Quis o destino e – agendas previamente marcadas – que o governador gaúcho Eduardo Leite (Psdb) estivesse em Santa Catarina justamente no dia em que viveu a repercussão da entrevista em que expressou sua orientação sexual. O tucano veio a Florianópolis para uma agenda administrativa e uma política, momentos que o colocaram ao lado – ironicamente – dos dois nomes que disputaram o segundo turno nas eleições para o governo catarinense em 2018: Carlos Moisés (Psl) e Gelson Merisio (Psdb). Não deixa de ser inusitado.
Na Casa d’Agronômica, os governadores Moisés e Leite abriram o mapa sobre a mesa e fizeram promessas mútuas de fazer um planejamento comum para tirar do papel obras que facilitem o deslocamento entre os dois Estados. No radar, a ligação entre Praia Grande (SC) e Cambará do Sul (RS) – acesso aos cânions do Parque Nacional dos Aparados da Serra -, a retomada da obras no Caminho das Neves, entre São Joaquim (SC) e Bom Jesus (RS), e o início dos estudos para construção de uma ponte entre Itapiranga (SC) e Barra do Guarita (RS), no Extremo Oeste.
– Os nossos Estados possuem economias interligadas e vamos criar um planejamento conjunto de infraestrutura. As equipes de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul vão trabalhar juntas para melhorar os acessos de competência estadual. É uma forma de usar os recursos públicos de maneira mais lógica e consciente – disse Moisés.
A boa relação entre Moisés e Leite vem desde o início dos mandatos, quando frequentaram reuniões do chamado Cosud – consórcio que reunia com alguma frequência os governadores dos Estados do Sul e do Sudeste. O última vinda de Leite Florianópolis foi em março, quando a dupla se juntou ao paranaense Ratinho Junior (Psd) para anunciar medidas conjuntas de enfrentamento à pandemia. Na época, ressaltei a postura em relação ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como uma clara diferença dos três governadores. Leite já apresentava um tom crítico a Bolsonaro, enquanto Ratinho estava alinhado aos bolsonaristas e Moisés ainda sonhava com uma reaproximação com presidente que nunca aconteceria. Nada disso mudou muito, mas o gaúcho voltou a Florianópolis com pose de presidenciável.
Foi com esse tom que ele estrelou o encontro do Psdb catarinense logo após deixar a Casa d’Agronômica. O evento teve com anfitriã a presidente estadual da sigla e deputada federal Geovânia de Sá, que conseguiu reunir o tucanato estadual para ouvir Leite pedir um voto de confiança para as prévias nacionais do partido, marcadas para outubro. Prefeitos, vices e vereadores tucanos vieram de diversos pontos do Estado, assim figuras históricas atualmente mandato como o ex-senador Dalírio Beber e o ex-deputado estadual Gilmar Knaesel. Estavam lá os dois nomes do partido cotados para a disputa de 2022: o ex-deputado estadual Gelson Merisio e o prefeito Clésio Salvaro, de Criciúma.
À vontade entre os tucanos, colegas de partido desde o final de 2019, Merisio até quebrou o protocolo e pediu licença para falar antes do convidado especial. Elogiou fortemente a gestão do governador gaúcho – em contraposição com o governo Moisés, é claro. Disse que em governos anteriores Santa Catarina ultrapassou os Estados vizinhos em dezenas de indicadores – por mérito das gestões, mas também por erros de condução de gaúchos e paranaenses. E afirmou que agora os vizinhos estão recuperando as posições. Merisio fez um apelo a Leite. Elogiou a gestão de João Dória em São Paulo e disse que os tucanos deveriam desistir das prévias nacionais para focar nas gestões. Ano que vem, por consenso, seria definido o candidato a presidente.
– Eu não gosto dessa ideia de que em outubro tenhamos escolhido quem foi melhor, ou menos, ou mais, ou para lá, ou para cá, no ponto de vista de gestão. Na minha visão, com os extremos que temos colocados com Lula de um lado e Bolsonaro do outro para no terreno da política construirmos uma terceira via. Vejo espaço no resultado de um trabalho qualificado e eficiente. E eu enxergo isso no Rio Grande do Sul e enxergo isso em São Paulo, sinceramente. Vejo no senhor um grande quadro e gostaria muito de ter longevidade nessa relação. Não podemos correr o risco de que as prévias signifiquem quem vai permanecer ou não no Psdb – disse Merisio.
O temor explicitado por Merisio em sua fala era de que o derrotado na prévia, Dória ou Leite, busque outro caminho partidário. Ao tomar a palavra, o gaúcho agradeceu a Merisio pelos elogios à gestão e garantiu que não deixa o Psdb, seja qual for o resultado. Fez um discurso de pré-candidato em que abordou pontos importantes da administração do Estado vizinho, como o fim do atraso institucionalizado no pagamento de salários do funcionalismo, privatizações e esforço fiscal. Citou, também, a entrevista que concedeu a Pedro Bial, na Rede Globo, em que revelou ser gay. Impressionou boa parte dos tucanos reunidos, embora não tenha voltado para Porto Alegre com a garantia de apoio dos catarinenses na prévia. Algumas simpatias, talvez.
No âmbito local, continua a impressionar a sintonia entre Merisio e Clésio. O ex-pessedista voltou a frisar que não é necessariamente candidato ao governo e chamou o tucano de Criciúma de “nosso líder eleitoral”, em referência a suas votações para prefeito. Clésio, por sua vez, tem garantido que Merisio é seu pré-candidato. Um movimento que parece bem ensaiado entre ambos. Ensaiada, ou não, o que me chamou atenção foi uma fala de Merisio sobre como enxerga o ninho tucano, agora de dentro.
– Vim do Psd, ajudei a construir o partido, fizemos 70 prefeituras, conheço todos os prefeitos, mas não via lá o que vejo no Psdb. Uma safra de prefeitos absolutamente equilibrada, com uma visão muito clara da gestão, com princípios muito semelhantes. Parece combinado, mas não é. É fruto de um ambiente – disse Merisio, que também fez elogios à condução partidária de Geovânia de Sá.
Sobre as fotos em destaque:
Eduardo Leite foi de Moisés a Merisio em poucas horas em Florianópolis na última sexta-feira. Fotos: Júlio Cavalheiro, Secom; Thiago Silva, Psdb-SC.