Envolvida com as discussões sobre a remuneração dos professores e a reforma da previdência, a deputada estadual Luciane Carminatti (Pt) quase não tem tempo de colocar a conversa em dia. Nossa entrevista foi abreviada por uma reunião de líderes chamada para discutir questões da proposta que mexe com a previdência do funcionalismo. A petista conhece o tema, fez oposição à reforma aprovada na Alesc durante o governo Raimundo Colombo (Psd) e é novamente contra o texto apresentado pelo governo Carlos Moisés (sem partido). Usa um termo forte para se referir ao projeto: “cruel”. Mais até, segundo ela, que a reforma de 2015.
Mas há algo diferente nesse hiato de seis anos entre reformas. Em 2015, Luciane Carminatti fazia oposição ferrenha ao governo Colombo – era praticamente a líder da oposição. Com Moisés, o Pt tem diálogo e uma relação leve que seria inimaginável pela vinculação inicial do governador com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Luciane admite que a relação é diferente e diz que o desafio da bancada petista é aproveitar as oportunidades que o diálogo gera “sem esquecer que é um governo que não elegemos”. Uma das oportunidades, a mais clara delas, é a possibilidade de um salto na valorização salarial dos professores estaduais, tema historicamente defendido pela deputada.
Ela admite que se sente tensa por causa da expectativa gerada na categoria com a proposta de emenda constitucional que estabelece R$ 5 mil como remuneração mínima dos professores e a promessa de que um novo plano de carreira aporta na Alesc este ano. Entende que é uma oportunidade nunca vivida em seus mandatos anteriores para o tema avançar, mas diz estar alerta para que a promessa não fique apenas no Twitter – rede social usada por Moisés para anunciar a medida.
Defensora ardorosa da eleição do ex-presidente Lula em 2022, a petista diz que todo o projeto estadual deve ser balizado nisso. Até mesmo a possibilidade de apoiar outro partido estará na mesa. Sobre o próprio futuro, a segunda deputada estadual mais votada desta legislatura, evita a especulação sobre concorrer a deputada federal. Cita ex-colegas que tentaram voar sem sucesso – Ana Paula Lima, Dirceu Dresch, Claudio Vignatti – e diz que vai definir sua própria estratégia junto com o Pt. Brinca que ainda tem o que conquistar no legislativo estadual:
– Eu não suporto mais olhar para aquela parede (a galeria dos ex-presidentes) e só enxergar homens.
Leia a entrevista:
A reforma da previdência é um tema que é muito forte para o Pt, que foi contra a reforma nacional que baliza a que está em discussão na Assembleia Legislativa. A senhora participou da reforma de 2015 e está participando agora de 2021. Foi contra aquela e é novamente contra. Vê diferenças entre elas?
A de 2015 basicamente aumentou a alíquota para o servidor passando de 11% para 14%, ela aumentou gradativamente. Nosso Estado foi um dos primeiros a fazer a reforma aos moldes do que o governo federal exigia na época. Nós saímos na frente do ponto de vista da cobrança ao servidor. Agora ela é mais cruel, porque nesse pacote de crueldades nós temos não só o aumento da idade. A gente tem o aumento da idade geral para os servidores e também para as categorias específicas. Isso é um ponto bastante relevante do ponto de vista da mudança, assim como a alíquota previdenciária para os inativos. Fizemos um cálculo que mostra que mais de 70% dos servidores do Executivo, entre pensionistas e aposentados, recebem até seis salários mínimos. Então, cobrar uma alíquota para quem está aposentado que ganha menos é uma reforma bastante injusta, que pega os baixos salários, quem ganha menos, que está com a remuneração congelada já há um bom tempo. Nós temos a educação desde 2018 sem reajuste e outras categorias com remuneração bastante achatada e se implementa então para os aposentados essa alíquota. Um outro problema é a transição. Os principais debates que nós estamos fazendo e tentando consensuar emendas vão nessa linha. Alíquota dos inativos, a transição que está muito cruel…
A senhora usou a palavra cruel, que é muito forte, quando se referiu à questão das idades mínimas para aposentadoria. Uma reforma da previdência hoje tem como fugir dessa questão?
Eu acho difícil porque a reforma da previdência estadual está com base na federal aprovada em dois mil e dezenove. No entanto, eu questiono principalmente as categorias da saúde e do magistério, que se você fizer um comparativo do ponto de vista da atividade física e emocional, quem trabalha em um espaço como um hospital, um atendimento direto à saúde e quem fica trinta anos em sala de aula, são pessoas que contam os dias para chegar a aposentadoria. Então, eu acho que tem atividades que são mais degradantes. No caso das mulheres no magistério, aumentou sete anos a idade para aposentar. Era 50 anos, vai pra 57. Para os homens, aumentou cinco e a idade mínima é 62. No geral dos servidores públicos, 65. Esse é um problema que a gente tem que resolver. São as atividades que têm um impacto maior na saúde física e mental do servidor.

Luciane Carminatti conversa com o secretário da Casa Civil, Eron Giordani (Psd), durante audiência pública da reforma da previdência. A petista votará contra, mas admite diálogo com o governo em outros temas. Foto: Vicente Schmitt/Agência AL
A relação da bancada do Pt com o governador Carlos Moisés (sem partido) não é ruim. A reforma da previdência mexe com essa relação, ela dificulta essa relação?
Vamos por partes. Primeiro, eu diria que o Pt, mesmo na época do (ex-governador Raimundo) Colombo a gente sempre teve uma relação cordial, mas bastante dura em determinados momentos. Com o Colombo, eu me lembro do que foi a votação em 2015 da carreira do magistério. Foi um episódio dramático para nós e nós fomos muito duros. Teve momentos que eu pedi a cabeça de vários secretários. Então como eu falo, é uma relação diplomática, mas tem momentos em que nós vamos para o confronto, quando se coloca em risco princípios e projetos que mexem com aquilo que a gente acredita.
A relação que vocês têm com Moisés é diferente da relação que tinham com Colombo. Com Colombo a bancada do Pt era marcadamente de oposição e a senhora era a líder da oposição.
Marcadamente, concordo (risos).
Com Moisés, o Pt não conseguiu fazer aquele tipo de oposição nem no começo. É uma relação que veio desarmada, apesar de no começo o governador ainda fazer o gesto da arminha. O que é diferente?
Eu acho que o Moisés no começo abriu as portas. Depois ele fechou, quando começou a dizer que poderia governar sem o parlamento, ele causou também por parte dos parlamentares uma relação de distanciamento. Mas o fato é que hoje tem aspectos que nós defendemos que a gente consegue dialogar com o governo.
Nós temos o drama da previdência, mas por outro lado eu estou discutindo pela primeira vez o plano de carreira do magistério conseguindo colocar o governo para ouvir. É um avanço. Claro que se o resultado disso não for positivo, nós vamos para o embate. Eu acho que o grande desafio da bancada do Pt é aproveitar essas oportunidades que a gente tem de avançar em algumas pautas, mas jamais esquecer que não é um governo que nós elegemos.
O governo Moisés não é um governo que o Pt elegeu, nós tínhamos outro candidato, outro projeto e em grande parte do que está colocado enquanto ações deste governo, ele reproduz exatamente o que o governo Colombo fazia. Digo com muita tranquilidade, eu não fujo ao debate, ao diálogo, mas tem pautas que para nós são muito caras e o governador sabe que a reforma da previdência o Pt não tem como aprovar. Votou contra na primeira (2008, no governo Luiz Henrique da Silveira), votou contra na segunda, nós não vamos agora, com tamanha crueldade, votar a favor.
A senhora falou a palavra oportunidade e isso me chamou atenção, porque eu usei essa palavra quando escrevi sobre a PEC dos R$ 5 mil como remuneração mínima e a promessa de um novo plano de carreira para os professores. Parece existir uma janela de oportunidade para fazer a valorização real da carreira do magistério de Santa Catarina neste momento. A senhora acredita nisso também?
Eu acredito que o Estado tem recursos. Por exemplo, a emenda constitucional 108 trata do financiamento da educação, ela obriga os estados a não computar nos 25% (mínimo obrigatório de gasto) da educação nenhum inativo. A partir deste ano. Só nisso tem mais de R$ 200 milhões que o governo do Estado tem que usar para educação. Ano passado faltou quase 1% para chegar aos 25%. Este ano nós temos a receita aumentando ainda mais e tem mais uns R$ 220 milhões.
Essa é a brecha.
Essa é a brecha. Qual é a oportunidade que a gente tem?
Se o governo decidir valorizar o professor, tem recurso para isso. Agora nós temos tido uma atitude muito responsável, mas ao mesmo tempo o governo sabe que os R$ 5 mil do magistério não resolvem o problema da carreira.
Ao contrário, os R$ 5 mil pegam bem no primeiro momento, mas quando os professores começam a analisar, percebem que carimbar na Constituição que a remuneração mínima é R$ 5 mil não dá nenhuma garantia de carreira, porque daqui três anos vão estar lá os R$ 5 mil carimbados. Se não corrigir o piso e colocar isso na carreira, estaciona tudo.
E tem que corrigir na própria Constituição?
Exatamente. E aí para corrigir na constituição precisa de maioria e decisão de governo também.
A PEC nesse momento é uma brecha legal para permitir esse pagamento que o governo precisa fazer esse ano para chegar aos 25% da educação.
É, eu acho que foi uma uma ação estratégica do ponto de vista do Executivo. Porque na 173 (lei complementar federal de 2020 que regulamentou o repasse de recursos para combate à pandemia, mas proibiu reajustes salariais nos Estados por dois anos) não tem margem de aumento e ajuste. Tanto é que no piso que eles estão apontando como proposta para enviar para cá, eles vão colocar um dispositivo de que vale só a partir de janeiro do ano que vem, justamente para adequar dentro da 173. Então, eu diria que nós temos tudo para fazer a valorização, as condições estão dadas para valorizar os professores. Eu espero que o governo não perca essa oportunidade. Então, o meu esforço como presidente da comissão (de educação da Alesc) e da comissão mista (que discute o plano de carreira) também é dizer isso para o governo. As condições estão dadas, agora quem decide se vai valorizar ou não é o governo.

Luciane Carminatti cumprimenta o presidente do Sinte/SC, Luiz Carlos Vieira, no plenário da Alesc. Foto: Bruno Collaço, Agência AL.
A senhora é uma deputada que é muito vinculada às questões da educação, presidiu essa comissão mais de uma vez, como que a senhora vê esse momento em que parece que vai acontecer essa valorização aos profissionais?
Ah, eu quero te dizer que eu estou em uma tensão tremenda (risos). Porque a gente tem noção de que é uma categoria toda que está na expectativa.
Ao mesmo tempo, muitos professores estão felizes com os R$ 5 mil, mas eu tenho responsabilidade de não me contentar com essa notícia. A responsabilidade da minha história, da minha vida e do futuro do magistério. Nós não podemos ficar em um anúncio de Twitter, a gente não pode ficar no dispositivo na Constituição.
A gente precisa olhar para aquilo que a vida inteira o magistério acumulou de entendimento, que é a ideia de que quem estudar, quem se qualificar, permanecer concursado na carreira, investir nos seus estudos, no seu aperfeiçoamento, o Estado vai reconhecer isso.
Ainda mais agora que a reforma da previdência vai fazer ficar mais de sete anos na carreira.
Exatamente, então inclusive aí entra outro debate dos níveis, porque hoje você tem até a letra I (no plano de carreira). Agora aumentando mais sete anos tem que mexer na carreira para aumentar as letras. E também não permitir que se diminua os percentuais entre uma letra e outra. Se for aprovada a reforma da previdência estendendo sete anos para mulheres e cinco anos para o professor, nós teremos um trabalho grande de readequação da carreira.
A senhora vê o governador Moisés como candidato à reeleição?
Tem uma contradição aí colocada, né? (risos) Eu vi a entrevista do (deputado estadual) Marcos Vieira (domingo passado aqui no Upiara Online) e ele disse que o governador se comprometeu a não ser mais candidato (se escapasse do impeachment). Eu acho muito difícil (risos). Sejamos sensatos, né? É um jogo aberto. Eu acho que hoje em Santa Catarina é diferente das outras eleições. Não tem candidato favorito e tem um governador que tem recurso, está lançando obras. O governo vai pro Oeste, fica quatro dias lançando obras de infraestrutura, de educação, o que nunca se viu.
Moisés pode ser a opção da esquerda em um segundo turno, dependendo do cenário?
A nossa orientação é a eleição do Lula. Nós queremos eleger um projeto de país. Sempre tivemos o entendimento de que a maior estratégia do nosso partido é um projeto nacional. A partir daí você discute política habitacional, discute renda para os agricultores, salário mínimo, todas as conquistas que a gente teve na educação foram nesses últimos anos, com certeza grande parte delas.
O projeto de país é muito mais importante e nós temos consciência do nosso tamanho aqui no Estado. A leitura que a gente faz é de que aquilo que contribuir para a eleição do Lula em Santa Catarina, o Pt está à disposição.
Inclusive abrir mão da cabeça de chapa?
Inclusive abrir mão da cabeça de chapa. Tem essa discussão internamente no Pt.
E quem o Pt poderia apoiar?
Bom, aí é uma construção. O Pt sentou com vários partidos no campo da esquerda mas eu sinceramente penso que o desafio (é outro). Primeiro turno é isso, é esse jogo. Provavelmente o Mdb tenha seu candidato, o Psd, tem movimentações ocorrendo. O número de candidaturas ao governo no primeiro turno é bastante expressivo. Segundo turno muda o jogo.
A senhora tem um candidato do coração? Perguntei isso para a vereadora Carla Ayres (vereadora do Pt em Florianópolis) neste mesmo espaço.
A presidente?
Não, ao governo. A presidente não preciso nem perguntar, né deputada? (risos)
(risos).É (risos). É o provável candidato e espero eleito (se refere ao ex-presidente Lula). Eu sou muito pragmática nisso. Aquele que o partilho indicar é o meu candidato do coração.
Em 2018, o Pt de Santa Catarina sobreviveu por causa da força que tem no Oeste. Nas demais regiões, sucumbiu. Mesmo levando em conta que Ana Paula Lima não foi eleita deputada federal por um voto, a fortaleza eleitoral do partido foi o Oeste, com a sua eleição e de mais três deputados estaduais da região, além do deputado federal Pedro Uczai. Ao mesmo tempo, essa condição de fortaleza também gera um congestionamento. Não tá na hora da Luciane Carminatti voar?
(a deputada ri bastante) Eu estou rindo porque ouço isso quase todo dia. Que bom que a gente pode voar, né?
Quando deixam (risos).
Nós temos que saber exatamente o tamanho que a gente tem e as condições de crescimento. E aí não basta olhar pra minha situação, precisa olhar o conjunto do partido. A gente já perdeu várias lideranças porque o passo foi maior do que a condição.
A Ana Paula Lima era uma grande deputada (estadual). Vou falar dos nossos colegas aqui, ela foi uma grande parlamentar, o Dirceu (Dresch, que também concorreu a federal em 2018) foi um grande parlamentar do ponto de vista do tema da agricultura familiar. O próprio (Claudio) Vignatti (ex-deputado federal pelo Pt, hoje no Psb), que foi o nosso candidato ao Senado (em 2010), candidato a governador (em 2014). Eu acho que quando você se coloca para um desafio maior, também precisa medir o que contribui mais. Se é a tua não eleição ou se é ficar no espaço em que está. Eu caminho junto com a estratégia do meu partido. Definindo isso a gente vai caminhando junto.
Insisti porque nesses três mandatos a senhora foi quase tudo na Alesc, só não foi situação.
É, mas tem uma coisa que essa Assembleia deve para as mulheres. Eu não suporto mais olhar para aquela parede (a galeria dos ex-presidentes) e só enxergar homens. Está na hora de mudar isso (risos).
Sobre a foto em destaque:
A deputada estadual Luciane Carminatti (Pt) me recebeu para uma conversa em seu gabinete na última terça-feira. Foto: Talita Rosa.