Governadores precisam tomar decisões difíceis que serão analisadas e julgadas por quem não precisa tomar decisões. É inerente ao cargo, seja Jorginho, Carlos, Raimundo, Luiz, Esperidião, Paulo, Vilson ou Pedro o seu ocupante. Nenhum deles teve ou tem o direito de reclamar – pediram para governar o Estado. No sábado, o governador Jorginho Mello (PL) decidiu que faria o fechamento das duas comportas da barragem de José Boiteux, abandonada há cerca de dez anos, mesmo que houvesse resistência dos indígenas que vivem na reserva Laklaño Xokleng, onde se localiza o equipamento e que nem mesmo a Defesa Civil tivesse plena certeza de que os possíveis ganhos com sua utilização seriam superiores aos riscos.
Governadores precisam decidir. Jorginho decidiu e será julgado pelos efeitos dessa decisão – e, não menos importante, sobre como foi executada essa decisão. Pesou a avaliação de que com as comportas de José Boiteux fechadas a cheia em cidades com o Blumenau poderia alcançar dois metros menos – o rio Itajaí-Açu passou dos 10 metros na maior cidade do Vale do Itajaí. Há muito do estilo Jorginho nessa decisão: ele preferiu lidar com as consequências do ato a explicar a não ação. Nesta terça-feira, a constatação é de que a ação evitou uma tragédia maior nas áreas urbanas da região.
Ainda há questões a serem explicadas e entendidas envolvendo o acordo intermediado pelo Ministério Público Federal (MPF) com povo Xokleng – parte dele, dívidas históricas do Estado, os demais pontos compensações às perdas causadas pelo represamento da água na reserva, atingindo casas e plantações. O uso ostensivo e a truculência da Polícia Militar para garantir acesso à barragem causou revolva e quebra de confiança, apontam lideranças políticas. Há relatos de que divisão entre os indígenas que aceitavam e os que não aceitavam o acordo feito com o cacique Setembrino Camlem, eleito em agosto para o cargo, como informou a colega Dagmara Spautz.
Certo é que há uma relação para ser reconstruída e isso não pode ser negligenciado – da mesma forma que a barragem como instrumento de proteção contra as cheias também não pode ficar uma década ignorada. Na segunda-feira, essa reconstrução recomeçou com a participação de representantes do Ministério dos Povos Indígenas, da Funai, entidades ligadas aos povos indígenas, o deputado estadual Marquito (PSOL) e, pela parte do governo estadual, representantes da Secretaria de Assistência Social.
Um passo tímido, mas que garantiu um novo acordo, com a Polícia Federal ocupando o lugar da Polícia Militar, atendimentos as demandas previamente acordadas com os indígenas e o compromisso de que o Estado continuará tendo acesso à barragem. Marquito relata que das nove comunidades que formam a Laklaño Xokleng, pelo menos seis estão isoladas pelo alagamento causado pelo fechamento das comportas da barragem e que há pessoas doentes e debilitadas. O Estado tem o dever de cumprir sua parte no acordo e atender os Xokleng.
Santa Catarina construiu nas últimas décadas um robusto sistema de proteção contra enchentes, especialmente no Vale e no Alto Vale do Itajaí. Um sistema feito de barragens, radares e um moderno centro do operações instalado em Florianópolis, mas também de uma cultura de prevenção, de trabalho conjunto entre as defesas civis do Estado e dos municípios e de respeito às orientações pela população. Esse sistema, até agora, mostrou eficiência, mesmo que não possa sozinho impedir que vejamos imagens desoladoras como as que acompanhamos em Taió e Rio do Sul.
Muito desse sistema tem as digitais do ex-deputado estadual e ex-prefeito de Rio do Sul, Milton Hobus (PSD), quando ocupou o cargo de secretário estadual da Defesa Civil no governo de Raimundo Colombo (PSD). O ex-governador pessedista, aliás, deu status de Secretaria de Estado à Defesa Civil, e colocou um de seus melhores quadros no comando. Algo retomado agora por Jorginho Mello, depois do rebaixamento no governo de Carlos Moisés (Republicanos). Como o passado não garante o futuro, o trabalho não pode parar e nem esperar que o clima colabore. Tudo indica, negacionistas à parte, que este é o novo normal.
Sobre a imagem em destaque:
Governador Jorginho Mello sobrevoa áreas atingidas pelas cheias no Alto Vale com o coronel Fabiano de Souza, comandante do Corpo de Bombeiros Militar. Foto: Roberto Zacarias, Secom-SC.