A novela da formação da frente de esquerda em Santa Catarina vai chegando ao final – e como em toda novela, alguns personagens ficam pelo caminho. No final da noite de quarta-feira, em reunião virtual da executiva do Psb-SC, o senador Dário Berger (Psb) confirmou os rumores que vinham desde o final de semana de que aceitaria concorrer à reeleição e deixar o caminho livre para a confirmação do ex-deputado federal Décio Lima (Pt) como candidato ao governo no bloco de partidos que fará o palanque estadual da candidatura presidencial de Lula (Pt).
O nome de Décio Lima já estava consolidado estadualmente, com apoio de sete dos oito partidos que constroem a coalização – Pt, Pc do B, Pv, Solidariedade, Psol e Rede. Restou ao Psb tentar levar a decisão para a esfera nacional, utilizando os caciques pessebistas para tentar sensibilizar Lula a arbitrar a questão em favor do senador. Semana passada, Dário e o presidente estadual do Psb, Claudio Vignatti, conseguiram chegar a Lula e ouviram dele que seria melhor o ex-emedebista tentar continuar no Senado, atuando na base governista em caso de vitória de ambos. Ou seja, foram a Brasília em busca de uma intervenção, não conseguiram, mas trouxeram em compensação uma narrativa para a desistência da pré-candidatura ao governo: um apelo de Lula em nome da unidade.
– Na semana passada estivemos, eu e o Dário Berger, com o ex-presidente Lula e com o ex-governador Geraldo Alckmin onde recebemos um pedido para que o Dário fosse o candidato ao Senado, fortalecendo o palanque do Lula em Santa Catarina e não vejo como dizer não a um pedido desses – disse Vignatti na nota oficial que confirmou a nova posição.
A equação traz ganhos e perdas para a frente de esquerda. Eleitoralmente, é inegável que uma candidatura de Dário à reeleição no Senado tem mais densidade que o retorno do ex-deputado federal Jorge Boeira (Pdt) às urnas depois de um hiato de quatro anos. É um nome acostumado às majoritárias e que vai contar com estrutura estadual para tentar fazer história: Santa Catarina não reelege um senador desde 1924, ainda na República Velha, quando Lauro Müller conquistou seu quarto mandato.
As perdas, no entanto existem. Embora nunca tenha subido na garupa e nem anunciado voto no presidente Jair Bolsonaro (Pl), Dário construiu sua carreira política longe das esquerdas – tirando um ou outro elogio à ex-presidente Dilma Rousseff (Pt) quando era prefeito da Capital. Em uma eleição avulsa e singular como a de senador, pode acabar deixado de lado pelo eleitor lulista.
Mas a maior perda pode vir no contexto da própria frente – os personagens que não chegam ao fim da novela. O Pdt já havia se antecipado ao anúncio do Psb e mandou avisar que pode deixar o grupo se Boeira não for candidato a senador. Alega que sem a vaga, não terá espaço no palanque para apoiar a candidatura presidencial de Ciro Gomes (Pdt). A posição interna animou os grupos mais ciristas do partido, que já torciam o nariz para a presença no condomínio lulista catarinense.
O Psol, que disputava com o Pdt a vaga de senador, também mostra incômodo. O partido quer o ex-deputado estadual e vereador florianopolitano Afrânio Boppré na chapa para inclinar o discurso mais à esquerda, justamente o contrário do que significa a presença de Dário na majoritária. Questionado, o presidente estadual do Psol, Mario Dutra, explicitou o desconforto:
– A última reunião da Frente terminou sem definições. O anúncio de chapa completa nos últimos dias não passou pelo crivo da Frente. Se há um processo de exclusão do PSOL da Frente, vamos avaliar internamente nossa tática eleitoral, que deverá ser definida na convenção do dia 30 de julho – disse o dirigente, em nota.
Talvez a possível saída de Pdt e Psol (levando consigo a federada Rede) estivesse prevista nos cálculos dos engenheiros eleitorais da frente de esquerda, cada vez mais de centro-esquerda. Até agora, o maior vitorioso nessa construção é o ex-deputado estadual Gelson Merisio (Solidariedade), segundo colocado na disputa pelo governo em 2018.
Ele articulou a maioria em torno de Décio Lima e defendeu que Dário deveria ser o candidato a senador. Está disposto, inclusive, a abdicar da condição de pré-candidato a vice-governador do bloco em nome de uma mulher – pesquisas apontam que Lula tem um percentual acima da média no eleitorado feminino no Estado e ele acredita que isso possa ser canalizado para a candidatura de Décio. Merisio também tem mão forte nas definição das questões práticas da campanha, como a estrutura de marketing.
As faturas, que sempre existem, serão cobradas depois.
Sobre a foto em destaque:
Sai de cena o pré-candidato ao governo Dário Berger, surge o pré-candidato à reeleição Dário Berger. Foto: Edilson Rodrigues, Agência Senado.