nada a iniciativa de uma comunidade que se uniu para garantir um dia das crianças melhor para os estudantes do bairro.

No mesmo dia, outro assunto viralizou em outro palco da política catarinense. Um deputado estadual recebeu em seu gabinete o ex-marido de Maria da Penha, ícone da luta pela punição devida e severa à violência contra a mulher. Sempre em busca de polêmica pela polêmica, pelo holofote fácil, por surfar nas pequenas ondas geradas pela indignação de quem cai nesse tipo de truque barato, o parlamentar fez pose para foto ao lado do homem que deu um tiro nas costas da então companheira enquanto ela dormia – criando depois a falsa narrativa de que a casa fora assaltada, versão desmentida na investigação policial. O tiro deixou Maria da Penha paraplégica. Em seu retorno para casa, foi mantida em cárcere privado por 15 dias e sofreu uma tentativa de ser eletrocutada durante o banho.

O cidadão recebido em um dos 40 gabinetes da Assembleia Legislativa foi condenado duas vezes entre 1991 e 1995, mas conseguiu permanecer em liberdade graças a brechas processuais encontradas por sua defesa. A comoção pela impunidade ganhou dimensão internacional e gerou os movimentos que levaram à criação da Lei Maria da Penha pelo Congresso Nacional. A legislação criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e é referência mundial no tema.

O deputado recebeu em seu gabinete o algoz de Maria da Penha. Deixou-se fotografar ao lado dele – ambos em pé, o que a vítima não poderia fazer. Disse que a versão do ex-marido era “intrigante” ao postar o encontro nas redes sociais. Viralizou. Diante da repercussão negativa, culpou os “militontos” e disse que a reação fazia com que ele quisesse conhecer ainda mais a história pelo lado do condenado. Como a repercussão piorou ainda mais, apagou tudo e gravou uma nota lacônica dizendo que o cidadão apareceu no gabinete sem ser convidado – fica a dúvida se qualquer condenado recebe o mesmo tratamento VIP no gabinete 36.

Quando o mesmo deputado teve postagens viralizando por ironizar o mote “não é não” contra o assédio às mulheres no carnaval de 2020, escrevi que “a chamada nova política têm suas próprias regras e vive de gerar barulho para animar torcida na redes sociais” e que esse modo de agir poderia fazer com que “o deputado de Criciúma se perpetue em mandatos ao longo dos próximos anos”, já que “nisso, ele tem mostrado talento”. 

Hoje não reproduzo o nome do deputado, embora vocês saibam quem é, assim como não digo o nome do ex-marido de Maria da Penha. Dar palco para esse tipo de bizarrice é perder mais uma batalha para a loucura que tomou conta de parte da política catarinense e brasileira. No próximo mês, talvez o parlamentar chame o goleiro Bruno para jogar futebol ou queira conhecer a intrigante versão de Alexandre Nardoni para a morte da filha. O silêncio é a melhor resposta e eu já escrevi mais do que queria sobre esse assunto.

Fiquemos com a rifa da fazendinha, com a viralização do que é ingênuo, benigno e tem uma boa causa por trás. Onde os porcos estarem em primeiro lugar não é metáfora, é literal e significa apenas o empenho de uma comunidade por fazer o bem para suas crianças.


Sobre a foto em destaque:

O humor involuntário e cheio de boa intenções da rifa “fazendinha” da escola de Nova Veneza é um alívio em meio a tempos pesados da política catarinense e nacional. Foto: Portal 4oito.

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