Faltou um voto para a Assembleia Legislativa aprovar o projeto que criava incentivos financeiros para servidores públicos estaduais contratados antes de 2015 aderirem ao fundo complementar de previdência SC Prev. A medida era considerada pelo governo Carlos Moisés (ex-Psl) um complemento fundamental à reforma previdenciária aprovada em agosto, mas esbarrou em um adversário que não estava previsto nas pranchetas da articulação política do Centro Administrativo: uma polêmica criada pela interpretação de um artigo que permitiria a adesão de deputados estaduais e comissionados de diversos poderes ao fundo, encarada como a criação de uma aposentadoria especial.

Durante dois dias, governo estadual e base aliada no parlamento viram o tema acessório virar um monstro que comeu a agenda principal. Talvez pela ideia de que o próprio teor do projeto já tinha potencial de gerar resistências na sociedade ao conceder bônus de valores que podiam chegar à casa do milhão de reais para funcionários da elite do funcionalismo aderirem ao SC Prev, o Centro Administrativo foi tímido na reação à interpretação exagerada de que estava em gestação um privilégio para a classe política e seus apaniguados. O tema cresceu em setores da imprensa e ganhou as redes sociais. Em plenário, parte da base ruiu. A proposta teve 20 votos favoráveis e 14 contrários, quando precisava de 21 votos para aprovação.

O governo parece só ter entendido a dimensão do problema nesta quarta-feira. Na manhã, na reunião conjunta das principais comissões, o relator Valdir Cobalchini (Mdb) e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (Ccj), Milton Hobus (Psd), reagiram com veemência à tese de que a proposta permitia adesão imediata de deputados estaduais e comissionados no SC Prev, recebendo do Tesouro Estadual a contrapartida mensal de 8% sobre os valor que ultrapassasse R$ 6,4 mil em seus salários. Era tarde. A ideia de que dinheiro público ia ajudar a bancar aposentadoria de político já ganhara as redes como rastilho de pólvora, trazendo consigo notas de repúdio da Oab-SC, da Fiesc e da Facisc.

O que deveria ter sido dito desde o começo e estar explicito nas linhas e entrelinhas da proposta estava na fala indignada de Milton Hobus (Psd) nas comissões. A proposta trazia uma série de autorizações para futuras adesões ao SC Prev, mas nenhuma delas era automática. No caso dos deputados estaduais, dependeria de convênio entre Alesc e Iprev, aprovado em plenário, com regulamentação própria. A contrapartida de 8% não consta na proposta em discussão – embora a vedação a seu pagamento também não estivesse explicita.

A questão envolvendo os deputados estaduais e comissionados estava longe de ser o ponto principal do projeto. A ideia básica é convencer os funcionários que ingressaram no serviço público estadual antes de 2015 a trocarem o deficitário fundo previdenciário atrelado ao Tesouro Estadual pela capitalização individual no SC Prev. Essa troca era incentivada por um bônus financeiro baseado no salário e no tempo de serviço do funcionário, depositado diretamente na conta deste servidor no Iprev. Um chamariz para as carreiras de altos salários, especialmente na Fazenda, no Judiciário, no Ministério Público de Santa Catarina e no Tribunal de Contas do Estado.

Como dizem os italianos, jogou-se fora o bebê junto com a água do banho. Com a resposta tardia do governo à desinformação generalizada, ficou impossível desassociar a proposta da ideia de que estava sendo concedido um benefício espúrio a políticos. A oposição deitou e rolou – Sargento Lima (Psl) especialmente. A bancada do Pt, que é oposição a Moisés quando o tema é previdência, votou unida contra a proposta, assim como Bruno Souza (Novo). Unidos por (diferentes) questões ideológicas. Faltou ao governo um voto, que deveria ser de Ricardo Alba (Psl), mas entre o governo Moisés e as redes, ele preferiu as redes – igualzinho como fez na votação da abertura dos processos de impeachment em 2020.

Com certa esperteza, o presidente Mauro de Nadal (Mdb), que normalmente não vota, tentou registrar o voto decisivo quando surgiu o placar. A manobra foi imediatamente registrada por João Amin (Progressistas), que também trabalhou contra a aprovação. O emedebista, encabulado, limitou-se a dizer que o progressista tinha razão. O governo ainda tenta entender o que deu errado em uma proposta que tinha como aprovação certa e que virou um cavalo de batalha. A Alesc tenta se livrar da imagem de que tentou criar um trem da alegria só impedido pela reação da sociedade. Uma coisa é certa: ano que vem o bebê que foi jogado fora junto com a água para o banho voltará para o plenário. Um pouco mais velho, mais escolado, mais esperto, talvez seja aprovado. Seria interessante, nesse aprendizado, excluir o acessório incômodo que criava a brecha para futuro convênio de aposentadoria parlamentar quando tema voltar à agenda do governo e do Estado.

Veja com votaram os parlamentares:


Sobre a foto em destaque:

Depois da hora, Mauro de Nadal (Mdb) tentou dar o voto que faltou e que o governo esperava que viesse de Ricardo Alba (Psl, ao fundo). Foto: Bruno Collaço, Agência AL.

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