Na sexta-feira, o governador gaúcho Eduardo Leite (Psdb) veio para Santa Catarina para uma agenda administrativa e outra partidária. Por onde andava, o assunto era a entrevista concedida na noite de quinta-feira ao programa Conversa com Bial, da Rede Globo, em que falava abertamente pela primeira vez sobre sua orientação sexual. Após o encontro com o governador Carlos Moisés (Psl) para falar de obras em rodovias na divisa entre Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e pouco antes de participar de um encontro do Psdb catarinense em que se apresentou como alternativa na prévia nacional que decide o nome tucano para a presidência da República, Eduardo Leite concedeu entrevista exclusiva para mim e para o jornalista Adelor Lessa.

Ouça a entrevista dada à Rádio Som Maior:

Leia a íntegra da entrevista:

Adelor – O senhor está mapeado para disputar as prévias do Psdb, se acontecerem, e tem três candidatos que são considerados dois nomes tradicionais do partido, que são o senador Tasso Jereissati (Ceará) e João Dória, governador do maior Estado, São Paulo. Como enfrentá-los? Qual é a sua estratégia para superá-los havendo a disputa? 

Acho que é o momento que a gente discute dentro do partido quem é que, do ponto de vista eleitoral, tem o estilo que melhor possa representar o Psdb. O governador João Dória faz um trabalho importante em São Paulo. Tem um mérito inegável na questão da vacina. O senador Tasso Jereissati é uma referência, fez um trabalho fenomenal no Ceará, como governador, historicamente reconhecido. Como senador, cumpre um papel importante no Senado. O ex-senador e ex-prefeito (de Manaus-AM) Arthur Virgílio tem também o seu trabalho e a sua contribuição. A gente não está numa disputa de quem é melhor em termos políticos ou de gestão, mas em  uma oportunidade para que o partido entenda qual o estilo comunicação, de atuação política, quem o partido entende que possa ser a cara do Psdb na próxima eleição. Eu vou fazer o meu trabalho nessas prévias não mais do que me apresentar e buscar sensibilizar os meus correligionários de que tem em mim uma possibilidade de uma alternativa. Um rosto novo e, ao mesmo tempo, com o trabalho já prestado. Fui prefeito, sou governador do Rio Grande do Sul. Tivemos que trabalhar para superar uma crise fiscal muito profunda. Eu assumi o governo do Rio Grande do Sul com os servidores com três anos de atraso no seus salários. Colocamos os salários em dia, colocamos repasses aos municípios em dia, repasse para os hospitais em dia. Agora, a gente começa a fazer investimentos. De certa forma, a vida me reservou a oportunidade de enfrentar crises, dificuldades. Eu tive a oportunidade de aprender muito, enfrentando e vencendo esses desafios. A gente sabe que o Brasil vai ter um desafio tremendo na superação da pandemia. Esperamos que em 2023 já esteja superada do ponto de vista sanitário com a vacinação já superando o vírus, mas ainda com os efeitos de uma crise  econômica e também dificuldades nas contas públicas. Vamos lembrar que o déficit nas contas públicas, nas contas do governo, saiu R$ 150 bilhões no final do governo anterior (Michel Temer, do Mdb) para mais de R$ 800 bilhões ano passado em função da crise e da necessidade de aporte de recursos em diversas frentes. Isso vai demandar uma ação muito clara de reestruturação da máquina pública, de reformas, para que a gente possa melhorar o ambiente econômico e gerar crescimento pro país. Vou discutir esses temas com o partido e mostrar meu rosto pra que eles entendam que, eventualmente eu possa dar alguma contribuição nesse processo eleitoral. 

Upiara – O Brasil já vive hoje na prática o maior segundo turno da história entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula. Há muito tempo, no entanto, para esse segundo turno de fato acontecer. Que discurso que o senhor acha que pode fazer o eleitor, ou pelo menos parte dele, se apaixonar pelo que hoje a gente chama de terceira vida? 

A gente tem que mostrar justamente que política não é sobre abrir feridas novas, não é sobre ficar cutucando as feridas existentes, é sobre cicatrizar feridas. Política é exatamente a capacidade da gente trazer a população para um projeto, para construir algo e não para ficar destruindo um ao outro.

A gente está gastando muita energia no Brasil para destruir uns aos outros, é isso que eu quero ter a oportunidade de mostrar. Eu não entro nesse processo tentando destruir Lula, tentando destruir o Bolsonaro, nem tentando destruir ninguém. Eu quero propor um caminho para construir um país que volte a se conectar com a esperança em relação ao seu futuro.

Veja que acabou de sair uma pesquisa agora há poucos dias em que metade dos jovens brasileiros deixariam o país se pudessem. Isso é muito grave, estão roubando da nossa gente a esperança no futuro. Depois de ter roubado dinheiro público. Agora a gente vê aí nos episódios das vacinas também a tentativa, tudo indica, de também roubar recursos na compra de vacinas, mas, além de tudo, roubam o nosso futuro, porque o país cresce pouco ou quase nada. Quando o mundo cresce economicamente, a gente cresce menos. Quando o mundo cai, a gente cai mais. Isso vai nos subtraindo, vai nos tirando a perspectiva de futuro. Então, a gente tem que falar com as pessoas, com a população, não sobre a tentativa de destruir o outro, mas a tentativa de construir algo novo para o país. E é nesse sentido que eu acho que a gente pode sensibilizar e resgatar a esperança do povo brasileiro. Porque se estão nessa polarização esses dois candidatos nesse momento, é importante lembrar também que as pesquisas indicam um altíssimo nível de rejeição a cada um deles. A rejeição de um alimenta o outro, nessa tentativa de destruição. Por isso que eu entendo que se a população começar a conhecer alternativas, ela pode, sim, ser sensibilizada a voltar a acreditar no futuro do nosso país. 

Adelor – O senhor não acredita na repetição da onda Bolsonaro? 

Parece muito difícil, né? Eu entendo o eleitor em 2018 optando por Bolsonaro. No segundo turno, eu mesmo diante do cenário que nós tínhamos entre duas candidaturas (Bolsonaro contra Fernando Haddad, do Pt), manifestei o voto (em Bolsonaro). Não fiz apoio. Apoio é sair pedindo votos, é fazer campanha conjunta. Isso nós nunca fizemos. Diante daquela opção que se apresentava, a outra tendo gerado uma enorme frustração. O Pt, pelos casos de corrupção e, mais do que isso, pelo modelo econômico que gerou milhões de desempregados, nós entendíamos que não podia voltar ao poder.

Entre as duas opções, aos olhos de um país que precisava recuperar-se economicamente para reincluir a população, a gente precisava arriscar na esperança de que pudesse ser algo de diferente. E a frustração é gigantesca, né? Mesmo que as expectativas também não fossem tão altas em função de um passado de muito conflito, de muito confronto do então candidato Bolsonaro.

Lamentavelmente, o presidente aposta no conflito, nas agressões. Isso faz perder muita energia, porque você desvia uma energia que devia tá sendo debruçada para atacar os problemas simplesmente em atacar as pessoas. Se é para fazer política do contra, tem que ser contra a miséria, contra a corrupção, contra o poder pelo poder, contra a inflação. É aí que tem que estar a nossa energia e não em ir contra alguém. Não é pra destruir os outros. Então, parece que aos poucos a população vai percebendo no governo Bolsonaro a falta de um projeto, a falta de uma agenda clara para o país, um desperdício de energia. Mas eu não entrando nesse processo com o intuito de atacar um ou outro, eu quero falar do Brasil que pode ser. 

Upiara – O Psdb por muito tempo, muitas eleições seguidas, foi o portador do voto anti-petista. Até o momento em que o anti-petista descobriu outra opção em Bolsonaro. Isso deu uma desinflada no Psdb, levou o partido para o divã. Que Psdb que o Psdb quer ser?

Ali em 2018 existia um eleitor, como eu disse, machucado com o Pt, pela frustração que o governo do Pt gerou na população, mas a gente tem que fazer do ponto de vista partidário o mea-culpa de um partido que também teve, o Psdb, casos de corrupção ou denúncias envolvendo filiados, lideranças políticas do partido. Isso gerou no eleitor um sentimento de chutar o pau da barraca. Só que gente chuta o pau da barraca, a barraca cai na cabeça da gente. Foi, de certa forma, o que acabou acontecendo. O Psdb tem um programa partidário, uma visão de Estado que me representa porque ele é liberal para economia, dando espaço para a iniciativa privada, estimulando o investimento privado, buscando melhorar o ambiente de negócios. Olha para o Estado com uma visão moderna de redução do tamanho da máquina, de colocar o Estado onde ele realmente tem que estar, que é a visão social democrata de um partido que pensa o Estado colocando a sua energia em promoção social, em apoio à inclusão, respeito às diferenças, o necessário investimento na educação para promover a redenção. Para você ter uma perspectiva de futuro, tem que melhorar a qualidade do capital humano, formando melhor as nossas pessoas, os nossos jovens. Então, esse é o Psdb que tem que ser resgatado, com um projeto, uma agenda para o país. 

Adelor – Em 2018 o Pt foi para o segundo turno contra o Bolsonaro, que ganhou a eleição em uma faixa pequena de votos (55,13% contra 44,87% de Haddad). Agora, em 2022, o Pt volta com o Lula, que é o titular. Em 2018 não foi candidato pelas circunstâncias, a prisão, etc. Agora com o Lula solto e podendo ainda fazer o discurso da vitimização pelos processos anulados e tal. Como o senhor vê o peso do Pt e como é que o eleitor vai reagir ao Lula na eleição de 2022? 

Tenho 36 anos de idade. A minha geração e a que vem pela frente tem menos apego às coisas materiais. Não tem a intenção de se apossar das coisas. Já é menos interessante aos jovens hoje em dia ter carro, por exemplo. O jovem quer ter acesso aos locais e poder se deslocar, usa um aplicativo pra isso. Já não é interessante, eventualmente, ter a posse de um imóvel, a compra da casa própria. Não tem problema viver de aluguel e colocar o dinheiro em outros investimentos. Por que eu estou dizendo isso? Porque eu trago isso pra política também. Eu acho que é menos sobre se apossar cargos, cadeiras e posições na política. Tanto é que eu não concorri à reeleição como prefeito, não concorrerei à reeleição como governador e se for eventualmente um presidente da República, também não concorrerei à reeleição. Eu acho que o instituto da reeleição foi mal assimilado no Brasil. Mais do que isso, o próximo Presidente da República, se for candidato à reeleição, no dia um ele passa a ser atacado por bolsonaristas e por lulopetistas e antecipa a tensão eleitoral, inviabilizando o próprio governo e prejudicando o país. Eu acho que é importante que o próximo presidente tenha esse desapego. Pensar no que tem que fazer, mais do que sobre o seu processo eleitoral. Por que que eu estou trazendo isso em uma pergunta que foi sobre o Lula?

Porque o Lula é exatamente a antítese disso. Lula concorreu (a presidente) em 1989, em 1994, em 1998, em 2002 e em 2006. Em 2010 protagonizou o processo político com a sua candidata (Dilma Rousseff), em 2014, estava lá novamente, em 2018 tentou ser candidato e agora vai tentar em 2022. Não é possível a gente admitir que o país não tenha capacidade de em trinta anos encerrar um capítulo e abrir novas páginas na sua história.

Nós temos que chamar atenção da população para que há, sim, caminhos alternativos para o país. 

Upiara – Há uma repercussão imensa sobre a entrevista que o senhor concedeu ontem (quinta-feira), falando sobre a sua orientação sexual. Eu estava olhando suas redes, seu Instagram agregou cerca de cem mil pessoas em um dia. O senhor esperava essa repercussão, não só da rede social, mas também das pessoas que se manifestaram?

Da última vez que eu vi, eram em torno de 120 mil seguidores de ontem de noite para (tarde de sexta-feira). É interessante isso e eu fico especialmente feliz por ser tão bem acolhido. Tantas mensagens de apoio, de carinho, de afeto. Mais emocionado ainda por inúmeras mensagens que recebo de pessoas que se sentem aliviadas porque junto comigo estão se sentindo seguras para falar para suas famílias, amigos, enfim, como algum exemplo que eu possa ter dado para elas e ajudado em uma causa que não é outra se não a da igualdade, a do respeito às diferenças. Não é tentar impor uma cultura, uma visão específica de mundo a ninguém. É simplesmente ser o que se é. O que eu falei nessa entrevista é sobre integridade. O Brasil carece de integridade na melhor acepção da palavra que é, ser íntegro, ser por inteiro, não ser pela metade, nem por uma parte. E nessa busca de demonstrar a importância da integridade, eu creio ter podido ajudar muitas pessoas a evitar que cortem um pedaço de si, da sua essência, da sua forma de ser, alterando ou se forçando a viver o que não são para atender uma norma, uma forma de entender como as pessoas devam atuar ou se orientar sexualmente. Agora não é o centro da questão. Eu fiz esta declaração justamente pra encerrar piadas, boatos, ataques que se intensificam. 

Upiara – Isso que eu ia perguntar. O senhor se elegeu prefeito e se elegeu governador sem precisar expressar a orientação sexual. Convivendo com rumores, com insinuações, com piadas, como o senhor mesmo falou. O que levou o senhor a decidir que este era o momento de falar sobre isso?

Em primeiro lugar, eu sou um ser humano como qualquer outro. Tenho as minhas inseguranças, minhas incertezas. Você se questiona como é que as pessoas no entorno vão reagir, a família, como é que vai lidar, os amigos. Então, eu nunca escondi, nunca tentei fazer crer que era outra coisa, nunca menti para ninguém que fosse o que eu não sou desde o momento em que eu me entendi gay. Eu simplesmente não falei sobre o assunto porque eu entendo que a política é sobre o que eu posso tocar na vida dos outros. A orientação sexual de uma pessoa toca na vida dela, mas não toca na vida dos outros.

Como governador eu toco na vida das pessoas pela minha capacidade de gestão e não por ser ou não ser gay ou hétero, ou seja o que for. Infelizmente a gente vive em um país que ainda está com esse tema especialmente sensível por conta de uma liderança equivocada. O presidente Jair Bolsonaro patrocina discurso de ódio e de ataque às diferenças. Isso é muito ruim, porque a riqueza do nosso país está muito na diversidade.

A riqueza da biodiversidade que nós temos, do ponto de vista natural, ambiental e que está totalmente ameaçada por falta de cuidado com o meio ambiente, com o desmatamento. E do lado pessoa, se poda a nossa gente ao tentar convencer a população de que existe um jeito certo de ser e de se comportar. Não, as pessoas são diferentes. Nós temos cores, raças, gêneros, orientação sexual, religiões, histórias de vida, culturas, pessoas com deficiência. Tantas diferenças, essa diversidade que a gente tem na população brasileira nos torna mais ricos, nos torna mais criativos. Isso tem que ser corretamente apoiado, estimulado como uma oportunidade econômica, inclusive. Neste momento em que o país vai me conhecendo um pouco mais, para que não me conheça pela metade, que me conheça por inteiro, eu não tenho nada a esconder. Quem tem a esconder são eles, que têm que esconder rachadinha, mensalão, petrolão, compra vacinas que precisam ser explicadas. Eles têm algo a esconder de errado. Eu não tenho nada de errado a esconder. A minha orientação sexual não é nada de errado, me sinto orgulhoso de ser quem eu sou e me apresentar integralmente com integridade para a população. 

Adelor – O senhor avaliou desdobramentos, reflexos, efeitos sob o ponto de vista eleitoral, político? O que o senhor está esperando de reação da sociedade, do eleitor, do cidadão, considerando a média do eleitorado brasileiro? 

Nunca tive preocupação com a questão eleitoral. Se fosse pela preocupação eleitoral, não teria concorrido com 27 anos a prefeito, quando me diziam que eu devia concorrer à reeleição como vereador porque eu era muito jovem. Eu desafiei a lógica, concorri a prefeito e me elegi prefeito. Quando fui concorrer a governador,  também me disseram novamente que 33 anos para governador era muito jovem. Desafiei essa lógica. Virando governador, eu desafiei a lógica também de enfrentar interesses corporativos muito fortes. Mexer na carreira dos professores, por exemplo. Fazer uma alteração no plano de carreira dos professores que há 45 anos não se fazia por interesses corporativos muito fortes. Privatizações no Rio Grande do Sul eram um tabu há muito tempo. Vender a companhia de energia, a companhia de gás, tudo isso era proibido de se falar no Estado e nós enfrentamos essa lógica. Então, quando eu venho a público e falo sobre a minha orientação sexual, eu estou desafiando a lógica também, porque a lógica diz que é um tema sensível do ponto de vista eleitoral, mas eu estou fazendo isso com a convicção de que é a coisa certa, independentemente da repercussão eleitoral que vai ter. Eu já estou muito feliz por ter tocado na vida das pessoas, de alguma forma, por dar algum exemplo e ajudá-las. Independentemente da repercussão eleitoral que tiver, eu me sinto tranquilo, feliz,  tendo dado a minha parcela de contribuição a uma causa que não é a causa LGBT, é uma causa da igualdade e do respeito entre as pessoas acima de tudo.


Sobre as fotos:

Entrevista com Eduardo Leite foi gravada pouco antes do encontro do Psdb-SC realizado na tarde de sexta-feira. Foto: Thiago Silva, Psdb-SC.

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