Se você tem uma bicicleta em casa é bem possível que seja cliente do deputado estadual Milton Hobus (Psd). Digo por experiência própria. Enquanto transcrevia a conversa com o pessedista e o ouvia falar sobre o bom momento do mercado de bicicletas e de sua atuação paralela como sócio da Royal Ciclo, fui conferir as peças da minha Caloi e não deu outra: os pedais e a banco vieram de Rio do Sul.

Hobus é um dos casos de empresários bem sucedidos que ingressaram na política de Santa Catarina. Um tradição que vem de longe – podemos citar Wittich Freitag, fundador da Consul e que como político foi duas vezes prefeito de Joinville e deputado estadual nos anos 1980 e 1990. Mas que virou moda nos últimos em pranchetas de dirigentes partidários e marqueteiros que vem no empresário um antídoto aos efeitos do desgaste da classe política. Hobus chegou um pouco antes da moda.

Eleito prefeito em Rio do Sul em 2004, foi reeleito em 2008. Completou o mandato e assumiu a Secretaria de Defesa Civil no primeiro governo de Raimundo Colombo (Psd). Está no segundo mandato de deputados estadual e é presidente do Psd de Santa Catarina – onde tenta arbitrar a disputa interna entre Colombo, João Rodrigues e Napoleão Bernardes pela condição de candidato do partido ao governo nas eleições do ano que vem. Hobus garante que não haverá disputa, que o consenso será construído até o início do ano que vem.

Na conversa que tivemos em seu gabinete na semana que passou, Hobus falou da vida de empresário-político, do futuro do Psd e da relação de altos e baixos com o governador Carlos Moisés (Psl) – agora na fase de altos.

Disse também que não será candidato à reeleição e nem a qualquer outro cargo nas eleições de 2022, limitando-se a conduzir o Psd nas eleições. Creditou essa decisão à necessidade de estar mais perto da empresa, na qual tem sociedade com um grupo italiano. Fora da gravação, mostrou indignação com a condenação no Tribunal de Justiça por irregularidades na compra de cadeiras em uma praça quando estava no primeiro mandato como prefeito de Rio do Sul – uma conta de R$ 24 mil. Essa condenação o faz figurar na lista de inelegíveis no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele recorre e espera sair em breve da lista, mesmo que não concorra.

Leia a íntegra da entrevista:

O marketing político gosta desse personagem, que é o empresário bem sucedido, que vem pra política após construir uma carreira na iniciativa privada. O senhor tem esse perfil. Chegou antes da moda? 

Eu acho que eu cheguei no tempo certo, principalmente pra minha cidade, onde a gente fez um bem enorme. Eu me lembro que quando eu disputei a primeira eleição e o prefeito que lá estava (Jailson Lima, Pt na época, hoje Pl), ia pra reeleição, dizia que eu um empresário rico e que só ia trabalhar para os ricos e que Rio do Sul tinha muito pobre. Resultado: a fila do sacolão, eu acabei, o desemprego acabou em Rio do Sul. Com a creche doze meses, todas as mães podem trabalhar porque o município garante a educação das crianças em período integral. Essas são as coisas boas de um empresário que tem sensibilidade humana e que sabe qual é a verdadeira missão do serviço público. Porque se lá na minha empresa o resultado é a satisfação dos meus colaboradores, clientes, fornecedores e o lucro, na gestão pública é você poder melhorar a vida das pessoas, é dar oportunidade para as pessoas, é criar condições para que as pessoas vivam dignamente. Por isso que políticas públicas implementadas com essa visão transformam. Fomos um exemplo disso na educação, na saúde, na gestão pública, na eficiência. Hoje não adianta só ter pessoas capacitadas para a gestão pública se não tiver sensibilidade humana. A gente viu muitos empresários bem sucedidos não se darem bem na política, porque não é tão simples assim, não é igual uma empresa. Em uma administração pública você trabalha com pessoas para as pessoas, é muito diferente. Então, se você não tiver essa capacidade de compreender isso, não adianta só ser um empresário bem sucedido e dizer que isso é é um um pré-requisito para ser bom gestor público. Muitas vezes, não é.

Esse é o perfil que o PSD busca, um partido que tá perto da classe produtiva, do empresariado?

Esse é o nosso DNA. Tanto é que nós temos histórico de excelentes prefeitos. Na reunião que nós fizemos nessa semana (encontro estadual do partido) com os nossos prefeitos e vices, eu mais uma vez estimulei que os prefeitos conversassem entre si sobre os cases de sucesso nas várias áreas de gestão pública e que os bons sejam multiplicados nas nossas administrações do Psd para criar essa identidade. A gente não deve ter vergonha de copiar aquilo que faz bem. Um partido político estimula isso. Eu fui prefeito de Rio do Sul por dois mandatos. Fizemos uma estrutura de gestão na prefeitura e ela continua até hoje. O nosso prefeito (José) Thomé (Psd) continua administrando a cidade com uma média de 36% de gasto com folha, que era o que eu tinha quando eu fui prefeito. 

Qual é o tempo que um um empresário, uma pessoa da vida prática, empresarial, com suas regras, consegue aguentar o jogo da política? 

Eu fui candidato a prefeito em 2004, os meus filhos ainda não estavam em condições me ajudar na fábrica. Eu fui prefeito e empresário, porque eu não tinha ninguém pra me substituir. Continuo até hoje, só que hoje eles já me ajudam muito, porque já estão no negócio, estão preparados. Mas fui oito prefeito e nos primeiros quatro anos eu não almocei nem um dia em casa. Fazia um lanche na hora do almoço pra despachar os documentos, ia pra fábrica, 5 horas da manhã, até 9h, 10h e o resto do tempo na prefeitura. A fábrica cresceu, dupliquei a fábrica, fiz uma sociedade internacional e fiz uma cidade nova em oito anos, o que me deu a reeleição com mais de 81% dos votos. E que deu a eleição de deputado e por aí afora. Hoje eu continuo contribuindo desse jeito, sem faltar com as minhas responsabilidades empresariais e familiares. Toda semana eu estou na empresa. 

E sobre seu futuro político? Pretende concorrer à reeleição, disputar a majoritária?

Quando eu comecei a participar da vida pública, era pra ser só uma vez prefeito. Esse era o alvará que a família me deu. Acabei sendo duas vezes prefeito e deputado. Influenciado pelos líderes e todo mundo pedindo pra gente ser, a gente acaba se motivando. Eu procurei fazer o meu melhor, em favor de Santa Catarina, em favor da minha região.

Se eu tivesse disponibilidade pessoal, com certeza teria me preparado para ser candidato a governador nesta eleição. Só não o fiz porque a minha condição pessoal, empresarial, não permite, pela sociedade internacional que temos, pela expansão dos negócios que temos, eu preciso voltar e me dedicar um pouco mais à empresa.

O setor de bicicleta tem um boom fantástico na bicicleta e meus sócios lá da Itália precisam da minha participação mais efetiva.

É o fim da carreira política ou uma suspensão dela? 

Não sei, no futuro a Deus pertence, eu gosto da política. Aprendi que é através da política que se faz as verdadeiras transformações. Não existe outro jeito, por mais que a gente possa na vida pessoal de cada um, empresarial, contribuir com isso ou com aquilo, ajudar isso ou aquilo, as transformações estruturantes da sociedade só acontecem através da política. E quando se tem essa visão e vontade de servir, de fazer, você não deve se distanciar. Então, eu não vou ser candidato, mas estou trabalhando como presidente do Psd com o mesmo afinco. Nós teremos excelentes candidatos e candidatas à Assembleia Legislativa e à Câmara Federal. Com todas as regiões representadas, o que é mais importante. Um partido tem que se preocupar com isso. Quanto mais você eleger de deputados de regiões diversas, melhor, a representatividade política. 

Mais imune ao caciquismo também.

Também. Mais forte fica o partido. Com o mesmo afinco nós estamos trabalhando com os nossos pré-candidatos ao governo para fazer um grande e verdadeiro debate sobre Santa Catarina. Eu acho que nas eleições de 2022 o eleitor catarinense vai querer se identificar com um projeto de fato. 

Que Psd o senhor quer?

Partido existe para disputar a eleição e governar. Partido político não pode servir pra ser bengala de ninguém, ser trampolim para isso ou para aquele, ser massa de manobra para auferir benefícios pessoais de gente que se diz dono de partido em cada cidade, para negociar cargos. Nós queremos que o Psd seja protagonista e o protagonismo tem que vir com base sólida.

Hobus, na imagem entre Ismael dos Santos e Marlene Fengler, colegas de bancada, defende candidatura própria do Psd ao governo. Foto: Daniel Conzi, Agência AL/Divulgação

O senhor acha que em dois mil e vinte e dois o eleitor vai voltar a querer discutir Santa Catarina? Ou ele vai escolher um número? 

Eu acredito piamente nisso. A política não permite aventuras. Por mais bem intencionadas que sejam as pessoas, a política e o exercício do maior cargo público de um Estado, que é governar o Estado, exige preparo individual, exige um time com competência para fazer e tem que dizer verdadeiramente para população o que vai ser feito. O PSD vai apresentar um projeto para os catarinenses em todas as áreas. 

No encontro estadual do partido se colocaram três nomes claramente. João Rodrigues, Raimundo Colombo, Napoleão Bernardes. Qual deles, na sua opinião, é o melhor nome para ser candidato a governador neste momento? 

Nós temos três excelentes pré-candidatos. Qualquer um dos três, com o time que nós temos e com a unidade que nós temos, têm a capacidade de liderar esse projeto de Santa Catarina. Qualquer um dos três, tanto em capacidade, como em idoneidade, como em perspectiva pelo histórico deles na vida pública e na vida pessoal. Quem vai ser o candidato? Isso é bonito também dentro do partido. Estamos construindo uma unidade. É evidente que com três candidaturas temos que lidar com os interesses individuais de cada um, todos eles querem ser, mas existe uma consciência coletiva de que o candidato será aquele que melhor reunir as condições para vencer a eleição. 

Vocês pensam em fazer algum tipo de disputa caso não haja um consenso? 

Absolutamente não.

Não haverá disputa no nosso partido, não haverá prévia no nosso partido, porque isso é totalmente desnecessário. O sentimento brota naturalmente. Nós vamos com os três pré-candidatos juntos percorrer Santa Catarina, cada um fazendo individualmente os movimentos que acharem necessários para se qualificar.

Nós não podemos ter um projeto individual, nós temos que ter um projeto para Santa Catarina e o Psd quer capitanear esse projeto acima das individualidades. 

Ao mesmo tempo, hoje o partido está dando um suporte ao governo de Carlos Moisés. Um dos principais colaboradores da administração, Eron Giordani, é do Psd. Está licenciado, mas é do partido e é uma presença importante no governo. 

O partido hoje, a bancada do Psd, está ajudando a dar governabilidade porque nós estamos aqui pra defender Santa Catarina. Por que isso aconteceu? Nos primeiros dois anos, o governador Moisés, talvez por inexperiência ou qualquer coisa diferente, não tratou os deputados, a Assembleia, com o devido respeito e também não fazia questão de conversar. Passados esses dois anos, ele procurou a nossa bancada e pediu ajuda. Pediu que nós ajudássemos nas pautas importantes para Santa Catarina. É isso que nós queremos, como políticos, como deputados, é isso que nós queremos. Nós queremos contribuir com Santa Catarina. Eu disse bem claramente para o governador: “só o que nós queremos é o respeito, uma relação respeitosa, porque nós conhecemos os anseios e as necessidades das nossas bases”. Nós vivemos as demandas dos catarinenses. O deputado é representante legítimo do cidadão catarinense. Esse novo convívio está ajudando, inclusive, a fazer com que o governo comece a andar. O governo começou a andar. 

Moisés mudou ou foi mudado? 

Eu não sei (risos). Mas fato é que hoje existe um diálogo construtivo, propositivo e respeitoso. Inclusive, a nossa bancada fechou questão a favor da reforma da previdência porque sabemos de sua importância. Se depender de nós, votamos a reforma como ela veio do governo. 

Até porque o Psd fez uma reforma da previdência até mais dura que essa, no limite do que dava pra fazer pela legislação em vigor em 2015.

Na época, a Constituição não permitia mexer na idade de aposentadoria, mas o governador Raimundo Colombo foi corajoso e fez uma grande reforma. Agora é necessária adequação da previdência estadual com a lei nacional da previdência. O que nós recebemos no governo nada mais é do que as regras que foram aplicadas na previdência nacional. Somos um país só. A previdência do Estado, ao longo de sua existência, isso não é de agora, foi sempre muito mal conduzida. Só a partir dos anos 2000 é que de fato se começou a formar um fundo de previdência. Até então ninguém contribuía para se aposentar. E por isso nós vivemos um rombo atuarial como a gente vê hoje, mais de R$ 100 bilhões de rombo nos próximos 25 anos. 

A entrevista foi concedida na última terça-feira, pouco antes do começo da sessão na Alesc. Foto: Jacson Almeida.

E uma triste constatação de que o passado não tem conserto, né? A gente vai pagar essa conta, mesmo com reformas pontuais a cada x anos. 

Não tem conserto. Por isso, nós temos que socializar esse custo para que os próprios servidores tenham a garantia de que no futuro vão conseguir receber a sua previdência. É uma reforma possível dentro do limite da Constituição. Por isso, eu sou favorável que não se abra nenhuma concessão. Nem para os poderes, nem para nenhuma categoria e que se faça realmente a reforma que se pode fazer, porque aí se estará fazendo justiça com os milhões de catarinenses. 

Mas aí me permita a brincadeira: é mais fácil ter essa posição sem ser candidato à reeleição. 

Não é uma questão eleitoral. Quem elege os deputados não é o servidor público tão somente. Nós temos sete milhões de catarinenses que não podem ser separados dos servidores públicos estaduais, não podem ser tratados diferentes. Isso é convicção pessoal e eu sei que é também é de uma grande maioria dos deputados aqui dentro da casa.

Nos bastidores se fala que se o governo Moisés conseguir deslanchar realmente, recuperar prestígio e credibilidade, que se Moisés for um candidato viável à reeleição, o Psd poderia estar com ele. Poderia?

O Psd tem um propósito de existência. Nós não admitimos que um partido político como nós, que é representativo em Santa Catarina, nas cidades simplesmente exista por mera formalidade. Nós queremos partido político para disputar a eleição e governar. E é isso que nós estamos preparando, porque o exemplo tem que vir de cima. A coligação tem o seu valor, tem a sua importância quando os propósitos, princípios e valores estão no mesmo nível, mas o ideal para a democracia e para a boa política é que cada partido vá de chapa pura e debata um projeto de Estado, diga claramente para o povo o que vai fazer. 

Isso também vale para o prefeito Gean Loureiro (Democratas), de Florianópolis,, que sonha com uma aliança com o Psd? 

Nós temos uma amizade com o prefeito Gean Loureiro. O Democratas é um partido em que todos nós participamos (em Santa Catarina, o Psd foi criado a partir de uma dissidência em massa do Democratas em 2011). Foi uma sequência do PFL (antigo nome do Democratas). Tem muita filiada no Dem até hoje que é da nossa mesma origem política. Evidente que esses partidos têm afinidade. Nós tivemos uma conversa muito saudável com o prefeito Gean Loureiro, que tem a justa aspiração de ser candidato a governador e tem méritos para isso. Nós temos uma conversa aberta e vai continuar aberta até os 45 minutos do segundo tempo, mas dizemos a ele muito claramente que o Psd tem nomes sólidos, está trabalhando com planejamento, com firmeza, para ter candidatura. Claro que se um partido político trabalha e não consegue viabilizar um nome para disputar com consistência, credibilidade e capacidade para debater um projeto de Estado, tem que procurar aliança. Mas esse não é o nosso DNA. Nós queremos e estamos nos preparando para disputar a eleição.


Sobre a foto em destaque:

Milton Hobus me recebeu em seu gabinete na Assembleia Legislativa para uma conversa sobre empresários na política, apoio ao governo Moisés e os rumos do Psd. Foto: Jacson Almeida.

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