Nas últimas semanas, a Assembleia Legislativa entrou em uma polêmica daquelas que lembra a pessoa que atravessa a rua para pisar na casca de banana que está na outra calçada. Diante da escassez de voos regionais e das altas tarifas praticadas, surgiu em uma reunião da Bancada do Oeste ideia de licitar o fretamento de aviões para trazer os deputados estaduais mais prejudicados pela dificuldade de locomoção. É o tipo de ideia que pode funcionar nas planilhas de custo (afinal as passagens a preços proibitivos já são pagas), mas que um observador atento deveria ter dito que a chance disso não ser muito mal assimilado fora do Palácio Barriga Verde era quase nula.

Pois foi o que aconteceu, a partir da repercussão dada pelo jornal Notícias do Dia à questão. Alguns deputados, especialmente Sargento Lima (PL), correram para criticar a medida e o caso ficou no ar (consegui evitar o uso do literalmente, mas cabia). Durante sessão na semana passada, o presidente Mauro de Nadal (MDB) se queixou sobre a forma como o episódio ganhou destaque na mídia tradicional e nas redes sociais “por pessoas descomprometidas com a verdade”. Explicou que a licitação foi cancelada porque a única empresa que se apresentou não atendeu aos requisitos do edital e falou da racionalidade da ideia. Garantiu que sua passagem pela presidência “se pauta pela transparência e pelo zelo com o dinheiro público”.

A polêmica parece ter se encerrado e o episódio tem tudo para entrar no imaginário popular como mais uma regalia na lista de mordomias dos parlamentares e políticos em geral – mesmo que não esteja. É preciso ter cuidado com essas ideias simples e completamente equivocadas para resolver problemas complexos. Até porque se espera dos deputados estaduais que busquem soluções para resolver a histórica dificuldade de oferta de voos entre as cidades catarinenses para toda a população – não apenas para seus 40 integrantes. Na última vez que tentaram, falharam.

Em 2019, durante as tentativas do governo Carlos Moisés de mudar a política de benefícios fiscais, entraram em pauta as estratégias para vincular os incentivos no ICMS do querosene de aviação à oferta de voos pelas companhias aéreas. A ideia era trazer para Santa Catarina modelos de incentivo que têm dado certo em outros Estados do país. Recém-chegada ao Estado, a Floripa Airport, concessionária do Aeroporto Internacional Hercílio Luz, em Florianópolis, entrou de cabeça nas discussões, mas teve dificuldades no diálogo com governo do Estado e com a própria Assembleia Legislativa – ambos reféns de suas teses.

À época, prevaleceu a tese de dar o incentivo máximo a quem tivesse voos para os seis principais aeroportos do Estado. Apenas a companhia Azul tinha aeronaves que poderiam operar em todas as unidades, reduzindo muito o potencial do benefício. Na época, os suíços de Florianópolis alertavam que o modelo deveria dar desconto maior no ICMS a quem garantisse mais voos e não mais aeroportos atingidos. Passados quatro anos, com os deputados pensando em alugar jatinhos por falta de voos, não é difícil perceber onde estava a razão.

O tema estará de volta à mesa em breve. Não só para os 40 deputados estaduais, mas para toda a sociedade catarinense. Na última sexta-feira, entrevistei o secretário estadual Beto Martins (PL), de Portos, Aeroportos e Ferrovias, durante o quadro Plenário, na Rádio Som Maior. Ele garantiu que em duas semanas o governador Jorginho Mello (PL) remete ao parlamento estadual um projeto sobre o tema.

– Dentro dos próximos dias, o governo apresenta à Assembleia Legislativa uma nova lei de incentivo ao querosene de aviação para poder atender às demandas que as companhias aéreas vinham pleiteando em relação a Santa Catarina. Estávamos muito aquém do que oferece, por exemplo, Rio Grande do Sul e Paraná. Vamos ter um índice de exigência de produtividade, de mais voos no Estado, de mais aeroportos atendidos, que vai nos permitir consolidar essas companhias em mais aeroportos – disse Beto Martins.

O secretário garantiu que os erros de 2019 não serão repetidos. É importante que o tema ganhe a visibilidade que merece – e me comprometo com isso aqui neste espaço e em todos os outros de que participo. A aviação regional em Santa Catarina precisa deixar de ser um assunto tratado a portas fechadas.


Sobre a imagem em destaque:

Aviões de Azul, Latam e Gol na pista do Aeroporto Internacional Hercílio Luz, em Florianópolis, administrado pela Floripa Airport. O desafio é levar as companhias aéreas para as demais cidades do Estado. Foto: Ricardo Wolffebüttel, Divulgação.

Compartilhar publicação: