Não é exagero chamar Clésio Salvaro de fenômeno eleitoral. Há 13 anos a cidade de Criciúma elege o tucano para governar a cidade e desde 2012 faz isso com mais de 70% de seus votos – patamar alcançado até na eleição em que foi considerado inelegível pela Justiça Eleitoral, em 2012. Essa rara ligação entre uma cidade e seu líder é a condição básica para uma pergunta que movimenta a política do Sul do Estado e tem a atenção das demais regiões: Clésio vai renunciar à prefeitura em abril do ano que vem para concorrer a governador ou vice?
Essa era uma das questões que eu levei para a conversa que tivemos em seu gabinete na prefeitura de Criciúma na última quinta-feira. Na mesa, um acrílico afixado permite conversas com proteção extra contra contaminação pelo coronavírus – detalhes que ratificam a posição do tucano como um dos prefeitos mais atuantes no combate à pandemia. E é justamente essa questão um dos pontos que Clésio cita para a decisão que tem expressado de continuar prefeito. O tucano crê que após quatro vitórias, a terceira gestão será a que lhe dará maiores condições de fazer “o mandato das grandes realizações”.
Admite as pressões para concorrer, que vem de entidades e até mesmo do ex-adversário Eduardo Pinho Moreira (Mdb), diz que é bom ser lembrado e que seria uma honra governar Santa Catarina “como governador ou vice”, mas diz que ainda tem tempo para isso. Diz que “joga com a idade”, referindo-se aos 58 anos completados três dias antes da gravação da entrevista. Clésio reforçou o apoio público que tem dado ao pré-candidato tucano Gelson Merisio, derrotado no segundo turno das eleições de 2018 para o governo quando ainda estava filiado ao Psd. Diz que o Psdb catarinense está conhecendo um “novo Merisio”, mais aberto ao diálogo e menos impositivo. Em plano nacional, abriu o voto para o governador gaúcho Eduardo Leite nas prévias para definição do candidato do Psdb à presidência.
A questão nacional foi justamente um dos temas de potencial mais explosivo na entrevista do prefeito criciumense. A mesma cidade que lhe dá percentuais extraordinários de votação, em 2018 deu um respaldo de 72,3% no primeiro turno e de 81,9% no segundo para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O próprio Clésio é um desses eleitores no segundo turno. Isso não impede o tucano, pelo contrário, de se dizer decepcionado com o governo Bolsonaro. E faz uma comparação que deve atiçar fortemente as conversas políticas de Criciúma: segundo ele, a atenção aos municípios era melhor no governo do ex-presidente Lula (Pt).
– Eu tenho liberdade total para dizer que eu esperava muito mais dele. E pelo fato de dizer isto, daqui a pouco alguns bolsonaristas vão dizer que eu sou petista. Longe disso! Eu votei no Bolsonaro, por isso eu posso falar que eu esperava muito mais dele, o Brasil esperava muito mais dele, o brasileiro esperava muito mais nele. Só ele, com tanta bobagem, com tanta ineficiência, para ressuscitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula de Silva (Pt).
Leia a entrevista:
O senhor é prefeito reeleito em Criciúma, venceu a quarta eleição seguida. Uma não lhe deixaram assumir, mas o povo de Criciúma deixou expresso que queria, tanto que elegeu o seu candidato na eleição suplementar. É um fenômeno eleitoral como a gente não tem em Santa Catarina. O que ainda o mantém em Criciúma? Qual é o momento em que o senhor vai tentar dar um salto estadual?
Eu estou contando aqui agora. Falasse em quatro eleições, mas são cinco. Eu estou contando: 2008, 2012, 2013 com o meu candidato (Márcio Búrigo, ex-Pp, vice-prefeito no primeiro mandato). Alguém pode dizer que não era bem assim, mas a eleição de 2016 foi a prova disso
2013 foi o segundo turno daquela de 2012.
E (a quinta vitória) em 2020.
O que me faz continuar desejando governar a cidade é que apesar de ter todas essas eleições eu estou indo para o meu terceiro mandato de prefeito.
Em 2009 foi um mandato de acertar a casa. De 2013 a 2016 seria o mandato das grandes realizações. Não aconteceu. 2017 e 2018 foram terríveis aqui nesta prefeitura. Aliás, não tinha prefeitura (o prédio foi atingido por dois incêndios em 2015). Isso aqui eram toneladas e toneladas de lixo. A prefeitura devia mais de R$ 170 milhões, salário de servidores atrasados, a prefeitura não tinha certidões negativas, enfim. Aí veio a pandemia no início de 2020, foi terrível. Na verdade, eu tive 2019. Agora eu posso dizer que este mandato de 2021 a 2024 vai ser o mandato das grandes realizações. Nós estamos com o volume de obras que deve chegar até o final do ano próximo a R$ 400 milhões em obras em andamento. É o maior volume de obras da história desta cidade. É um momento bom que a cidade está vivendo, todas as pesquisas de avaliação de governo colocam que 85% ou mais aprovam nosso governo. Acho que disputei a reeleição no pior momento e mesmo com sete candidatos obtivemos 73% dos votos. Mas foi no meio de uma pandemia. Ruim, terrível. Foi uma campanha triste, uma campanha pobre
E que mexe muito com seu jeito de fazer política, que é muito próximo, muito presente.
Foi totalmente diferente da campanha alegre em que você pode debater a cidade. Não foi possível. Então, o que me motiva a continuar no exercício do mandato de prefeito é que eu fui eleito pra ser prefeito por quatro anos. Então, eu vou terminar o mandato e a partir de 2025 é uma outra história.
Eu vejo que há bastante pressão pela renúncia aqui na região Sul. Entidades, imprensa. Nas minhas participações na Rádio Som Maior, o tema sempre vem.
Primeiro, sempre é muito bom ser lembrado, né? Governar o Estado de Santa Catarina, estando na condição de governador ou de vice, é uma honra para qualquer político que esteja exercendo qualquer mandato. Vereador, prefeito ou vice-prefeito, deputado estadual ou federal, estar no comando do governo do Estado é uma honra. Um Estado rico como é o nosso, com uma economia muito bem diversificada, um Estado multicultural, um Estado extraordinário.
Governar Santa Catarina é uma honra para quem já foi deputado estadual por três mandatos. Seria uma honra, mas acho que tenho tempo. Eu ainda jogo com a idade.

Apesar da pressão para renunciar e concorrer a uma vaga majoritária em 2022, Clésio tem declarado apoio a Merisio, que esteve em Criciúma. Foto: Psdb-SC, Divulgação.
Criciúma é uma cidade que deu uma votação muito forte para o presidente Jair Bolsonaro (72,3% no primeiro turno, 81,9% no segundo). Votação que ficou em um percentual semelhante ao que o senhor alcança. Isso significa que há uma grande coincidência de voto, gente que votou no Bolsonaro e vota no senhor. Achou que teria que mudar alguma coisa no seu estilo, ficar mais parecido com esse jeito bolsonarista na hora de disputar uma eleição novamente?
Não, não.
Algumas pessoas dizem que eu sou populista. Não me comparo ao Lula. Outros dizem que eu sou da extrema direita. Também não me comparo ao Bolsonaro.
Eu posso dizer que junto o meu vice-prefeito (Ricardo Fabris, do Psd), com a minha equipe, em uma cidade de quase 220 mil habitantes, administrada pelo prefeito e o vice e apenas cinco secretários que não tem adjuntos, que quando a Lei de Responsabilidade Fiscal fala em comprometer gasto com pessoal em até 50% e nós estamos com 30% da nossa arrecadação gasta com o pessoal, uma cidade que é totalmente transparente, uma sociedade em que o cidadão percebe a presença do governo na sua casa, na rua, na vida, no bairro onde ele mora. Então, nosso governo não se compara ao Lula nem ao Bolsonaro. Nós temos o nosso estilo de fazer as coisas acontecerem. E só não fizemos mais porque o governo federal não nos permite fazer mais. O governo federal está perdendo uma oportunidade de ouro em tornar a máquina pública mais ágil, mais rápida, mais dinâmica, fazendo com que o Brasil fosse mais competitivo em relação a outros países do mundo. A máquina pública está muito lenta, muito ultrapassada. Esse modelo de contratar o servidor público em que se faz uma prova e depois ele fica estabilizado durante 25, 30 anos, isso não existe. Você não contrataria o empregado da tua casa ou a empregada da tua casa apenas por uma entrevista ou por uma prova para ela ficar 30 anos estabilizada. Claro que eu tenho empregado na minha casa que já tem tem mais de 20 anos, mas o que eu quero dizer que também tem servidores públicos que são extraordinários, mas não pode ser uma prova que garanta a estabilidade. A prova pode ser o ingresso, a estabilidade tem que ser o resultado, o quanto ele produz. O governo precisa criar um mecanismo de meritocracia. Então.
O governo Bolsonaro erra em não implantar a meritocracia, erra em não fazer a reforma tributária, a reforma política. O governo erra muito. E foi um governo que teve todas as condições de fazer.
Errou em ter feito essa reforma da previdência do jeito que foi feita. Eu sou favorável à reforma da previdência, mas reforma da previdência para todos, não para um setor só (os militares ganharam condições específicas na reforma previdenciária). Eu acredito que o Estado tem que estar em condições de competir com os países mais desenvolvidos.
O senhor se decepcionou com Bolsonaro na presidência?
Eu posso falar do Bolsonaro porque eu votei nele. No primeiro turno votei no (Geraldo) Alckmin (Psdb) e no segundo eu votei no Bolsonaro. Então eu tenho liberdade total para dizer que eu esperava muito mais dele. E pelo fato de dizer isto, daqui a pouco alguns bolsonaristas vão dizer que eu sou petista. Longe disso!
Eu votei no Bolsonaro, por isso eu posso falar que eu esperava muito mais dele, o Brasil esperava muito mais dele, o brasileiro esperava muito mais nele. Só ele, com tanta bobagem, com tanta ineficiência, para ressuscitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula de Silva (Pt).
O senhor foi prefeito com Lula e com Bolsonaro, é uma experiência que pouco têm. Qual a diferença?
Olha, em termos de atenção aos municípios, de longe, o governo do Lula foi muito melhor.
Por exemplo, do governo do atual presidente da República, eu falo pela minha cidade, Criciúma não me recebeu o único centavo. No governo do presidente Lula, com bons projetos, nós buscamos muitos recursos. Acabamos com boa parte das cheias da cidade com a construção do canal auxiliar, construímos creches, escolas. Desse governo vem apenas os recursos que são constitucionais, o da saúde, da educação ou social que é a transferência automática, que independe do presidente.
A que o senhor credita isso?
Eu acho que é um governo que discute muito no campo ideológico. Faltou colocar em prática o discurso “menos Brasília e mais Brasil”.
Que era o discurso de campanha de Bolsonaro.
Faltou ele, presidente da República, colocar em prática o mais belo dos discursos dele: “menos Brasília e mais Brasil”. Está o inverso. Continua muito Brasília e menos o Brasil.
Eu acompanhei como repórter do Diário Catarinense aquela visita do ex-presidente Lula a Criciúma em 2010 para inaugurar um trecho da duplicação da BR-101. O senhor entregou a ele a chave da cidade e uma camiseta do Criciúma, uma foto que de vez em quando aparece e é usada politicamente contra o senhor. Se arrepende?
Não, absolutamente. Eu não votei no Lula, mas ele era o chefe da nação, há de se respeitar Eu acho que quando se vence uma eleição, a partir do momento em que sacramentou o voto na urna, da diplomação e da posse, o partido político passa a ser o que menos interessa. Tem que ser buscado o resgate da necessidade da sociedade. Ele não era presidente do Pt, ele era presidente do Brasil. Eu não sou o prefeito do Psdb, eu sou prefeito da cidade, prefeito daqueles que me elegeram e daqueles que não me elegeram. Aliás, eu sou mais prefeito daqueles que não votaram em mim. É uma forma de procurar conquistar. O fato dele ter vindo aqui e eu ter entregue pra ele a chave da cidade e a camisa do nosso glorioso Criciúma, eu faria tudo de novo.
Se o Bolsonaro vier a Criciúma também darei a ele o mesmo tratamento, por ele não é presidente de um partido, ele representa o Brasil.

Gesto de Clésio com o Lula em 2010 foi parar no horário eleitoral da adversário Júlia Zanatta (Pl) na eleição de 2020. Foto: Reprodução.
Como o senhor vê o seu Psdb, que vive um momento de disputa interna e quer recuperar o protagonismo na disputa pelo poder nacional que perdeu com essa polarização entre Bolsonaro e o Pt?
O partido criou um mecanismo para eleger nas prévias o seu candidato. Agora tem os candidatos. O (João) Dória (governador de São Paulo) está trabalhando, o Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul) está trabalhando, estão disputando os votos dos convencionais, que são os vereadores, prefeitos, vices, vereadores, deputados estaduais, federais, governadores, enfim. Eles tão trabalhando. Eduardo Leite esteve em Santa Catarina, agora na próxima semana eu acho que vai vir o Dória. Ambos estão fazendo campanha. O partido vai ter o seu candidato e o seu projeto.
O senhor vota na prévia. Já escolheu algum deles?
Olha, eu sou do Sul. Eu sou do Sul, sou sempre muito mais bairrista. Como deputado eu pensava como deputado, agora como prefeito eu penso como prefeito. Agora, como convencional, eu penso muito mais pela região do país. Eu gosto muito da proposta do Eduardo Leite, que já foi vereador, que foi prefeito, é um bom governador.
Foi prefeito de uma cidade, Pelotas, que em alguns pontos lembra até Criciúma.
Lembra muito Criciúma. Eu acho que a cidade de Pelotas lembra muito as várias cidades de médio e grande porte que nós temos em Santa Catarina.
Acha que ele pode levar esse olhar desse perfil de cidade para a presidência?
Eu acho que seria o melhor presidente para os prefeitos e para as cidades. Eu gosto muito da proposta do Eduardo Leite.

Eduardo Leite foi recebido por tucanos catarinenses no início de julho. Clésio diz que a tendência é o diretório estadual apoiar o gaúcho nas prévias do Psdb. Foto: Psdb-SC, Divulgação.
Vocês conversaram naquele dia em que ele esteve em Florianópolis?
Conversamos. Nós trocamos o WhatsApp, nós dialogamos. A Paulinha Mascarenhas (prefeita reeleita de Pelotas, sucessora de Eduardo Leite) tem conversado comigo.
Há uma tendência muito forte de Santa Catarina estar com Eduardo Leite.
Vamos ouvir o Doria, que vai vir agora a Santa Catarina também trazendo a sua proposta. É por aí. Vai surgir alguém muito mais racionalidade para apresentar uma proposta para os brasileiros.
E em nível estadual? O senhor tem declarado apoio ao Gelson Merisio, assim como outras lideranças tucanas têm se posicionado. O que o Merisio está fazendo para conquistar o partido?
Ele está fazendo o que tem que ser feito. Ele está conversando com os vereadores, conversando com os prefeitos, conversando com os ex-prefeitos, com os deputados. Não se apresentando,, mas dizendo “eu sou um novo Merisio, eu não sou aquele Merisio que ou vai ou racha, eu sou o Merisio do diálogo, da conversa”. Eu já ganhei muitas eleições, mas a derrota foi a que mais me ensinou. Ela te traz uma lição de vida, ela é extraordinária para vida política e para tua vida como ser humano. Eu aprendi muito com a derrota que tive.
Eu acho que o Merisio aprendeu muito com a com a derrota de 2018.
Em que pese tenha feito uma campanha bonita. Ele foi para um segundo turno muito bem, mas naquele momento não tinha como vencer a eleição. Qualquer um do lugar dele perderia a eleição. Então, mas ele veio e está diferente o Merisio. Está bom o diálogo, está bom para a conversa, está discutindo os problemas por região, está entendendo melhor Santa Catarina, está dialogando em todos os grandes municípios para entender as deficiências de cada região. Ele está trabalhando, eu acho que isso está fazendo dele um pré-candidato melhor.
Outro que todo mundo diz que mudou muito, que antes não conversava e agora conversa, é o governador Carlos Moisés. Como está sua relação com o novo Moisés?
Eu acho que melhorou bastante. Porque nós somos políticos. Como eu falei, independente da sigla partidária, passada a eleição você tem que enrolar a bandeira do seu partido e governar para todos. Talvez por ele não ter disputado outras eleições e ser levado ao cargo máximo da política catarinense social, talvez ele não tenha compreendido a necessidade de naquele primeiro momento dialogar com as demais autoridades políticas. O vereador é uma autoridade, o vereador também foi eleito, ele também quer mostrar resultado para sua comunidade. O prefeito também. O deputado também foi eleito junto com o governador, ele também quer representar a sua comunidade no parlamento e quer mostrar resultado. Faltou naquele primeiro momento o governador dialogar com o parlamento e dialogar com os prefeitos. Não tem como o governo do Estado ser visto pelos catarinenses se não for através das prefeituras. Agora ele está conversando com o parlamento, está conversando com os prefeitos. Com frequência eu recebo indicações do governador. Esta aproximação com o governador tem sido muito positiva. Nem tanto para ele e nem tanto para mim, mas para os catarinenses que moram aqui em Criciúma.
Sobre a foto em destaque:
O prefeito Clésio Salvaro (Psdb) me recebeu em seu gabinete na prefeitura de Criciúma para uma conversa na última quinta-feira. Foto: Jhulian Pereira, Decom-Criciúma.