A chegada de Adriano Bornschein Silva à prefeitura de Joinville foi uma das maiores surpresas das eleições de 2020 em Santa Catarina. Empresário de 43 anos, quarta geração no comando de um tradicional laboratório farmacêutico do Estado, filiado ao partido Novo, ele se intrometeu em uma disputa entre as forças tradicionais da política joinvilense e meia-dúzia de candidatos a outsider. Tirou o MDB do segundo turno e venceu o deputado federal Darci de Matos (PSD) com 55,4% dos votos. A vitória em si, por mais inusitada que seja, é um ponto de partida.
Eleito, Adriano Silva passou a despertar a curiosidade de quem quer ver como um partido cheio de rígidas regras internas e promessas de fazer política de forma tão diferente – não à toa usa a palavra novo como legenda – consegue governar uma cidade do porte de Joinville, o maior eleitorado e a maior economia de Santa Catarina. Para aumentar a curiosidade: é a única prefeitura administrada pelo Novo entre todos os 5.570 municípios brasileiros.
Para tentar matar a curiosidade desses quase seis meses de gestão do Novo em Joinville, entrevistei Adriano Silva sobre rodas. Na van que comprou com seu próprio dinheiro – a obsessão do partido com economia de recursos públicos é evidente – e apelidou de Gabinete Móvel, ele respondeu minhas perguntas durante os cerca de 20 minutos do trajeto entre a prefeitura e o Perini Business Park, onde tinha outra agenda. É um hábito que ele quer transformar em marca. Quando esteve na cidade o ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, também foi recebido no Gabinete Móvel.
– Ele aceitou vir junto e a gente passou o dia aqui dentro. Em cada parada trocava um secretário e entrava um tema diferente para pegar a instrução dele – conta Adriano Silva.
Assim, de um jeito novo, ouvi e questionei o prefeito joinvilense do Novo sobre o começo da primeira experiência político-administrativa, construção de base parlamentar, reforma da previdência, pandemia, a relação com o governador Carlos Moisés (PSL), o futuro do partido e a relação entre as lideranças catarinenses do Novo e o presidenciável João Amoêdo. Embarque nessa entrevista:
O senhor assumiu a prefeitura sucedendo um prefeito que veio da iniciativa privada, sem experiência política anterior e que virou político no cargo. O senhor tem uma origem semelhante. O que não deseja repetir da experiência de Udo Döhler (MDB) como prefeito?
Adriano Silva – A primeira coisa que eu acho que a gente já fez diferente foi a formação da equipe. Um time totalmente técnico, um time todo montado através de um processo seletivo. A prefeitura é uma máquina gigantesca, com quase 13 mil servidores. Se não tiver um time coeso, competente e com propósito, a gente acaba tendo dificuldades. Esse é um ponto de diferenciação. E tenho tentado ser também um governo colaborativo, no sentido de estar próximo à comunidade, estar próximo das pessoas. Atender associações, não só no sentido de atender, mas de criar agendas regulares de acompanhamento dos processos que estão sendo discutidos no bairros e que não se resolvem em uma batida de costas. Não fico me comparando, mas as pessoas comparam, dizem “isso é diferente”.
Uma das questões que despertam a maior curiosidade nessa experiência de ter em Joinville a única prefeitura comandada pelo Novo no Brasil é como seria a relação com a Câmara de Vereadores, por causa das ideias do partido sobre como governar sem indicações políticas. O senhor tem maioria na Câmara?
Adriano Silva – A relação é excelente. A gente sempre preconizou o diálogo com todos. No período de transição, eu liguei para todos, independentemente de partidos e me coloquei à disposição para conversarmos. Claro que tem aqueles que são mais ligados a uma agenda liberal, outros a uma de esquerda. Independentemente disso, a gente sempre acaba tendo diálogo com todos.
O senhor tem um número de quantos vereadores fazem parte da sua base ou é pontual?
Adriano Silva – É pontual, os temas são diferentes. Mas se a gente considerar a reforma da previdência a gente tem quatro ou cinco vereadores que se colocam totalmente contra. Esse talvez seja um parâmetro (Joinville tem 19 vereadores), mas não sei se isso vai se transformar em uma oposição ou se é só um ponto polêmico.
A reforma da previdência é o primeiro grande desafio na Câmara?
Adriano Silva – Na Câmara de Vereadores, sim. Nós estamos sendo desafiados desde o primeiro dia, porque assumimos a prefeitura com Joinville debaixo d’água. Dia primeiro nós estávamos em estado de calamidade pública. Logo depois, a pandemia novamente. Houve um crescimento absurdo, em questão de 10 dias, do número de casos com a nova cepa. Esses são desafios diários administrativos, mas o tema que está gerando mais discussão na Câmara é a reforma.
Há reclamações de que a tramitação da reforma estaria acelerada, açodada…
Adriano Silva – Eu não sei o que seria uma tramitação mais devagar ou mais célere. Até porque todos os procedimentos a Câmara tem cumprido. O texto da reforma foi enviado em fevereiro e já estamos quase terminando o primeiro semestre. Eu não consigo entender que a Câmara esteja agindo com pressa. Tenho cobrado celeridade porque a cada mês em que a reforma não é autorizada a gente paga R$ 3 milhões referentes ao déficit atuarial. Existe um custo mensal que todo joinvilense paga e que já poderia ter sido saneado. E a garantia da aposentadoria dos servidores. O déficit atuarial é um problema real, é existente desde 2003.
Houve um grande desandar dessa conta em virtude da queda da taxa de juros. O Ipreville investe o dinheiro em aplicações financeiras e teve uma redução de rendimento de 20% para 5,78%. Ele deixou de rentabilizar o patrimônio em torno de R$ 300 milhões por ano. Aí fez o déficit atuarial explodir. O que podemos fazer? Joinville pagar mensalmente esse déficit de R$ 3 milhões. Mas para o ano que vem esse número já chega a quase R$ 4 milhões, depois R$ 5 milhões, o que vai fazer com que Joinville não tenha capacidade financeira para esse pagamento. E aí há um risco real para a aposentadoria do servidor.
A posição da bancada do Novo em Brasília durante a tramitação da reforma da previdência era que o texto fosse além do proposto pelo governo Bolsonaro. Aqui em Santa Catarina, na primeira tentativa de proposta de reforma no governo Moisés, o deputado estadual Bruno Souza (Novo) apresentou emendas para que os cortes fossem além do que o governo propunha. Aqui, o senhor é o governo. Conseguiu ir além na sua proposta em relação às bases definidas em Brasília?
Adriano Silva – Nossa premissa foi buscar um nivelamento aos servidores federais, pelo que foi aprovado na lei federal, e também fazer a conta para que o déficit atuarial fosse zerado. O texto todo foi montado para isso, nem mais e nem menos. A gente não quis ser mais rigoroso, mas também não podemos permitir que o texto que saia da Câmara venha com tantas emendas que faça a reforma perder o sentido dela. Essa é uma preocupação que a gente tem. Mandamos o texto com o déficit atuarial praticamente zerado. No que a Câmara aprovar a gente vai conseguir ver se existe ou não a real reforma.
Nosso maior desafio hoje como sociedade é a pandemia. Como o senhor lida com a politização da gestão da pandemia, não apenas de gestores, mas da própria sociedade que por afinidades políticas faz a defesa de um remédio, de lockdown ou qualquer coisa que caiba em sua narrativa?
Adriano Silva – A politização do tema pandemia prejudicou demais o Brasil, independentemente de um lado ou outro. Isso deveria sempre ter sido tratado em uma esfera técnica, científica. Nós aqui sempre defendemos a liberdade dos médicos. Cabe ao médico, na relação dele com seu paciente, definir o melhor tratamento. Quem tratou diferente disso, entrou em uma esfera política e gerou toda essa demanda desnecessária de discussões.
E o isolamento social?
Adriano Silva – Observando países e o que foi feito no passado aqui, entendemos que o isolamento ele se dá como um dos últimos pontos. Realmente, ao isolar a população como um todo você acaba com a transmissibilidade por um determinado período, mas não acaba com a pandemia, porque o vírus continua circulando. O que nós tentamos foi chegar ao equilíbrio. Em Joinville a gente manteve a flexibilização econômica conforme a capacidade de atendimento aos pacientes graves. Isso a gente conseguiu fazer.
Santa Catarina fez lockdown na hora errada lá no começo da pandemia?
Adriano Silva – Eu acho que pelo desconhecimento da época e tudo mais, talvez tenha sido um pouco antecipado. Poderia ter sido descentralizada, dar autonomia aos municípios. Muitos tiveram suas economias prejudicadas sem nenhum caso de covid. Logo depois entrou o covid e as empresas já estavam sangrando, não tinham condições de ficarem fechadas. Então, esse timing de qual decisão tomar e o tempo correto que é preciso entender bem.
O governador Carlos Moisés (PSL) sofreu muitas críticas pela gestão da pandemia, a compra dos respiradores quase lhe custou um impeachment. Como o senhor avalia o governo Moisés?
Adriano Silva – O governo Moisés tem sido muito próximo da cidade de Joinville. Posso avaliar neste momento em que estamos vivendo. Sempre falo e reforço que se conseguirmos executar todos os projetos com que estamos com convênio com o governo do Estado será o governo mais próximo que a cidade já teve. São mais de R$ 200 milhões em obras de infraestrutura. A nossa relação com o governo Moisés é excelente.
Então o senhor era contra o impeachment…
Adriano Silva – Eu não cheguei a avaliar os casos de impeachment. Não cabe a mim fazer essa avaliação. A opinião que eu vejo é que são vários processos e que hoje com as respostas que vieram a gente vê que existia um viés político em cima dessas tomadas de decisão. Mas eu não tive acesso aos autos para emitir opinião.
O que o senhor espera do Novo para a presidência e o governo do Estado em 2022?
Adriano Silva – O Novo entende que o projeto dele é a longo prazo. Tanto é que falam “o Adriano é o único prefeito do partido Novo”. Sim, mas apenas 30 cidades tiveram candidatos a prefeito do Novo. O partido tem essa vontade de crescer, mas com calma e estrutura. Não abrindo de uma forma descontrolada. Uma das metas principais é aumentar a bancada de deputados federais.
A gente entende que a grande transformação do país passa pelo Congresso. É lá que vamos executar as reformas que vão ser necessárias para fazer a mudança do país. Acreditar que uma pessoa em um determinado cargo vai fazer as mudanças no país é acreditar no impossível. A gente entende que o aumento das bancadas legislativas é prioridade. Na questão do Executivo, existe um processo seletivo. Havendo candidatos com capacidade de assumirem esse trabalho, teremos. Mas não temos nenhuma definição tanto para o governo do Estado quanto para a presidência.
Na questão da candidatura presidencial houve certa confusão, com João Amoêdo aceitando convite feito por dirigentes, uma reação em apoio a outros nomes e a desistência de Amoêdo. O senhor estava entre os que apoiou o deputado federal Tiago Mitraud…
Adriano Silva – Conheço e respeito demais os dois. O que eu apoio é que seja aplicado o estatuto do partido, que preconiza o processo seletivo aberto e que várias pessoas possam se inscrever. Quando a gente apoiou o Tiago Mitraud, foi um apoio a ter a chance de outras pessoas participarem do processo.
João Amoêdo está à esquerda do Novo de Santa Catarina?
Adriano Silva – (Pensa por alguns segundos) Não sei responder essa pergunta. Eu gosto de sempre analisar as atividades. É uma retórica minha que faz eu conseguir conversar com vários políticos, de várias ideologias. Não personalizo, trato a política como ideias e projetos. Isso faz eu olhar além.
Minha pergunta é porque muitas vezes Amoêdo faz críticas mais fortes ao presidente Jair Bolsonaro, defende impeachment. Não é a postura da bancada federal e de lideranças de Santa Catarina, por exemplo.
Adriano Silva – O partido Novo preconiza isso de a gente olhar ideias e projetos. Independentemente de quem for presidente da República, a gente quer que o país dê certo. Vamos apoiar o presidente Bolsonaro nas agendas que consideremos importantes para o país e vamos desaprovar as agendas que são negativas.
Sobre a foto em destaque:
Na van apelidada de gabinete móvel, o prefeito joinvilense Adriano Silva concedeu entrevista exclusiva e falou um pouco sobre o jeito do Novo de comandar a maior prefeitura do Estado. Foto: Upiara Boschi