No início da minha carreira como jornalista, ainda pelo jornal A Notícia em 2007, o empresário joinvilense Sérgio Rodrigues Alves foi recrutado pelo governador reeleito Luiz Henrique da Silveira (Pmdb) para comandar a Secretaria da Fazenda. A experiência durou cerca de dois anos, completada por um período a frente da Celesc, e serviu para que o atual presidente da Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (Facisc) possa dizer, com razão, que conhece “os dois lados do balcão”.

Naquela época, Sérgio Alves deu uma declaração em uma audiência pública na Assembleia Legislativa que rendeu uma manchete ao jovem repórter – ele disse: “o governo parece estar parado, mas não está”. Luiz Henrique não gostou, não queria que o governo nem parecesse parado. A história foi relembrada em uma conversa na bela sede da Facisc, com o gabinete com vista panorâmica para as pontes Hercílio Luz, Colombo Salles e Pedro Ivo Campos. Eram outros tempos, o de Sergio Alves na Fazenda. Embora a arrecadação acompanhasse o bom momento econômico brasileiro, as contas do Estado estavam estranguladas pela dívida com a União ainda não renegociadas.

Hoje, do outro lado do balcão, como dirigente empresarial, Sérgio Alves olha com notável satisfação o bom momento do caixa do governo. Elogia a gestão de Moisés por reduções de gasto e pela reforma da previdência aprovada este ano, mas também admite que a pressão da inflação sobre os preços dos combustíveis e a energia elétrica ajudam a forrar o caixa. Na mesma linha positiva, defende o uso dos recursos do Estado nas obras em rodovias federais, mas cobra que esse dinheiro seja tratado por Brasília como adiantamento, não como doação.

Na conversa, Sergio Alves defendeu o trabalho da bancada federal junto aos governos. Entende que os catarinenses choram pouco e por isso são pouco ouvidos pelos governos federais, ao contrário das bancadas do Norte e do Nordeste. Defendeu concessões iniciativa privada para obras de infraestrutura no Estado – usando como exemplo o Aeroporto Hercílio Luz e o Contorno Viário de Florianópolis, apesar dos 10 anos de atraso.

Leia a íntegra da entrevista:

O senhor tem uma característica rara. É um dirigente empresarial, mas já comandou a Secretaria da Fazenda de Santa Catarina. Como o senhor vê esse momento em que a gente percebe uma certa exuberância da máquina do Estado, em que o caixa do Estado nunca esteve tão cheio. Como a gente chegou nisso?

Eu posso dizer que estive dos dois lados do balcão. Talvez tenha uma sensibilidade um pouco melhor para algumas análises do momento, para a situação positiva que eu vejo do caixa do governo e também positiva do lado empresarial, pelo crescimento econômico que está existindo. Olhando agora, pelo lado do balcão do governo, o governo está sendo muito presente em várias justificativas e apesar dessa situação trágica da pandemia, que nos obrigou repensar algumas coisas, como a forma de nos relacionarmos, de trabalharmos, mas principalmente olhar o aspecto do custo das coisas. E o governo tem feito a sua lição de casa, fez uma coisa muito importante, que foi a reforma da previdência com o intuito de minimizar a saída do caixa.

O governo convidou a Facisc para participar das discussões dessa reforma?

Ele convidou. Estivemos algumas vezes vendo qual era o propósito, discutindo quais objetivos, e eu acho que ajudei a contribuir por entender como representa o déficit previdenciário nas contas do governo.

O senhor, como secretário, pegou o período da reforma da previdência do governador Luiz Henrique da Silveira em seu segundo mandato?

Peguei no final. As negociações foram em minha época porque já era algo representativo no caixa único do governo.

O senhor viu a reforma em 2008, tivemos uma em 2015, essa de 2021. Quanto tempo vai demorar para ter uma próxima?

Vai ter outras. Isso não acaba assim. Existem certos direitos que são difíceis e não devem ser comprometidos em qualquer reforma, é constitucional isso.

Existirão reformas da previdência enquanto houver a geração de servidores para os quais os governos não fizeram poupança…

Também isso. De fato, vai. Mas você veja que no âmbito Brasil essa necessidade é uma necessidade que já está se superando, já fizemos a reforma no Brasil, o que motivou também a fazer em Santa Catarina. Não foi a única, não foi a última e vai existir outras porque a economia é dinâmica.

Mas voltando para o bom momento financeiro do Estado, quanto é corte de gastos e arrumação da casa e quanto é a inflação ajudando a forrar o caixa porque o Icms é percentual e cria esse efeito de que o aumento dos preços coloca mais dinheiro na conta do Estado?

Acho que é a somatória delas. Foi importante essa redução de gastos, como também a situação do aumento do consumo, do custo da energia, do custo do combustível, tudo isso tem refletido no aumento da arrecadação. Sem dúvida é um crescimento bem representativo e o resultado está aí: saldo de caixa.

E está sendo bem usado o saldo de caixa?

Eu acho que o governo está bem presente nas demandas de todos os municípios, principalmente naqueles eixos de infraestrutura, que são o grande tema do momento em razão do escoamento da nossa produção, da nossa capacidade produtiva. E também tivemos a situação da pandemia, onde o governo se mostrou muito presente com relação a tudo isso, até demais em alguns casos, mas não deixou faltar. Isso é importante. Eu acho que está sendo bem aplicado.

Nessa questão do uso dos recursos do estado para obras federais, como o senhor vê?

Nós tivemos uma discussão recentemente sobre isso e eu me posicionei da seguinte forma: se o governo federal não está tendo condições de fazer, nós temos que fazer porque nós não podemos ficar parados. Se o governo do Estado tem essa sobra e pode ajudar, deve ajudar e tem o nosso apoio. Só pediria, como pedi a todos, uma compensação disso na dívida ou na melhoria de um orçamento futuro de verbas que venham pro estado. Se vem lá R$ 600 milhões, que incluíssem mais R$ 200 milhões, mais R$ 400 milhões. É um adiantamento. Por outro lado, tem uma situação que me preocupou, que é aquela de que o governo federal fala assim “ah, mas Santa Catarina não precisa”. Nós estamos dando uma demonstração de que não está precisando…

Quando o senhor era secretário da Fazenda, o senhor via todo mês o boleto da dívida com a União…

Que era muito grande e impactante nas contas, então eu acho que se vier uma compensação na dívida, o Estado tem um bom momento, de bom tamanho. E deve vir, até por uma questão de justiça, do gesto que o governo do Estado está fazendo, o governo federal deveria repor. Nós já sofremos muito. Somos a 6ª economia em arrecadação para o governo federal e 23ª, 24ª em recebimento. Hoje a cada R$ 80 bilhões que a gente arrecada por ano, estamos recebendo R$ 8 bilhões, cerca de 10%.

O que explica a nossa falta de força política no governo federal? Parece que a gente não consegue ser ouvido. O senhor foi governo num período de oposição, Luiz Henrique da Silveira era oposição a Lula. Moisés não é oposição a Bolsonaro, embora tenha havido um estremecimento das relações, foram eleitos na mesma onda. E não importa, oposição ou situação, parece que a gente não consegue ser ouvido no Planalto.

É aquela história da água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Em Brasília, se você não tiver marcação constante e estar pedindo constantemente, vai pro final da fila. E aí ganha mais quem chora mais. Nos Estados isso não é diferente, aquele que pede mais, acaba levando. E o Norte e o Nordeste são experts nisso. Nós nos resolvemos, é uma característica nossa.

Como no caso das enchentes, quando acontece aqui em Santa Catarina, em uma ou duas semanas a gente já resolveu. Nós não vamos bater lá em Brasília, pedir para resolver, nós mesmos resolvemos. É um Dna nosso de ter esse empreendedorismo e de resolver esse problema. Isso, por outro lado, dá uma sensação de acomodação, mas não existe. Eu acho que hoje, o Fórum Parlamentar Catarinense, os nossos representantes políticos estão bem atuantes, bem conscientes de estar próximo ao governo e de mostrar a importância dos investimentos e a importância de receber mais recursos aqui para o estado. Então eu acho que os nossos políticos estão atuantes nesse sentido.

Ex-secretário da Fazenda, Sérgio Alves entende que bom momento do caixa do governo é soma de esforços do governo Moisés com o impacto da inflação sobre a arrecadação do Icms. Foto: Silvio Chioca

A Facisc atua junto à bancada federal? Como é a relação da Facisc com o Fórum Parlamentar?

Muito boa, muito boa. A atual presidente, a deputada Angela Amin (Progressistas) tem nos recebido com muita atenção, tem sido muito prestativa, tem atendido nossos pedidos. Nós agora mesmo estamos analisando a possibilidade de nos próximos meses fazer uma reunião do Fórum Parlamentar do Empreendedorismo aqui na Facisc. Isso faz parte de uma representatividade conjunta entre as forças vivas da sociedade e a força viva política.

Quais são as bandeiras que a Facisc gostaria que fossem resolvidas com mais celeridade aqui em Santa Catarina?

Sem dúvida, a parte de infraestrutura das nossas rodovias, BR-470, BR-280, a BR-282, a BR-163 lá no Extremo Oeste. Recentemente fizemos um pedido e participamos ativamente da instalação do Porto Seco de Dionísio Cerqueira, que foi atendido e já entrou em processo de licitação. A ponte sobre o Rio Uruguai, que liga Itapiranga a Barra do Guarita, no Rio Grande do Sul, uma ponte interestadual que passa diariamente mais de 1,5 mil pessoas para trabalhar na Brf, faça chuva ou faça sol, então é mais do que justo e necessário a construção daquela ponte. Uma obra que será a grande obra, do momento, e até representativa em termos nacionais, é o Contorno de Florianópolis, o nosso Contorno Viário. Acho que com, talvez, mais de 10 anos de atraso, felizmente estamos chegando nos finalmente, deve ser entregue até 2023…

E é uma obra imensa, a gente não passa perto dela e não vê que está acontecendo, mas quando ela entrar na nossa vida…

Belíssima obra! Uma obra com uma engenharia complexa, quatro túneis, seis ou sete pontes e elevados, uma obra que será um marco.

A obra do Contorno de Florianópolis teve muitos contratempos, 10 anos de atraso, mesmo com sua grandiosidade talvez não seja o melhor exemplo de concessão e de parceria pública-privado, mas vocês esperam que depois que ela sair e ficar clara sua importância, outras concessões possam ser viabilizadas aqui em Santa Catarina?

Nós somos totalmente favoráveis a concessões à iniciativa privada. Eu acho que o Aeroporto Hercílio Luz é a maior prova de sucesso…

Onde o senhor gostaria de ver uma concessão?

Primeiro em algumas estradas para dar mais celeridade, serem mais ágeis. Eu acho que na área de ferrovias é fundamental e também a área de portos.

O senhor acha que uma demanda histórica, a ferrovia do frango, sairia com uma concessão?

Eu acho que sairia. Eu acho que precisa se desmistificar algumas coisas que foram faladas sobre a ferrovia do frango. O escoamento, hoje, da proteína animal vinda do Oeste, não pode ficar a mercê do nosso eixo rodoviário, sem falar das condições. A cada 10 dólares exportados de Santa Catarina, 7 dólares são do agronegócio. Você vê a importância e o quanto nós temos para melhorar esse desempenho, tendo uma ferrovia. A necessidade do milho, o custo hoje do caminhão do milho, se torna extremamente oneroso em razão do deslocamento, não só pela distância, mas pela escassez da nossa rodovia. A ferrovia do frango é uma questão de tempo, vai se justificar pela demanda e sem dúvida seria, talvez, uma grande obra de iniciativa privada.


Sobre a foto em destaque:

Sérgio Alves me recebeu na Facisc na última semana. Foto: Silvia Chioca.

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