Fins de relacionamento inspiram belas canções. Em política, no entanto, o fim das alianças não costuma gerar mais do que algumas farpas, indiretas e respostas duras quando a fala toca em algum ponto dolorido da relação que se encerrou. Na quinta-feira, o ex-secretário estadual Eron Giordani (Psd), hoje pré-candidato a vice-governador na chapa de Gean Loureiro (União), usou palavras duras para desmontar alguns dos alicerces do governo Carlos Moisés (Republicanos), que ele mesmo ajudou a colocar de pé ao assumir a Casa Civil logo após a crise do primeiro processo de impeachment, ainda em 2020.

Foram 15 meses de colaboração em que Eron ajudou o governo Moisés a criar uma sólida relação com os prefeitos, organizou uma base aliada, trouxe o Mdb e o Progressistas para dentro do secretariado e participou da elaboração das legislação que flexibilizou o repasse direito de recursos aos municípios, além da formulação do Plano 1000, em parceria com o secretário Paulo Eli, da Fazenda. Eron também participou da construção de uma base eleitoral para Moisés, atraindo o Podemos e armando a cama para que o governador se filiasse ao Mdb – o que ficava implícito nessa arrumação é que o próprio Eron seria o vice da chapa.

Moisés rejeitou a fórmula, seguiu caminho próprio, optou pelo Republicanos. Desprestigiado, Eron deixou o governo e acabou se aproximando de Gean Loureiro pelas mãos dos dois aliados pessedistas do ex-prefeito de Florianópolis: Júlio Garcia e João Rodrigues. Acabou vice na chapa do União, o que deve ser confirmado na convenção conjunta da legenda com o Psd na tarde deste sábado. Até agora, Eron se mantinha discreto sobre o período em que esteve no governo Moisés. Quinta-feira, no Plenário Podcast, ele mostrou que vai usar o que viu de perto contra o ex-aliado. E a rápida resposta do governo mostra que as feridas tocadas pelo antigo colaborador podem doer.

Na quinta-feira, Eron estava ao lado de Gean no estúdio da Rádio Som Maior. Ambos mostraram afinação. O ex-secretário apontava o problema de gestão, usando como exemplo sua passagem pelo governo, e o ex-prefeito apontava o que deveria ser feito, citando o que fez na Capital. Eron mirou dois pilares que mais orgulham os integrantes do governo Moisés e o próprio governador: a eficiência de gestão que teria como resultado um volume inédito de recursos em caixa; o municipalismo expresso nos programas de repasses de recursos para prefeituras tocarem obras de infraestrutura.

Na entrevista, Eron desdenhou ambas as narrativas. A exuberância de caixa seria mero efeito da atuação do governo Jair Bolsonaro (Pl) na pandemia, quando foi suspenso o pagamento da dívida dos Estados com a União (R$ 1 bilhão a mais no caixa, disse o ex-secretário) e repassados R$ 1,6 bilhão para a saúde, parte disso aliviando a folha de pagamento da área.

Na descrição de Eron, o excesso de dinheiro em caixa levou a outro problema de gestão: faltavam projetos para obras estruturantes para onde poderiam ser escoados esses recursos extras. O governo Moisés sempre jogou a culpa pela falta de projetos nos governos anteriores. De acordo com Eron, no entanto, a falha foi interna. Segundo ele, em vez de manter a prática de contratar empresas para realizar os projetos, o governo optou por contratar 100 engenheiros efetivos para a Secretaria de Infraestrutura.

– A decisão de contratar 100 engenheiros do concurso imaginando que eles pudessem fazer esses projetos foi equivocada. Além da falta de experiência e especialização na área, eles foram insuficientes até para fiscalizar as obras em andamento na Secretaria da Educação – disse Eron.

Segundo ele, dessa insuficiência nasceram os instrumentos que azeitaram a relação com as prefeituras – o pix e o Plano 1000. Sem projetos, o governo adotou modelo de transferência para os municípios de maneira simplificada para que eles pudessem usar esses recursos em pequenas obras. Depois, veio o Plano 1000, com foco nas maiores cidades, também como forma de compensar a deficiência interna.

Eron não se limitou a criticar as bandeiras de Moisés. Atacou onde tem doído mais: a saúde. Criticou o atual secretário da pasta, Aldo Batista Neto, militar, por não ter formação na área. Foi a hora em que soltou a frase que correu feito rastilho de pólvora no governo Moisés:

– Nós temos que ter pessoas qualificadas para cada setor. Não é possível montar um colegiado com amigos de escola ou colegas de farda.

A repercussão interna foi tanta que nesta sexta-feira, o secretário de Infraestrutura, Thiago Vieira, pediu para ser ouvido no Plenário também. Chamou de “fake news” a fala de Eron sobre a causa da falta de projetos no governo, defendeu a contratação dos engenheiros e disse que não havia empresas contratadas para executar os serviços nos governo passados. Foi além, disse que a prática de ter uma “empresa guarda-chuva” realizado projetos por demanda é considerada irregular pelo Tribunal de Contas do Estado. Tiago Vieira listou obras viabilizadas pelo governo estadual e atacou as gestões anteriores.

Poucas vezes o governo Moisés acusa o golpe. Quando acusa, poucas vezes é tão rápido. Eron Giordani, o inimigo íntimo, mexe com o Centro Administrativo.


Sobre a foto em destaque:

Gean Loureiro e Eron Giordani, lado a lado. Foto: Divulgação.

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