No auge da crise política catarinense, quando a Assembleia Legislativa autorizou a abertura de dois processos de impeachment contra o governador Carlos Moisés (ex-Psl), o deputado estadual Coronel Mocellin (Psl) foi um dos poucos a permanecer leal. Uma lealdade que veio da farda – ambos oficiais da reserva do Corpo de Bombeiros – de uma longa amizade e, segundo ele, da convição de que Moisés não cometera os crimes de responsabilidade que lhe imputavam e dois quais acabou se livrando nos dois Tribunais Especiais abertos para julgá-lo. Com o governo vivendo um bom momento, Mocellin mantém a lealdade a Moisés e deve migrar para o partido que o governador escolher para disputar a reeleição. No caso do deputado estadual, no entanto, o objetivo é mudar de ares e concorrer a uma vaga à deputado federal.
Na entrevista que me concedeu em seu gabinete na Alesc, Mocellin explica porque pretende disputar uma vaga em Brasília desta vez, fala da relação com Moisés e dos momentos vividos durante os processos de impeachment. Também diz como se prepara para uma eleição que não deve ter a Onda 17 que ajudou a elegê-lo em 2018 e a posição diante do presidente Jair Bolsonaro (ex-Psl), catalizador daquela onda.
Leia a íntegra da entrevista:
Deputado, o senhor chegou na Assembleia Legislativa com uma base muito forte junto aos militares, mas também a bordo de uma onda que carregava aquele sentimento bolsonarista, Psl 17, que elegeu o governador de Santa Catarina. Como o senhor vê a próxima eleição, com Jair Bolsonaro fora do partido, esse sentimento talvez um pouco mais dissipado, o próprio presidente enfrentando a natural cobrança do que fez e o que não fez no governo?
Eu vejo que nessas próximas eleições não vai ter a onda que teve nas eleições de 2018, principalmente porque era uma onda não só de Bolsonaro, mas de mudança, de troca, quem já foi deputado, quem já foi parlamentar, não votar neles embora tenha feito um bom trabalho. Vejo que nessas eleições próximas vai ter que ter muito trabalho e conquista de voto individualizado e não dentro de uma onda. Eu sei que dentro do partido onde eu estava, o Psl, a gente teve facilidade em busca de votos, mas não quer dizer que isso foi decisivo para ganhar uma eleição, até porque nós tínhamos 41 candidatos e teve candidato com 600 votos, 2 mil votos. Foi mais fácil buscar os votos, mas não quer dizer que já estava eleito, como alguns dizem. Eu saí candidato com uma base e eu permaneço com essa base. Logicamente com quatro anos de mandato a gente busca outras bases políticas. Eu não tinha um vereador, não tinha um prefeito, não tinha tempo de televisão, nem recursos financeiros, não tinha nada. A gente tinha uma base que era de militares, guarda-vidas civis, bombeiros comunitários e amigos que a gente tinha fazendo campanha. Agora não, agora a gente tem uma base que está trabalhando, uma base também política.
E, nesse contexto diferente, em que tem uma base reforçada, mas não tem a onda, o senhor está preferindo concorrer a deputado federal em 2022. Por que essa opção?
Não era minha opção concorrer a deputado estadual. Meu projeto era terminar o doutorado e tal. Mas a gente tem um grupo que eles achavam que eu deveria ser representante, inclusive da outra vez já queriam que eu fosse para deputado federal. Eu estava como comandante-geral do Corpo de Bombeiros e estava toda semana em Brasília, porque também naquela época havia o projeto da Reforma da Previdência dos militares e, queira ou não, o comandante-geral é o representante maior da corporação. Eles queriam que a gente estivesse toda semana lá em Brasília.
Naquela época (2018) eu estava bastante cansado, então disse que iria concorrer a estadual. Desta vez, eles entendem que eu sou o nome entre os militares de Santa Catarina que tem mais chance de chegar como deputado federal e ser o representante dos militares de Santa Catarina em Brasília. Você viu que na Reforma da Previdência aqui não apareceu o nome dos militares. Toda legislação que trata dos militares no Brasil, seja federal ou estadual, porque nós somos equiparados a militares federais, é de competência da União. Todas as modificações maiores são dadas em Brasília.
E eu também vejo que as mudanças do país, muitas vezes o pessoal me procura aqui para eu tratar de algum assunto e é de competência da União, eu acho que a gente pode fazer mais diferença lá.
Essa questão das competências estarem em maior parte no Congresso frustra um pouco o trabalho na Alesc?
Bastante, bastante. Porque assim, no artigo 31 a Constituição diz que aos municípios compete legislar sobre assuntos locais, a União tem as competências da União e o que compete ao Estado é subsidiário, o que não é da União, o que não é do município, sobra para o Estado. É muito pouco. Tem projeto que é inconstitucional porque é competência da União, outros porque tem que ser iniciativa do governo porque tem gasto pro Estado, acaba sobrando pouca coisa para fazer, de competência, de iniciativa parlamentar. Então, tem que tomar muito cuidado quando a gente faz um projeto de lei aqui, mesmo pedindo para regulamentar, já pode ser inconstitucional.
Nesse período na Alesc, de quais ações, de qual projeto, você se orgulha até aqui?
Olha, esse que nós acabamos de aprovar semana passada e que o governador deve sancionar, de considerar o doente renal crônico um deficiente físico para efeito de vagas, para busca de emprego, porque é muito difícil ele conseguir um emprego fazendo hemodiálise três vezes por semana, então, esse eu acho importante. Nós fizemos outro que também foi aprovado, a pedido de entidades, de obrigatoriedade de vacinação para todas as crianças. Não é que seja obrigatória, mas teoricamente é, porque ela terá que apresentar a carteirinha de vacinação atualizada no ato da matrícula. Se não tiver, os pais têm 30 dias para vacinar o seu filho e, se não fizer, a escola tem que denunciar o seu caso para o conselho tutelar pelos pais não manterem as crianças vacinadas. O Estado investe muito em vacinas e acaba jogando fora. A minha esposa trabalhou 25 anos na Vigilância Epidemiológica e trabalhava nessa área e o índice de vacinação estava cada vez mais baixo.
E aproveitando esse gancho da vacina, o que o senhor acha dessa polêmica de exigir vacinação contra covid para acessar alguns locais, o chamado passaporte de vacina?
Eu acho que ninguém é obrigado a se vacinar, mas não pode reclamar de restrições que foram impostas. Por exemplo, eu sei que se eu quero viajar para um determinado país e lá é exigido vacina de febre amarela, eu não sou obrigado a tomar vacina de febre amarela, mas eu não posso ir lá. É imposto pela legislação.
Eu acho que tem que seguir. O pessoal diz que ninguém é obrigado a se vacinar e ninguém é, mas a gente está em uma situação de saúde pública. Onde, não se vacinando, pode estar transmitindo o vírus e isso sendo um fator que complica a sociedade e causa, inclusive, mortes. Então, eu vejo que pode não se vacinar, mas não pode reclamar das restrições que foram impostas pela legislação.
Quando o senhor se elegeu, era do time do Bolsonaro 17. O Bolsonaro desgarrou e em determinado momento, na crise do Psl, parecia o time eleito em 2018 em Santa Catarina virou os times do Bolsonaro e do Moisés. O senhor ficou no time do Moisés…
Se olhar minhas postagens, toda semana tem alguma publicação apoiando as ações do presidente, não tem críticas ao presidente da República. Eu acho que a gente tem que tentar apoiar ações que fortaleçam o Estado, a questão da concorrência, empreendedorismo, a questão da família, uma série de ações que o presidente Bolsonaro faz e eu apoio. Tem algumas ações que a gente questiona, mas logicamente não deixa de apoiar. O governo do Estado, apesar das dificuldades que ele teve no início, principalmente relacionado à questão política, de não saber trabalhar com os parlamentares, com os prefeitos, a dificuldade de relacionamento, ele está fazendo um bom governo.
Naquele momento de maior crise política, quando praticamente toda base debandou, o senhor foi um dos que permaneceu leal…
Eu sabia que não tinha nada de irregular.
Mas foi a farda que manteve o senhor próximo do governador Moisés?
É, pode até ser. E pelos 30 anos em que a gente trabalhou junto. A gente conhece muito bem o Moisés, a pessoa dele. Eu sei o quanto ele é uma pessoa correta, que tenta fazer as coisas certas. Ali eu percebi que estava havendo um sistema tentando derrubar ele do poder e isso é fato.
Eu disse que preferia não concorrer mais a cargos eletivos nenhum do que trair minha consciência por dizer que alguém cometeu um crime de responsabilidade administrativa, acusar alguém de cometer um crime, que eu sabia que ele não tinha cometido. Me falaram que se eu votasse a favor eu estaria morto politicamente eu dizia que prefiro estar morto politicamente do que trair minha própria consciência.
Agora o governo Moisés vive seu melhor momento, o governo está com uma base, está com recurso em caixa, o governador está procurando um lugar para ser candidato à reeleição com o apoio desse sistema que o senhor disse que queria derrubá-lo. Como o senhor vê essa contradição?
Olha, eu procuro trabalhar com a minha consciência. Eu ainda não me acostumei com certas negociações políticas. Foram 36 anos trabalhando na parte técnica e nunca pensando no que eu ganharia politicamente fazendo determinadas ações até porque o pessoal muitas vezes me reclama que eu faço as coisas e nem bato foto, levando alguém para fazer alguma negociação, o prefeito, por exemplo, para falar com algum secretário. Mas a questão dos acordos políticos que são feitos para o bem do Estado, e eu acredito que esses acordos foram uma forma de fazer com que o Estado pudesse dar continuidade, né? Cada um tem sua própria consciência de agir. Quem vai julgar é a opinião pública, não sou eu.
O seu partido atual, o Psl, está num processo de fusão para formar o União Brasil. No seu caso, o senhor deve acompanhar o partido que o governador Moisés for?
Olha, eu gostaria de apoiar o presidente da República. Eu não posso estar desalinhado com pautas de direita, com o presidente. Mas dentro do Estado, eu sei que nós temos um time, uma equipe dentro do governo, que deve ter candidatos a deputado, que podem ser colegas meus de profissão, oficiais, que vão estar concorrendo e a gente não pode se desgarrar. Eu preciso do governo para dar resposta para o meu eleitor.
Eu não fui eleito para usar a tribuna e xingar o governo. Eu fui eleito para dar respostas. Por exemplo, os nossos militares querem reposição salarial, querem o aumento da diária, querem viaturas, ou seja, querem alguma coisa palpável para melhoria das condições pessoais e de serviço. Não adianta, se eu estiver distante do governo, eu não vou poder dar essa resposta, vou fechar portas para negociações com os secretários e também com o próprio governo.
E também chega no momento de trabalhar para uma reeleição do governo, seria muito fácil de eu me afastar. Eu não gostaria, a gente está conversando com o governador, conversando com partidos para ver qual é o melhor caminho.
Hoje o mais próximo é o Republicanos?
O Republicanos tem conversado. Tenho conversado com outros partidos, têm me procurado, mas a gente não tem uma definição ainda de qual partido que eu vou.
A gente viveu aqui a questão da Reforma da Previdência, que foi uma questão muito forte. Os militares, que o senhor representa, estavam blindados porque já tinha sido definida em Brasília, mas…
Já tinha sido feita a reforma porque, olhe só, as mulheres, por exemplo, que tinham 25 anos de serviço e poderiam ir para a reserva, se aposentar, atualmente são 35 anos.
A questão diferenciada construída em Brasília, dos policiais militares, foi muito usada aqui, especialmente pela categoria da Polícia Civil…
Exatamente, mas lá não foi negociado, eles não deixaram pra negociar aqui. E nós negociamos lá.
O senhor acha justo que os militares tenham uma situação diferenciada dentro do serviço público estadual?
O serviço militar, da atividade militar, é diferenciado. Nós não podemos ter greve, nós não podemos nos candidatar a um cargo eletivo e permanecer na função como muitos outros. Tem uma série de restrições. Tem que pesar ações positivas e negativas, ou então, vice-versa. Então nós somos militares ou não somos militares, porque hoje alguém que é militar com oito ou nove anos de serviço, se for concorrer a um cargo eletivo, ele é excluído na mesma hora. Se ele tiver mais de 10 anos, ele vai para a reserva com os dias de serviço. Os outros funcionários públicos podem permanecer, inclusive, exercendo a profissão. Tem outras restrições. A questão da disciplina, que é muito mais rigorosa. Eu acho que tem que ser assim. No mundo todo, os militares têm um tratamento diferenciado e um sistema de proteção social, não previdência. Entendo, assim, que no Brasil tem que ser igual.
Sobre a foto em destaque:
O deputado estadual Coronel Mocellin (Psl) me recebeu em seu gabinete na Assembleia Legislativa na última quarta-feira. Foto: Marcelo Toletino, Divulgação.