Para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nunca é problema abrir mais um front em seus campos de batalha. Não bastasse a trincheira permanente contra adversários reais e imaginários da esquerda e o confronto aberto contra o Supremo Tribunal Federal (Stf), o presidente está conseguindo reativar a frente contra os governadores, que andava morna depois do auge das disputas na época das medidas mais rígidas de combate à pandemia implantadas pelos Estados em 2020. A tensão entre os poderes é tema de uma reunião entre os governadores, com 24 deles confirmados – incluindo Carlos Moisés (sem partido), que vinha evitando incluir-se em atos que pudessem ser lidos como hostis a Bolsonaro.
O clima de crise institucional motiva o reencontro dos comandantes estaduais, mas o engajamento também indica o incômodo com a nova tentativa do presidente de jogar no colo dos governadores a alta dos combustíveis – insinuando que a culpa pelo valor que chega a R$ 7 reais o litro da gasolina na bomba é reflexo do ICMS, principal imposto estadual.
Em Santa Catarina a alíquota é de 25%, enquanto a incidência de impostos federais é de 11,6%. É uma discussão inócua se desapartada de uma reforma que simplifique a tributação sobre o consumo e compense os Estados por eventuais perdas. O ICMS é a principal fonte de arrecadação dos Estados, o que torna impossível, na prática, uma ampla redução de alíquotas. O mesmo não acontece com os tributos federais – desconsiderando, inclusive, que 32,9% do preço da gasolina é lucro dos acionistas da Petrobras, governo federal à frente, e o impacto da cotação do dólar nessa equação. Como se vê, a provocação aos governadores é mera narrativa para a rede social e mais um flanco imaginário de combate do governo Bolsonaro.
Assim, os governadores retomam a mesa, mesmo aqueles que fugiam dela. Os únicos nomes não confirmados no encontro da manhã desta segunda-feira eram os que ainda podem ser chamados de bolsonaristas: Ratinho Júnior (Psd do Paraná), Cláudio Castro (Pl do Rio de Janeiro) e Mauro Carlesse (Psl do Tocantins). É um retrato do isolamento político a que se impõe o presidente em meio a tantas batalhas – apesar da aliança com o Centrão que lhe garante governabilidade e alguma proteção no Congresso Nacional.
Dia desses, eu disse que Moisés não voltaria a escrever cartas de repúdio a atos do governo Bolsonaro. Foi com esse tipo de carta e algumas entrevistas que o governador catarinense cavou um fosso intransponível com o presidente e os bolsonaristas em 2019. Arrependido, tentou uma reaproximação para a qual Bolsonaro nunca abriu brecha e nem dá sinais de que pretende abrir. Mesmo assim, a estratégia palaciana era não ampliar esse fosso, fugir da pecha de traidor que é aplicada pelo séquito do presidente ao governador. Semana passada, Moisés não assinou a carta de governadores em apoio ao Sft. Não participar de uma reunião com ampla adesão, no entanto, seria mais difícil.
Recentemente, Moisés recebeu na Casa d’Agronômica os governadores tucanos João Dória (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) – ambos pré-candidatos a presidente da República. Eles dão a cara francamente oposicionista a qualquer clube de governadores de que participem. Moisés deve ser instado a alinhar-se a uma posição mais dura contra o Planalto, mas também pode usar a velha experiência como bombeiro para amenizar a posição do grupo. Até porque, entre os 24 confirmados, existem nomes que continuam próximos do Bolsonaro, como o governador mineiro Romeu Zema (Novo), que hoje não teria dificuldades de caminhar junto com o presidente em seu projeto de reeleição em Minas Gerais.
Sobre a foto em destaque:
As reuniões de governadores foram frequentes em 2019 e começaram a rarear após a pandemia. No registro, um encontro de governadores do Sul-Sudeste em São Paulo, quando Moisés estava alinhado a Eduardo Leite, João Dória e Romeu Zema. Na foto, Moisés está à direita deles. Na política, ao centro. Foto: Flickr do Governo de São Paulo, Divulgação.