A criação de Controladoria-Geral do Estado (Cge) foi o grande emblema da reforma administrativa promovida pelo governador Carlos Moisés (ex-Psl) em 2019, ainda durante o efeito da onda de renovação política que levou o quase desconhecido bombeiro militar ao comando do Estado no ano anterior. Com menos de um ano de criação, passou pela prova de fogo da pandemia do coronavírus e chegou a ter a eficiência questionada por não ter conseguido impedir a consumação do principal escândalo do governo Moisés – a compra mal-sucedida de 200 respiradores de Uti por R$ 33 milhões de reais, tema de Cpi na Assembleia de Impeachment e de um processo de impeachment não consumado.

A malfadada compra, no entanto, teve efeitos sobre a consolidação do jovem órgão de controle interno. Enquanto ainda tentava apagar o incêndio causado pelo escândalo, Moisés atendeu aos apelos dos auditores internos da Secretaria da Fazenda, através do Sindiauditoria, e nomeou um servidor da carreira para o comando da Cge. Cristiano Socas da Silva substituiu o professor universitário Luiz Felipe Ferreira e pacificou uma disputa interna entre os auditores – cedidos ao novo órgão – e o comando da estrutura.

Na semana em que se comemora o dia do auditor interno, 20 de novembro, conversei com o presidente do Sindiauditoria, Maurício Arjona, para que ele explicasse os desafios da carreira em transformação. Depois de colocar um nome da carreira à frente da Cge, a expectativa agora é pelo envio do projeto de lei que vai regulamentar a relação entre a carreira de auditor interno e o órgão. Arjona fala sobre essa expectativa e defendeu o fortalecimento da estrutura de controle interno como uma forma de blindar o governo e o Estado de erros como os que foram cometidos no episódio que marcou a atual gestão.

Leia a íntegra da entrevista:

A CGE nasceu como algo emblemático, era a grande novidade da reforma administrativa do governo da novidade. Passados estes dois anos, a CGE ainda não é vista como a protagonista que poderia ser, que se esperava naquele momento que viria a ser. O que falta?

Está faltando o envio de um projeto de lei para a Assembleia Legislativa estabelecendo a estrutura e a carreira. Nós estamos agora, no momento, à disposição. Nós somos auditores da Fazenda, à disposição da Cge. Então, os auditores hoje que trabalham na Cge não são lotados na Cge, com uma estrutura da Cge, com uma carreira da Cge. Continua sendo da Fazenda, uma coisa precária. Isso não só a carreira, com uma estrutura, porque hoje a Controladoria Geral do Estado é subdividida em Ouvidoria Geral, Auditoria Geral e Corregedoria Geral sem lei que respalde situações fáticas e jurídicas que estão acontecendo.

O que mudou na prática, para quem é da carreira, de ser uma diretoria da Fazenda e estar cedido a ser um órgão autônomo?

Bastante coisa. Eu sempre fui da parte da auditoria, as competências continuam muito parecidas. Mas existem outras que hoje são diretorias, a Auditoria Geral da Ouvidoria Geral e à Corregedoria, que têm competências inclusive para acordo de leniência, coisa que não existia. Competências que não existiam na diretoria da Fazenda, que hoje tem e precisam de uma lei para respaldar.

E o que falta para esse projeto de lei ser apresentado na Alesc, como está a conversa interna dentro do governo?

O governo sempre se prontificou…

Eu lembro que quando a reforma administrativa foi aprovada em 2019, com a criação da Cge, houve a promessa de que em breve viria a regulamentação…

Só que esse em breve já está aí há quase três anos. O governo nunca disse que não mandaria a lei, sempre reconheceu a necessidade da lei. Isso sempre foi reconhecido pelo governo e nunca foi dito que não mandaria. Só que o prazo está se esgotando.

Principalmente pela situação de que existe uma lei eleitoral que proíbe no próximo ano (alterações na carreira). Maio seria o prazo máximo. Quanto mais demora, mais insegurança vai criando. Não só em relação à carreira, quanto em relação à estrutura. Tudo o que foi trabalhado, todos os processos, auditorias, processos da corregedoria, os processo de transparência da Ouvidoria. Então, muita coisa que hoje a Cge está abarcando que poderia até ser melhor utilizada. Porque o ideal mesmo é que a Cge atue preventivamente. Para que não aconteça de estar passando um elefante e ele não ser visto. Por quê? Porque às vezes a Cge não é ouvida no grupo gestor.

A Cge tem cadeira no grupo gestor?

Não tem cadeira no grupo gestor.

Vocês esperam que essa regulamentação coloque a Cge no grupo gestor?

Eu não tenho certeza se consta isso, mas seria uma atitude muito proativa do governo se fizesse.

Trazendo para um caso emblemático da atual gestão, a Cge na forma como está hoje estruturada, ela conseguiria identificar com um caso equivalente ao dos respiradores fantasmas previamente?

Se ela tivesse uma atuação prévia. No caso dos respiradores foi tudo conduzido na Secretaria da Saúde. A Cge já existia, embora não fosse na atual gestão, era a gestão de um comissionado (Luiz Felipe Ferreira) , ela não teve conhecimento. Teve conhecimento posterior. Se esses processos tivessem uma autorização do grupo gestor e o controlador tivesse uma cadeira lá ou fosse previamente ouvido, ele teria esse controle prévio, que hoje não tem. Mas não é necessariamente só ter uma cadeira.

Algo que se comentava na época que o caso estourou é que para fazer a análise posterior dos processos já existe o Tribunal de Contas do Estado, que a Cge precisa atuar antes.

É isso. Por que não estabelecer um determinado limite, um valor mais alto, que tenha essa análise prévia e técnica da Cge?

Algum processo mudou a partir do escândalo dos respiradores para que a Cge tenha mais possibilidade de pegar os furos?

Depois do escândalo, depois que entrou um auditor de carreira como controlador geral, não se ouviu mais falar de problema, porque esses processos da covid acabaram tendo uma análise prévia da Cge.

Foi uma luta muito forte do Sindiauditoria ter uma pessoa da carreira de comando como da Cge. O que mudou na prática?

Nesse período todo, e já faz dois anos e meio, eu não ouvi falar de nenhum escândalo.

Um auditor de carreira no comando da Cge fortalece tecnicamente e pode ser usado de forma melhor. A gente não ouviu falar de mais nenhum problema atribuído à falta de atuação da Cge. Claro que com uma estrutura melhor e uma carreira mais forte vai evitar ainda mais.

O governador Carlos Moisés tem falado que em algum momento vai mandar uma pequena reforma administrativa que incluirá a fusão da Cge com a Secretaria de Integridade e Governança (Sig). Na prática, já está acontecendo porque o controlador-geral está ocupando o comando da Sig. Foi um erro criar as duas estruturas separadamente em 2019?

A ideia sempre foi da união, porque duas estruturas de controle no mesmo no mesmo Estado fica uma coisa meio incoerente. Eu não digo que foi um erro a criação, mas certamente foi um acerto a junção.

Na tramitação da reforma administrativa, em 2019, o projeto original previa mais de vinte competências para a Cge. A Assembleia Legislativa deu uma desidratada nessa parte, mantendo as competências mais genéricas e excluindo temas que, diziam à época, deixariam a Cge muito forte. Eram temas que avançavam questões fazendárias, como a possibilidade de revisar incentivos fiscais. Vocês pretendem recuperar aquelas competências que foram eliminadas quando houver a regulamentação específica da Cge?

Eu não participei dessa primeira situação. Agora, dizer que a Cge esteja forte demais não é bom? Fortalecer a Cge é muito bom para o Estado e para o próprio governo, porque, na verdade, é uma blindagem ao Estado. Permite ao governo ter o conhecimento prévio, evitar que erros sejam cometidos. É bom para o governo, é bom para o Tribunal de Contas. Se os erros forem evitados dentro do próprio governo, os processos não chegam ao Tribunal de Contas. Então, esse fortalecimento é a ideia da Cge. Claro que trabalhando com o governo, a ideia sempre foi essa.

As portas do governo estão abertas para Cge?

Não posso falar pelo controlador-geral, mas posso falar pela auditoria. Sempre que a gente conversa com o governo é bem recebido.


Sobre a foto em destaque:

Presidente do Sindiauditoria, Maurício Arjona recebeu Upiara Boschi para entrevista na última terça-feira. Foto: Aline Vaz, Divulgação.

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