A transformação do então deputado federal de baixo clero Jair Bolsonaro em um fenômeno eleitoral em 2018, especialmente em Santa Catarina, assustou muita gente da política tradicional. Exceção às esquerdas, o que se viu nos primeiros anos do mandato do presidente Bolsonaro foram frases medidas, tentativas de relativizar posições anteriormente discordantes, adesões mal disfarçadas. O que se vê agora, aos poucos, é que parte desses políticos começa a perder o temor de criticar o presidente.

No final da semana passada, estive em Criciúma e entrevistei o prefeito Clésio Salvaro (Psdb). O tucano sempre teve um estilo popular, próximo à população que tem lhe dado votações exuberantes em suas eleições. Em 2018, a eleição de Bolsonaro mostrou que boa parte desse eleitorado acostumado a votar em Clésio optou pela guinada à direita daquela disputa presidencial. Na disputa pela reeleição, ano passado, Clésio não teve dificuldade de conciliar seu perfil – já à direita do próprio Psdb e que se caracterizava com a presença junto ao eleitor – com o discurso bolsonarista. Mesmo assim, aumentou em dois graus o tom de algumas declarações nas redes sociais. As lideranças bolsonaristas da cidade podiam até estar atreladas à candidatura de Júlia Zanatta (PL), mas o eleitor bolsonarista estava satisfeito com o prefeito – que se esforçou para não dificultar essa relação.

Na nossa entrevista, no entanto, Clésio ensaiou um afastamento da figura de Bolsonaro que era evitada até então. Se disse decepcionado com o mandato do presidente e afirmou ter liberdade para expressar essa posição por ter votado nele no segundo turno de 2018. Cobrou o andamento das reformas administrativa, tributária e política, além de criticar a forma como foi feita a reforma da previdência, que poupou os militares ao estabelecer-lhes regras mais amenas para aposentadoria e pensões do que para os servidores civis. Foi além, cobrou maior atenção aos municípios, para além dos repasses obrigatórios. Disse que o governo Bolsonaro se perde em questões ideológicas e não pratica o discurso “menos Brasília e mais Brasil” que pregou na campanha eleitoral. 

Clésio é um político habilidoso. Tucano no auge dos governos petistas do ex-presidente Lula, sempre soube blindar as questões nacionais e a eventual popularidade dos presidentes sobre sua liderança regional. Agora, começa a se desvencilhar de um Bolsonaro que caminha cada vez mais fortemente para a extrema-direita e para o conflito institucional. Há mais do que intuição e decepção nesse ensaio de afastamento. Há alinhamento a projetos.

O primeiro alinhamento é partidário. O Psdb terá candidato a presidente e estará longe de Bolsonaro, mas tentando recuperar a condição de adversário oficial dos petistas em plano nacional. Os tucanos tem prévia marcada para 21 de novembro em que despontam os governadores Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e João Dória (São Paulo) como favoritos. Clésio anunciou na entrevista que ele e os tucanos catarinenses devem marchar com o gaúcho. 

O segundo alinhamento é o nacional. O Psdb deve fazer parte da construção da chamada terceira via – um condomínio de partidos de centro e centro-direita que vai tentar ser alternativa a Bolsonaro para os antipetistas, especialmente se Lula continuar liderando pesquisas nacionais. Esse grupo busca um discurso que entusiasme o eleitorado, o que ainda não aconteceu. Na mesma semana em que entrevistei Clésio em Criciúma, também participei junto com Adelor Lessa de conversa com João Dória na Rádio Som Maior. Curiosamente, o tucano paulista fez a mesma crítica do prefeito criciumense à não aplicação do “menos Brasília e mais Brasil”. As coisas estão no ar, especialmente as narrativas. Tem algo em construção.

O terceiro alinhamento é estadual. Esse condomínio de partidos que tenta construir alternativa a Lula e Bolsonaro pela centro-direita também deve se reproduzir aqui no Estado. É bem possível que o Psdb esteja junto com Psd, Democratas e Podemos na construção de um sólido palanque para esse presidenciável ainda sem rosto. Esse palanque pode ser liderado pelo ex-governador Raimundo Colombo (Psd), pelo prefeito florianopolitano Gean Loureiro (Democratas) ou pelo ex-deputado estadual Gelson Merisio (Psdb). Mas, embora refute, por enquanto, a hipótese, Clésio Salvaro cabe nele como um luva – em qualquer posição da chapa.


Sobre a foto em destaque:

Clésio Salvaro (Psdb) é um exemplo de político tradicional catarinense que começa a perder o medo de criticar o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Seminário Gestão e Comunicação na Municipalidade, Divulgação.

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