Faltava uma imagem para ilustrar a sequência do pior momento vivido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em seus quase dois anos e meio no Palácio do Planalto: manifestações de rua contra seu mandato. Não falta mais. Com máscara no rosto e álcool em gel nas mãos, no último sábado, a esquerda saiu de casa em 213 cidades em todo o Brasil para pedir impeachment e vacina.
Até então, as ruas eram praticamente um monopólio do bolsonarismo. Seja em atos espalhados pelo país, cada vez menores, seja nas recentes concentrações como a chamada “motociata” no Rio de Janeiro. Assim, mesmo com um momento negativo pelas críticas à gestão da pandemia, a CPI do Covid e as pesquisas apontando queda de popularidade e Lula (PT) na dianteira de uma precoce corrida eleitoral, Bolsonaro mantinha o discurso de que as ruas estavam com ele.
Era uma cilada em que não só a esquerda, mas qualquer opositor do presidente teve dificuldade de escapar no último ano. Criticar Bolsonaro por promover aglomerações e entregar-lhe de bandeja as ruas para não cair em contradição. Ao mesmo tempo, a esquerda também temia a comparação das imagens, perder a disputa. Assim, neste último sábado à esquerda foi às ruas para se expor e também para se contradizer.
No duelo de imagens, foi bem sucedida. Cenas das manifestações em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro ganharam o mundo. Mesmo em Santa Catarina, um dos principais redutos do bolsonarismo, foi expressiva a manifestação em Florianópolis, além de registros em cidades como Blumenau, Joinville e Criciúma – locais onde a esquerda é mais frágil e mesmo assim conseguiu reunir algumas centenas de pessoas nos atos.
No discurso, a esquerda entrou no terreno perigoso de ter que defender uma manifestação presencial enquanto questionava todo tipo de aglomeração. Por isso, o protesto de sábado não teve adesão unânime – pelo menos no discurso. Era a hora de se contradizer, de dourar a pílula, de achar uma narrativa que explicasse porque sair às ruas era válido nestes últimos dias de maio para contrapor Bolsonaro enquanto toda e qualquer saída de casa foi condenada por meses. Seria pior se a adesão fosse pouca. A esquerda saiu vitoriosa dessa batalha.
Em todos os parágrafos deste texto eu falei sobre a esquerda ter ido para a rua e é importante que isso seja observado. Se existe alguma oposição a Bolsonaro e à esquerda – leia-se Lula – ela esteve pouco representada nos atos de sábado. Uma ou outra bandeira pedetista dos apoiadores de Ciro Gomes estava nas ruas, mas o domínio dos possíveis e prováveis eleitores de Lula era claro e evidente. É importante observar esse ponto, porque é o que torna as manifestações da esquerda interessante para Bolsonaro e o bolsonarismo.
Poucos dias atrás, o presidente disse a seus apoiadores em um vídeo muito replicado que quem não estiver satisfeito com ele pode votar em Lula. Os lulistas comemoraram a fala como se fosse um ato falho, uma propaganda involuntária. Claro que não é. Interessa a Bolsonaro que Lula seja sua única alternativa, assim como interessa a Lula ser o único anti-Bolsonaro viável. Talvez seja o único cenário em que um ou outro vença a eleição de 2022. Nesse sentido, as manifestações de sábado ajudaram a colocar mais algumas pás de cal na ideia de terceira via.
Galeria de fotos
Os protestos contra Bolsonaro foram registrados em 213 cidades brasileiras. Na galeria abaixo você confere fotos da manifestação em Florianópolis, realizada pelas ruas do Centro.
As fotos são do jornalista Gastão Cassel e do repórter-fotográfico Eduardo Valente/Agência iShoot.