Não existe vácuo na política, diz uma de suas regras básicas. Toda disputa pelo governo de Santa Catarina passa, em maior ou menor grau, por Joinville – maior colégio eleitoral e também a cidade mais rica do Estado. Por isso, é curioso observar como Joinville e o joinvilense vão pesar na disputa de 2022 neste momento em que o município atravessa uma clara entressafra de lideranças políticas. Passou pela cidade o último grande ciclo do poder catarinense, com o ex-governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB) comandando um arranjo político que venceria quatro disputas entre 2002 e 2014. Primeiro com suas duas próprias vitórias, depois com as duas do lageano Raimundo Colombo (DEM/PSD). Delas, LHS participou como candidato ao Senado e como fiador.
A morte de Luiz Henrique, em 2015, daria início a essa entressafra de lideranças em Joinville. Quem travou disputas com o emedebista já havia perdido vigor – Eni Voltolini (PP), Carlito Merss (PT), etc. Quem veio depois conseguiu dar o salto da estadualização. Os mais próximos foram o ex-senador Paulo Bauer (PSDB) e o ex-deputado federal Mauro Mariani (MDB), candidatos a governador em 2014 e 2018. Ambos fora das atuais cogitações de majoritária. Na última eleição, Mariani ficou em terceiro para o governo, Bauer foi o quinto na tentativa de se reeleger senador. Outro nome que poderia ter representado Joinville naquela disputa, o então prefeito Udo Döhler (MDB), desistiu de encarar a disputa interna emebedista e completou o mandato com índices de popularidade que o deixam fora de qualquer especulação.
Aquela eleição de 2018, marcada pela Onda 17, ignorou fatores locais para impulsionar apoiadores de Jair Bolsonaro linkados pelo mesmo número de urna. Mesmo assim, insisto: toda disputa estadual passa, em maior ou menor grau, por Joinville. E assim também foi em 2018. A cidade do Norte catarinense, já vivendo a entressafra de lideranças locais, foi uma das molas propulsoras do bolsonarismo em Santa Catarina – junto com Blumenau e Criciúma. O trio de cidades deu mais de 70% de seus votos a Bolsonaro ainda no primeiro turno.
Que melhor percebeu isso foi o então candidato Gelson Merisio (ex-PSD, hoje no PSDB), que declarou voto no 17 na reta final daquela campanha, tentando colar sua candidatura a um arranjo que o eleitor fez por cima dos partidos. Foi suficiente para chegar em primeiro lugar na votação inicial – mas não em Joinville, onde o desconhecido Comandante Moisés, hoje Carlos, aplicou-lhe uma vantagem de 13 pontos. Os joinvilenses tiraram o candidato local, Mariani, do segundo turno e não socorreram Bauer na disputa pelo Senado.
Faz parte do bolsonarismo um sentimento de aversão à política estabelecida, aos homens e mulheres que estiveram no poder no período anterior. Esse sentimento prospera com ainda mais força em uma região em entressafra de lideranças. Isso ajuda a explicar porque Joinville manteve um ímpeto de rejeitar políticos e partidos tradicionais nas eleições municipais de 2020, quando colocou na prefeitura o empresário Adriano Silva, do partido Novo. A cidade manteve o alerta da antipolítica ligado, enquanto – por exemplo – as bolsonaristas Blumenau e Criciúma reelegiam seus prefeitos.
Para 2022, Joinville aparece quase fora do jogo da majoritária. Quem tenta colocar-se nesse mapa é o deputado estadual Kennedy Nunes, que trocou o PSD pelo praticamente inexistente PTB. Recebeu do líder nacional Roberto Jefferson a incumbência de tirar o partido do zero e construir uma candidatura ao Senado a bordo de um discurso alinhado ao presidente Bolsonaro. Pode até dar certo, mas é uma aventura, não uma construção.
É nesse vácuo – e aí retomo o que dizia no começo do texto – que está de olho Jaraguá do Sul, a 50 quilômetros de distância. O prefeito Antídio Lunelli (MDB), reeleito com 70% dos votos ano passado, busca se cacifar para o jogo estadual e sabe que a ausência de um nome de peso em Joinville pode auxiliar esse projeto. Neste momento, tenta conquistar o MDB na prévia contra o senador Dário Berger e o deputado federal Celso Maldaner, marcada para 15 de agosto. Se for o candidato do MDB, maior partido do Estado, com ou sem prévia, seu próximo passo é fazer com que Joinville veja nele uma opção regional.
É um movimento delicado. Mariani e Bauer, por exemplo, sempre foram vistos como “semi-joinvilenses” pelos vínculos originais com Rio Negrinho e a própria Jaraguá do Sul, respectivamente. Lunelli não vai se fantasiar de joinvilense, mas iniciar um movimento de aproximação – ainda muito incipiente e pouco percebido em Joinville. E sejamos objetivos: por melhor que seja seu currículo na vida privada e pública, por mais que represente como marketing uma espécie de não-político com experiência política, mesmo que tenha um discurso parcialmente alinhado ao bolsonarista, Lunelli nunca conseguiria ousar esse salto estadual se Joinville não vivesse essa entressafra de lideranças.
Sobre a foto em destaque:
Colegas de Senado, Luiz Henrique da Silveira (PMDB) e Paulo Bauer (PSDB) fizeram parte de um ciclo político catarinense construído por lideranças de Joinville. Foto: Flickr de Luiz Henrique da Silveira, sem indicação de autoria.